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MUHM - Museu de História da Medicina

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

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<strong>Medicina</strong> e cari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

tenha claro que, embora limpeza e higiene fossem palavras<br />

que guar<strong>da</strong>ssem sentidos próximos, estas não se confundiam<br />

na época nem se aproximavam <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> higiene que passa<br />

a existir após a revolução bacteriológica.<br />

Durante todo o século XIX, as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> limpeza e morali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

estiveram claramente uni<strong>da</strong>s, assim como a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> higiene<br />

se associava imediatamente às percepções sensoriais <strong>de</strong><br />

limpeza, isto é, a ausência <strong>de</strong> cheiros fortes e a não aparência<br />

<strong>de</strong> sujeira à visão. Era nesse sentido que os administradores<br />

do hospital <strong>da</strong> Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia <strong>de</strong> Porto Alegre<br />

buscavam pautar sua atuação em prol <strong>da</strong> limpeza do estabelecimento.<br />

O primeiro regulamento sanitário acerca dos procedimentos<br />

do hospital foi estabelecido em 1867, às vésperas <strong>da</strong><br />

eclosão <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> cólera na capital pelas mãos<br />

do Marechal Luiz Manoel <strong>de</strong> Lima e Silva, então provedor do<br />

estabelecimento. Foi aí que se estabeleceram como regras que<br />

as roupas <strong>de</strong> cama <strong>de</strong>veriam ser troca<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as semanas,<br />

bem como esta <strong>de</strong>veria ser a periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> para que os enfermos<br />

tomassem um banho – excluindo os alienados, que,<br />

<strong>de</strong>vido ao seu estado e à “tendência a emporcalharem-se”, podiam<br />

ser lavados com mais frequência. 17 Também nesta época<br />

foi organizado um escoamento dos <strong>de</strong>jetos dos pacientes que<br />

se prestasse melhor às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> instituição. “Primor”<br />

<strong>da</strong> engenharia em seu tempo, estes “sanitários” foram alvo <strong>de</strong><br />

violentas queixas na vira<strong>da</strong> do século XIX para o XX. O <strong>de</strong>preciamento<br />

<strong>da</strong> obra produziu discursos que, inclusive, apagaram<br />

o fato <strong>de</strong> que o estado e a forma dos escoadouros já eram<br />

uma melhoria em relação a mo<strong>de</strong>los anteriores e que boa parte<br />

<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>terioração se <strong>da</strong>va em função <strong>da</strong> má conservação<br />

<strong>da</strong>s obras realiza<strong>da</strong>s em 1866, e não por <strong>de</strong>ficiências <strong>da</strong> obra<br />

em si (WEBER, 1999).<br />

Outra parte do estabelecimento que possuía um papel<br />

importante neste período era a botica <strong>da</strong> Santa Casa, que teve<br />

inclusive, por muitos anos, uma divisão homeopática, cujo<br />

fechamento foi consequência e causa <strong>de</strong> divergências terapêuticas<br />

e político-partidárias entre os médicos <strong>da</strong> instituição<br />

(FRANCO; STRIGGER, 2003). A botica era responsável por for-<br />

17 AHRS – Fundo Religião, M3 (1867) – Regulamento Sanitário do Hospital <strong>da</strong> Santa<br />

Casa <strong>de</strong> Misericórdia <strong>de</strong> Porto Alegre.<br />

necer remédios para o hospital e para o exército. Durante as<br />

epi<strong>de</strong>mias, há indícios <strong>de</strong> que, por vezes, doentes pobres que<br />

eram tratados pelos médicos do estabelecimento, sem que ficassem<br />

internados, ali retiravam medicamentos gratuitamente.<br />

18 No entanto, a forma como estes eram subvencionados<br />

pela irman<strong>da</strong><strong>de</strong> ou pelo governo ain<strong>da</strong> não aparecem claramente<br />

nos documentos, embora seja possível que uma boa<br />

parte <strong>de</strong>stes fosse pago pelo governo provincial. 19<br />

Apesar <strong>de</strong> tudo isso, o hospital era visto ain<strong>da</strong> mais como<br />

um espaço <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do do que <strong>de</strong> cura, muito embora não<br />

se possa negar que muitos que ali entravam saíam realmente<br />

curados. O fato é que a Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia se situava<br />

numa zona intersticial no que diz respeito aos tratos com a<br />

saú<strong>de</strong>. Não era um órgão público, mas também não se gerenciava<br />

como um estabelecimento completamente privado.<br />

Por outro lado, estava igualmente ain<strong>da</strong> no meio do caminho<br />

entre cui<strong>da</strong>do e tratamento e, certamente, ain<strong>da</strong> estava longe<br />

do atendimento clínico que, neste momento, começava a<br />

ser assumidos por alguns hospitais, especialmente, na Europa<br />

(GRANDSHAW, 2001).<br />

O auxílio à Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia se revestia, <strong>de</strong>ssa<br />

forma, <strong>de</strong> um caráter político amplo e <strong>de</strong> suma importância<br />

para o prestígio e a populari<strong>da</strong><strong>de</strong> dos homens e <strong>da</strong>s famílias<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na província. A não restrição <strong>de</strong>ste fato a Porto Alegre<br />

é evi<strong>de</strong>nte na análise <strong>da</strong>s doações feitas à instituição, que<br />

vinham <strong>de</strong> todos os pontos do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. 20 Um outro<br />

aspecto que corrobora este argumento é o fato <strong>de</strong> que os enfermos<br />

pobres, para serem recebidos na Santa Casa, <strong>de</strong>viam<br />

trazer um atestado <strong>de</strong> sua indigência (que po<strong>de</strong>ria, em alguns<br />

casos, ser passado por um inspetor <strong>de</strong> quarteirão) e/ou uma<br />

recomen<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> um irmão que garantisse que a falta <strong>de</strong> condições<br />

<strong>de</strong> pagar pelo tratamento. 21 Ora, o espaço para re<strong>de</strong>s<br />

clientelares que se abre a partir <strong>da</strong> constatação <strong>de</strong>sta exigên-<br />

18 AHRS – Relatório do Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul – A7.05 – Barão<br />

<strong>de</strong> Mutiriba (1856) e Jeronymo Francisco Coelho (1856). O indício mais claro sobre<br />

esta prática é relatado a respeito <strong>da</strong> SCM <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong>: “A botica forneceu grátis<br />

a pobres 3:117$080rs. em medicamentos constantes <strong>de</strong> 4025 receitas”. AHRS –<br />

Relatório do Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul – A7.10 – Antonio <strong>da</strong><br />

Costa Pinto <strong>da</strong> Silva (1859).<br />

19 AHRS – Correspondência dos Governantes – M27, 1856 (Saú<strong>de</strong> Pública).<br />

20 CEDOP / SCMPA: Relatórios dos Provedores.<br />

21 AHRS – Fundo Religião: M3 – Correspondência entre o Provedor <strong>da</strong> SCM e<br />

o Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

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