MUHM - Museu de História da Medicina

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Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias EXPERIÊNCIAS COMO MEMBROS DA COMUNIDADE NEGRA Frantz Fanon (1925-1961), psiquiatra e filósofo, intelectual dos estudos pós-coloniais, no final da década de 1950, ao relatar sua experiência, vivida como um negro em uma sociedade branca, disse: “lancei sobre mim um olhar objetivo, descobri minha negridão, minhas características étnicas [...] queria simplesmente ser um homem entre os homens”, mas “alguns me associavam aos meus ancestrais escravizados, linchados [...] decidi me assumir [...] entrei na luta” (FANON, 2008, p. 105-107). Estas reflexões, mesmo sendo de um espaço geográfico diferente do vivenciado por Luciano e Veridiano, já que foram feitas por Fanon na França, possibilitam interpretar como os médicos negros sul-rio-grandenses enfrentaram os estigmas da escravidão, pois a identidade diaspórica negro-africana e o fenótipo (corpo) negro desde a colonização foram estereotipados (GILROY, 1993; BHABHA, 2007; FANON, 2008). Portanto, como Luciano e Veridiano lutaram contra os preconceitos e a favor da negritude? Luciano Raul Panatieri, conforme pesquisas de José Antônio dos Santos (2011), foi redator da imprensa negra no final da década de 1920. 20 Utilizando o seu senso criativo e intelectual, escreveu a favor da conscientização e da integração da identidade negra. Mais especificamente, atuou no periódico O Exemplo (1892-1930), de Porto Alegre, e no jornal O Astro (1927-1928), de Cachoeira do Sul. O intelectual participou ainda da fundação do Centro Riopardense de Letras. O envolvimento com a divulgação, geralmente, era realizado pelas principais lideranças das comunidades negras. Essas pareciam ser atividades obrigatórias para o reconhecimento e a legitimidade pública dos redatores da imprensa negra (SANTOS, 2011, p. 207). Portanto, Panatieri afirmou a sua identidade e se afirmou como intelectual a partir de sua competente contribuição para a imprensa negra do Estado. 20 A reivindicação por igualdade de direitos civis foi manifestada nas páginas da imprensa negra com relatos cotidianos de atos racistas e preconceituosos, omissões de autoridades e proibições de circular em espaços públicos (SANTOS, 2011, p. 13). Já Veridiano afirmou sua identidade negra por outro viés: o carnaval de rua. “Estudar o carnaval de rua é estudar o grupo nele preponderante, que são os descendentes de africanos” (GERMANO, 2010, p. 102). Nas décadas de 1930 e 1940, o negro se apropria do carnaval delimitando uma identidade urbana, sobretudo, em Porto Alegre. Era uma forma de afirmar a identidade negra. O carnaval de rua serviu para as populações negras urbanas celebrarem a sua memória, as suas tradições, as suas relações cotidianas, os seus territórios e sociabilidades, amizade, compadrio e desavenças (GERMANO, 2010, p. 102-108). O número de cordões e blocos passam a ser significativos, como os “Tesouras” e os “Turunas”. Veridiano adorava o carnaval e, com seus conhecimentos sobre música, foi importante na história dos grupos de Porto Alegre. Como ensaiador dos “Prediletos”, costumava se reunir com a comunidade nos bares do Areal da Baronesa, no Bairro Cidade Baixa (FARIAS, 2010, p. 46). Segundo Hélio Dias, amigo do falecido médico, a sua “convivência com o Dr. Veridiano aconteceu por causa do carnaval [...]”. Veridiano foi um dos responsáveis pela organização de uma das primeiras tribos de índios do carnaval da cidade: “os ‘Caetés’ “ensaiavam em sua casa e ele nos oferecia iguarias e bebidas. Era uma festa!” (DIAS apud FARIAS, 2010, p. 109). Além de participar do carnaval de rua, Veridiano também se destacou em orquestras profissionais. Iris Germano (2010) descobriu em entrevistas com o Sr. Adão de Oliveira (seu Lelé) (1925-2013), “Rei Momo Negro” desde 1948, que a Etiópia era constantemente evocada nos discursos de abertura do carnaval de rua da cidade de Porto Alegre, no intuito de referenciar a resistência cotidiana da identidade negra contra o estigma e a exclusão. A mãe de Luciano Panatieri, Abrelina, nasceu na Etiópia. O carnaval de rua, frequentado por Veridiano Farias em Porto Alegre, evocou a Etiópia como símbolo de luta, frente ao colonialismo. Panatieri e Farias referenciaram ao longo de suas trajetórias a identidade negra. Esta identificação cultural, política e social não significou retrocessos em suas vidas, como o contexto aferia; muito pelo contrário, ambos, negros, galgaram espaços e se diplomaram médicos. MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - MUHM: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje 169
Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. ARNAUT, Luiz. Ata geral redigida em Berlim em 26 de fevereiro de 1885, UFMG. Disponível em: Acesso em: 18 jul. 2015. ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio. A partilha da África e a resistência africana. Porto Alegre, FAPA, 2008. ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio. Pelotas: escravidão e charqueadas (1780-1888). Passo Fundo: FCM Editora, 2013. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. BORDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus Editora, 1996. BOSI, Ecléa. Memória & sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: T.A. Editor, 1979, 484p. COSTA, Emilia Viotti. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Editora UNESP, 1998. DIAS, Hélio. Relato. In: FARIAS, Éder (org.). Da Música à Medicina: a odisseia da formatura do segundo médico gaúcho negro. Porto Alegre: Cidadela, 2010. FANON, Frantz. Pele negra e máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. FARIAS, Éder (org.). Da Música à Medicina: a odisseia da formatura do segundo médico gaúcho negro. Porto Alegre: Cidadela, 2010. GATTIBONI, Rita. Escravidão urbana na cidade de Rio Grande. 1993. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993. GERMANO, Íris Gracíela. Carnavais de Porto Alegre. In: CARNEIRO, Luiz Carlos; SANTOS, José Antônio dos; SILVA, Gilberto Ferreira da. RS NEGRO: cartografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2010, p. 100-119. GILROY, Paul. O Atlântico Negro como contracultura da modernidade. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004. GOMES, Arilson dos Santos; FARIAS, Éder. Centenário do Dr. Veridiano Farias – O teimoso. In: FARIAS, Éder (org.). Da Música à Medicina: a odisseia da formatura do segundo médico gaúcho negro. Porto Alegre: Cidadela, 2010, p. 102-106. GOMES, Arilson dos Santos. A formação de oásis: dos movimentos frentenegrinos ao Primeiro Congresso Nacional do Negro em Porto Alegre – RS (1931-1958). 2008. 310 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. ______. O universo das gentes do mar e a identidade negra nos discursos e práticas políticas de Carlos Santos (1959-1974). 2014. 597 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014. GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasl: uma breve discussão. Educação Anti-racista Caminhos Abertos pela Lei Federal nº10.639/03. Brasília: Coleção Educação Para todos. SECAD/MEC, 2005, p. 39-62. KELBERT, Isaac. Jornal A Hora, Porto Alegre, 1954, p. 7. LONER, Beatriz Ana. Classe operária: mobilização e organização em Pelotas: 1888-1937. 1999. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999, 2 vols. MACEDO, José Rivair de. História da África. São Paulo: Editora Contexto, 2013. MATTOS, Francisco. Relato. In: FARIAS, Éder (org.). Da Música à Medicina: a odisseia da formatura do segundo médico gaúcho negro. Porto Alegre: Cidadela, 2010, p. 110. ORLANDI, Eni. P. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Ed. Pontes, 2001. PANATIERI, Luciano Raul. 55º aniversário do Clube Literário Recreativo Rio Pardo. 10 de outubro de 1886 a 10 de outubro de 1941. Santa Cruz: Ed. Lamberts; Riedl, 1941. ______. A propósito do temperamento de Dom Pedro II. Publicações Médicas, Rio Pardo – RS, ano XV, n. 2-3, set./out. 1943. ______. Contribuição ao estudo do desenvolvimento da Criança em Rio Pardo. Edição da Biblioteca Pública de Rio Pardo. Porto Alegre: Oficina Gráfica Livraria do Globo, 1944. ______. Manuscrito autobiográfico. [S.d.], p. 12. ______. No cipoal da Literatura Hipofisaria. Revista Brasileira de Medicina e Pharmácia: Officinas Gráphicas de Granado e Cia, Rio de Janeiro, ano IX, n.1-2, 1933. 170 MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - MUHM: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje
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Ventosas a fogo Acervo: Ryfka Djame
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Microscópio caseiro Acervo: Dr. Ha
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MÉDICOS ALEMÃES, HÚNGAROS E AUST
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