MUHM - Museu de História da Medicina
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
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Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias<br />
do estado, o que <strong>de</strong> certa forma contribuiu para a sua que<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong>mográfica, anomia e <strong>de</strong>sajuste social. Antes, escravo, constituindo-se<br />
na principal força <strong>de</strong> trabalho e integrado socialmente,<br />
sendo consi<strong>de</strong>rado, juntamente com a gran<strong>de</strong> lavoura, a<br />
base do sistema escravista (COSTA, 1998, p. 271).<br />
Essa situação <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s foi vivencia<strong>da</strong> pelos negros<br />
na região sul do estado, já que Pelotas e Rio Gran<strong>de</strong> também<br />
se constituíram como centros comerciais <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra escrava<br />
(GATTIBONI, 1993; ASSUMPÇÃO, 2013).<br />
Contudo, no caso do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Loner (1999)<br />
<strong>de</strong>stacou que nos municípios <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong> e Pelotas a integração<br />
dos libertos negros ocorreu nas indústrias, sendo estes<br />
integrados ao operariado, diferentemente do centro do país,<br />
que optou pela mão <strong>de</strong> obra imigrante.<br />
Esta situação explica a inserção do pai <strong>de</strong> Veridiano Farias,<br />
Franklin Fortunato, na profissão <strong>de</strong> estivador na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> marítima<br />
<strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong>. Entretanto, a crise provoca<strong>da</strong> pela Primeira Guerra<br />
Mundial advin<strong>da</strong> <strong>da</strong>s disputas imperialistas, em <strong>de</strong>corrência<br />
<strong>da</strong>s concorrências dos europeus junto às colônias na África e na<br />
Ásia, baixou as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s <strong>de</strong> importação e exportação no porto<br />
<strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong>. Esta situação fez com que Franklin Fortunato<br />
Farias e Maria <strong>de</strong>ixassem o município e rumassem, no ano <strong>de</strong><br />
1919, para a capital, Porto Alegre, em busca <strong>de</strong> dias melhores.<br />
Nasceram em Porto Alegre os seguintes filhos do casal:<br />
Júlio, Armando, Olga, Wilmar, Homero e Danilo. Veridiano Farias<br />
tinha nesta época 13 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> (FARIAS, 2010, p. 14).<br />
Em comum, os contextos cultural, econômico, político e social<br />
do período <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> Luciano Panatieri e Veridiano Farias,<br />
em nível local e regional, foram <strong>de</strong>sfavoráveis à i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
negra que, mesmo com a abolição <strong>da</strong> escravidão, se mantinha<br />
com muita dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>. Já a nível internacional, os africanos sofriam<br />
as agruras <strong>de</strong> uma Guerra Mundial que envolvia diretamente<br />
os interesses europeus nas ricas terras africanas.<br />
Estas tensões envolveram tanto as famílias negras dos Panatieri<br />
quanto a família dos Farias, pois, se uma teve o seu trânsito<br />
<strong>da</strong> Europa e <strong>da</strong> África ao Uruguai e <strong>de</strong>pois ao Rio Gran<strong>de</strong><br />
do Sul, a outra teve a sua vi<strong>da</strong> transforma<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> Gran<strong>de</strong><br />
Guerra, <strong>de</strong>ixando a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong>, que sofreu diretamente<br />
pela falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s no Porto local, e fez com que o<br />
estivador Franklin <strong>de</strong>ixasse a região e partisse para Porto Alegre.<br />
AS TRAJETÓRIAS PESSOAIS, ESTUDANTIS E<br />
PROFISSIONAIS<br />
Retornando ao ano <strong>de</strong> 1912, Luciano Raul Panatieri, “naturalizado”<br />
e com documentos brasileiros, consegue entrar no<br />
Colégio Júlio <strong>de</strong> Castilhos, obtendo ótimas notas e aprovações.<br />
Foi “explicador”, uma espécie <strong>de</strong> monitor, <strong>de</strong> Matemática junto<br />
ao professor Carlos Cruz, inclusive recebendo um dinheiro<br />
para sua manutenção e <strong>de</strong> sua família (PANATIERI, [s.d.], p. 8).<br />
O menino também era bom <strong>de</strong> tiro, e foi até contemplado<br />
com o quinto lugar no Concurso <strong>de</strong> Tiro 15 <strong>de</strong> Novembro,<br />
representando o Gymnásio Júlio <strong>de</strong> Castilhos (A FEDERAÇÃO,<br />
13 nov. 1916, p. 3). A<strong>de</strong>mais, foi <strong>de</strong>vido a sua quali<strong>da</strong><strong>de</strong> intelectual<br />
que conseguiu cursar seis séries em apenas quatro<br />
anos, diplomando-se em 1916. 13<br />
Após terminar o Ginásio, com experiência em Matemática,<br />
Luciano quis prestar vestibular para Engenharia, porém sua<br />
mãe disse para ele que “não seguisse [fizesse] Engenharia porque<br />
era pobre e nessa profissão [...] [ele sempre] seria empregadinho<br />
[...] [e que] fosse para <strong>Medicina</strong>” (PANATIERI, [s.d], p.<br />
9). E segundo suas palavras: “[...] lá fui eu fazer <strong>Medicina</strong> <strong>de</strong><br />
um momento para outro, passei bem e <strong>da</strong>í empregando-me<br />
no Tesouro para substituir [aju<strong>da</strong>r] minha mãe que já estava<br />
doente e cansa<strong>da</strong> <strong>de</strong> lutar” (PANATIERI, [s.d], p. 9). 14<br />
No ano <strong>de</strong> 1917, ingressou na Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong><br />
como bolsista <strong>da</strong> Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia. Já a<strong>da</strong>ptado ao<br />
curso, no dia 19 <strong>de</strong> maio do mesmo ano, Panatieri fez uma<br />
conferência, sendo divulga<strong>da</strong> sua posição como acadêmico <strong>de</strong><br />
<strong>Medicina</strong> no Grêmio dos Cruzados na Igreja Metodista Central<br />
<strong>de</strong> Porto Alegre. Na ocasião, ele dissertou sobre a dor (A FE-<br />
DERAÇÃO, Porto Alegre, 10 maio 1917, p. 3).<br />
Figura <strong>de</strong> renome social ascen<strong>de</strong> em sua trajetória, já<br />
que era constantemente lembrado nas notas sociais do jornal<br />
A Fe<strong>de</strong>ração, na seção Vi<strong>da</strong> Social, por ocasião <strong>de</strong> seus aniver-<br />
13 Neste ano, ele e sua família fixam em Porto Alegre, sendo sua mãe emprega<strong>da</strong><br />
na casa do professor Carlos Cruz, que também veio do Uruguai e se estabeleceu<br />
na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, como professor do Júlio <strong>de</strong> Castilhos. Com o tempo, sem saber-se o<br />
motivo, a mãe <strong>de</strong> Luciano rompe os serviços prestados a Carlos Cruz (PANATIERI,<br />
[s.d.], p. 8).<br />
14 Panatieri foi nomeado no Concurso do Tesouro do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul no<br />
dia 2 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1917. Ficou na oitava colocação (A FEDERAÇÃO, 2 out. 1917,<br />
p. 6). No dia 2 <strong>de</strong> agosto, foi promovido a oficial do Tesouro por merecimento (A<br />
FEDERAÇÃO, 2 ago. 1921, p. 1).<br />
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