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MUHM - Museu de História da Medicina

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

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Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias<br />

negras diapóricas (GILROY, 1993) elabora<strong>da</strong>s por meio <strong>de</strong> suas<br />

escolhas, tensões e possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais. 8<br />

Para sistematizar a proposta, o texto será <strong>de</strong>senvolvido<br />

<strong>da</strong> seguinte forma: <strong>de</strong>monstrar-se-á a origem familiar dos<br />

médicos em consonância com o contexto cultural e social do<br />

continente africano e <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra no final do século<br />

XIX a meados do século XX; após, será <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> a trajetória<br />

estu<strong>da</strong>ntil e profissional <strong>de</strong> ambos, além <strong>de</strong> se estabelecer<br />

uma relação histórica media<strong>da</strong> pela i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra entre os<br />

médicos Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias através <strong>de</strong><br />

suas agências, como representantes <strong>de</strong>ste grupo.<br />

A ORIGEM DE PANATIERI E SUAS<br />

MÚLTIPLAS IDENTIDADES<br />

Sem ilusões biográficas (BORDIEU, 1996) ou sem uma<br />

lineari<strong>da</strong><strong>de</strong> constante, serão abor<strong>da</strong>dos a origem familiar e o<br />

contexto <strong>de</strong> nascimento dos médicos Luciano Panatieri e Veridiano<br />

Farias. Luciano Raul Panatieri nasceu no Uruguai no dia<br />

23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1897, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Artigas, município que<br />

faz fronteira com a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Quaraí, interior do Rio Gran<strong>de</strong><br />

do Sul; filho do genovês Santiago Panatieri e <strong>de</strong> Abrilina Santiago<br />

Panetieri, etíope. 9<br />

Nas escritas <strong>de</strong> si (GOMES, 2004) <strong>de</strong> Luciano Panatieri, um<br />

manuscrito autobiográfico, localizou-se indícios <strong>de</strong> sua trajetória<br />

<strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Percurso que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu nascimento, evi<strong>de</strong>ncia uma<br />

situação no mínimo inusita<strong>da</strong>: ser fruto <strong>de</strong> uma união entre um<br />

italiano e uma etíope nos finais do século XIX. Não pelo afeto,<br />

mas pelos conflitos coloniais entre seus territórios <strong>de</strong> origem.<br />

8 Abrelina, liberta, mãe <strong>de</strong> Panatieri, trouxe consigo sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negro-africana.<br />

Paul Gilroy (1993) problematizou a intensa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> trocas culturais existentes<br />

entre os africanos a bordo <strong>de</strong> embarcações, em seus <strong>de</strong>slocamentos <strong>da</strong> África, na<br />

época <strong>da</strong> escravidão, para a América e a Europa, situação que o autor chamou <strong>de</strong><br />

middle passage. Para Gilroy, existiram sofrimentos, mas interações para a construção<br />

<strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> diaspórica, reforça<strong>da</strong> por uma infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> trocas <strong>de</strong><br />

conhecimentos em pleno Atlântico rumo aos continentes em que possivelmente esses<br />

negros seriam negociados. Abrelina não veio como escrava para a América do<br />

Sul, entretanto trouxe experiências a partir do <strong>de</strong>slocamento e <strong>de</strong> sua relação com<br />

o europeu Panatieri. A família negra dos Farias, que saiu <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong>,<br />

foi acolhi<strong>da</strong> pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> negra porto-alegrense, principalmente a localiza<strong>da</strong><br />

nos territórios negros <strong>da</strong> colônia africana, on<strong>de</strong> as representações carnavalescas<br />

eram uma constante (SANTOS, 2010).<br />

9 Sobre a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> etíope <strong>da</strong> mãe <strong>de</strong> Luciano Panatieri, consultar o Minuto<br />

SIMERS, com Dona Elvira Panatieri, intitulado O <strong>Museu</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong><br />

homenageia o Dr. Luciano Raul Panatieri. Disponível em Acesso em: 20 jul. 2015.<br />

Salienta-se que o século XIX presenciou a colonização<br />

dos territórios africanos. Pilhagem, exploração e divisão territorial<br />

seriam os sinônimos dos <strong>de</strong>sequilíbrios históricos entre os<br />

países <strong>da</strong>quele continente, presentes até os dias atuais.<br />

Entre 1876 e 1880, três importantes acontecimentos são<br />

verificados na conduta expansionista europeia. O primeiro foi<br />

o interesse <strong>da</strong> Bélgica, que se expressou na Conferência <strong>de</strong><br />

Bruxelas (1876), redun<strong>da</strong>ndo na criação <strong>da</strong> Associação Internacional<br />

Africana, sob a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> Henry Morton Stanley,<br />

para explorar o Congo em nome <strong>da</strong> Associação. O segundo<br />

refere-se às ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal que anexam as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

rurais <strong>de</strong> Moçambique, e o terceiro acontecimento está relacionado<br />

ao caráter expansionista <strong>da</strong> França e do Reino Unido<br />

no controle do Egito (1879) (SILVÉRIO, 2013, p. 341). Entram<br />

na disputa por territórios africanos as recém-unifica<strong>da</strong>s Alemanha<br />

e Itália.<br />

Visando acalmar as tensões entre os imperialistas, seus<br />

interesses foram ratificados após a Conferência <strong>de</strong> Berlim<br />

(1884-1885). Conforme Rivair Macedo (2013), as déca<strong>da</strong>s situa<strong>da</strong>s<br />

entre 1880 e 1914 constituem um ponto <strong>de</strong> viragem.<br />

Um continente inteiro caiu sob o domínio <strong>de</strong> povos estrangeiros<br />

associados ao <strong>de</strong>senvolvimento do capitalismo oci<strong>de</strong>ntal,<br />

em sua fase monopolista, caracteriza<strong>da</strong> pela concorrência por<br />

mercados fornecedores <strong>de</strong> matérias-primas para a indústria,<br />

<strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra barata para extração <strong>de</strong>ssas matérias-primas<br />

e <strong>de</strong> mercados consumidores limitados (MACEDO, 2013, p.<br />

135).<br />

O tratado <strong>de</strong> Berlim, conhecido como um marco <strong>da</strong><br />

partilha europeia, foi <strong>de</strong>cisivo nas relações imperialistas, pois<br />

estabeleceu convivências e regras entre os dominadores. O<br />

documento do encontro possibilitou um panorama geral <strong>de</strong><br />

como os europeus construíram por meio <strong>de</strong> uma normativa<br />

curta, porém intensa, as prerrogativas <strong>de</strong> seu domínio sob o<br />

território africano.<br />

Segundo a Ata do Congresso, este teve como objetivos:<br />

regular “num espírito <strong>de</strong> boa compreensão mútua as condições<br />

mais favoráveis ao <strong>de</strong>senvolvimento do comércio e <strong>da</strong><br />

civilização em certas regiões <strong>da</strong> África e assegurar a todos os<br />

povos”, imperialistas europeus, “as vantagens <strong>da</strong> livre navegação<br />

sobre os principais rios africanos”, além “<strong>de</strong> prevenir<br />

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