22.12.2016 Views

MUHM - Museu de História da Medicina

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A medicina missioneira entre a ciência europeia e os saberes nativos<br />

novas opções que surgiam na área, como, por exemplo, os<br />

conhecimentos ligados à química e aplicados aos saberes médicos.<br />

A América, mas principalmente sua região meridional,<br />

foco principal <strong>de</strong>ste trabalho, encontrava-se nesse período em<br />

gran<strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>. Organizados como colônias <strong>de</strong> exploração<br />

3 , esses espaços e, consequentemente, suas populações recebiam<br />

o mínimo necessário para a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> produção<br />

que abastecia a metrópole. A área medicinal não encontrou<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> diversa, sendo que poucos eram os médicos que circulavam<br />

pela região no período, o que abriu espaço para a<br />

atuação caritativa dos membros <strong>da</strong> Companhia <strong>de</strong> Jesus na<br />

área medicinal.<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho é, através <strong>da</strong> documentação<br />

cria<strong>da</strong> pelos jesuítas, entre as quais se <strong>de</strong>stacam cartas pessoais,<br />

as Cartas Ânuas 4 e manuais <strong>de</strong> medicina, como, por<br />

exemplo, a Materia medica misionera 5 , apresentar como se<br />

construiu o conhecimento medicinal <strong>da</strong> região, seus intercâmbios<br />

com a Europa e as relações entre seus mais diversos<br />

agentes, on<strong>de</strong> estão incluídos também nativos, criollos<br />

e outros sujeitos que circularam pela América Meridional.<br />

Documentos gerados após a expulsão dos membros <strong>da</strong> Or<strong>de</strong>m<br />

6 , tais como os inventários <strong>da</strong>s boticas dos Colégios <strong>de</strong><br />

Córdoba e do Rio <strong>de</strong> Janeiro, assim como <strong>de</strong> alguns pueblos<br />

<strong>da</strong> área hispânica, também foram <strong>de</strong> suma importância para<br />

analisarmos o alcance e distribuição <strong>de</strong> obras e medicamentos<br />

na região.<br />

3 “[...] As colônias <strong>de</strong> exploração povoam-se para explorar (isto é, produzir para o<br />

mercado metropolitano), as <strong>de</strong> povoamento exploram os recursos do ambiente no<br />

fun<strong>da</strong>mental para prover o seu próprio mercado (isto é, exploração para o povoamento)<br />

[...].” Ver: <br />

4 As Cartas Ânuas são relatos produzidos pelos jesuítas em missão, retratando suas<br />

experiências na América Meridional, em especial na Província do Paraguai. As<br />

Ânuas dos séculos XVII e XVIII que analisamos se encontram no Acervo do Arquivo<br />

do Instituto Anchietano <strong>de</strong> Pesquisa, que funciona junto à Antiga Se<strong>de</strong> <strong>da</strong> Unisinos;<br />

já os seus originais, escritos em espanhol arcaico, se encontram no Colégio<br />

Del Salvador, em Buenos Aires, Argentina. Alguns trechos não foram transcritos<br />

<strong>de</strong>vido às condições em que se encontravam os originais, o que impe<strong>de</strong>, em alguns<br />

momentos, a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> leitura e a compreensão; além disso, existem hiatos<br />

<strong>de</strong> tempo entre as cartas disponíveis para consulta.<br />

5 Obra escrita pelo irmão jesuíta Pedro Montenegro, finaliza<strong>da</strong> no ano <strong>de</strong> 1710.<br />

6 Os jesuítas foram expulsos <strong>da</strong> América portuguesa durante o governo <strong>de</strong> Pombal,<br />

no ano <strong>de</strong> 1759. Da Espanha e suas possessões, os jesuítas seriam expulsos alguns<br />

anos <strong>de</strong>pois, em 1767.<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

Como já pontuamos rapi<strong>da</strong>mente na introdução, a região<br />

contempla<strong>da</strong> em nosso trabalho era pouquíssimo atendi<strong>da</strong><br />

no que se refere ao campo medicinal. Pedro Montenegro,<br />

escrevendo no início do século XVIII, já pontuava a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que encontrou na América, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aqui havia chegado,<br />

em 1691:<br />

[…] En 21 años que há que entré en ella, solo un<br />

Medico y Cirujano he visto, todos los <strong>de</strong>mas Medicos<br />

Curan<strong>de</strong>ros y Curan<strong>de</strong>ras; mas les cuadra el<br />

nombre <strong>de</strong> matasano, que el <strong>de</strong> Cirujano, y el <strong>de</strong><br />

carnicero que el <strong>de</strong> medico, ó curan<strong>de</strong>ro, y son tantos<br />

y tantas los <strong>da</strong>dos á esta secta <strong>de</strong> locos, que<br />

entre tal ganado poco ó na<strong>da</strong> hay que escojer, y<br />

cierto es, que á ellos les fuera mejor arar para sustentarse,<br />

y á ellas hilar la rueca, que ciegos y cargados<br />

<strong>de</strong> ignorancia, sin advertir el peligro <strong>de</strong> sus<br />

conciencias […] (MONTENEGRO, [1710], 1945, p.<br />

6-7).<br />

Um dos motivos citados pelo irmão jesuíta para escrever<br />

seu receituário era justamente a falta <strong>de</strong> materiais e textos<br />

a<strong>de</strong>quados para a consulta <strong>da</strong> população local e <strong>de</strong>le próprio,<br />

assim a obra serviria como uma sistematização <strong>de</strong> conhecimentos<br />

sobre as plantas locais. Pelo que se percebe, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

não havia se alterado muito após a expulsão dos jesuítas,<br />

fato que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ata do Cabildo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Córdoba, citando a expulsão do responsável pela botica do<br />

Colégio, o padre Tomás Falkner: “[...] ha que<strong>da</strong>do la ciu<strong>da</strong>d<br />

sin medico que asista las continuas enferme<strong>da</strong><strong>de</strong>s que diariamente<br />

se experimentan por haber caminado el Padre Thomas<br />

D. Falcone (sic) <strong>de</strong> dicha Compañía que asistía a los enfermos<br />

que en ésta había” (FURLONG, 1947, p. 17).<br />

É importante <strong>de</strong>stacarmos que a atuação dos membros<br />

<strong>da</strong> Or<strong>de</strong>m junto às artes <strong>de</strong> curar não era algo realizado sem<br />

restrições. Des<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 1163, os religiosos foram proibidos<br />

<strong>de</strong> atuar em tais ofícios pelo Papa Alexandre III. Um trecho do<br />

direito canônico <strong>de</strong>staca que: “los clérigos han <strong>de</strong> evitar, no<br />

26<br />

MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - <strong>MUHM</strong>: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!