22.12.2016 Views

MUHM - Museu de História da Medicina

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A medicina missioneira entre a ciência europeia e os saberes nativos<br />

sólo lo que es in<strong>de</strong>coroso, sino también lo que es ajeno a su<br />

estado. Sin indulto apostólico no <strong>de</strong>ben ejercer la medicina ni<br />

la cirugía [...]” (LEONHARDT, 1937, p. 101). Contudo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o ano <strong>de</strong> 1576, uma Bula Papal – <strong>de</strong> Gregório XIII – <strong>da</strong>va permissão<br />

aos jesuítas para exercerem ofícios ligados à cura. Essa<br />

prática, porém, não po<strong>de</strong>ria se <strong>da</strong>r <strong>de</strong> maneira indiscrimina<strong>da</strong>.<br />

Somente membros “entendidos en medicina” po<strong>de</strong>riam atuar<br />

e apenas “en el caso <strong>de</strong> que no pue<strong>da</strong> como<strong>da</strong>mente acudir a<br />

los médicos seglares” (LEONHARDT, 1937, p. 103-104).<br />

Assim, a falta <strong>de</strong> profissionais a<strong>de</strong>quados soma<strong>da</strong> à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> atendimento e à prática <strong>da</strong> cari<strong>da</strong><strong>de</strong> cristã, prerrogativa<br />

básica na atuação <strong>da</strong> Companhia <strong>de</strong> Jesus, levaram<br />

muitos dos membros a funções liga<strong>da</strong>s às artes <strong>de</strong> curar. Muitos<br />

<strong>de</strong>les tinham sabi<strong>da</strong> formação para atuarem nesses ofícios,<br />

caso do já citado Tomás Falkner, formado em <strong>Medicina</strong><br />

na Inglaterra, dos médicos Segismundo Asperger e Heinrich<br />

Peschke, do enfermeiro/boticário Pedro Montenegro, entre<br />

tantos outros.<br />

A escassez <strong>de</strong> profissionais, no entanto, <strong>de</strong>terminava que<br />

esses sujeitos muitas vezes tivessem que se <strong>de</strong>sdobrar em mais<br />

<strong>de</strong> uma função, pois, ain<strong>da</strong> que os limites entre a atuação <strong>de</strong><br />

uma e outra profissão já estivessem bem <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s pelo<br />

Protomedicato espanhol 7 , a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> os obrigava a transitar<br />

entre os diversos ofícios. A narrativa apresenta<strong>da</strong> para tais<br />

situações procura exprimir um sentimento <strong>de</strong> resignação, típico<br />

<strong>da</strong> escrita jesuítica: “El boticario tiene aquí que <strong>de</strong>sempeñar<br />

el oficio <strong>de</strong> médico. [...] a veces en medio <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>s,<br />

otras con calor sofocante” (PESCHKE apud FURLONG, 1947,<br />

p. 94).<br />

A carta supracita<strong>da</strong>, no entanto, foi envia<strong>da</strong> por Peschke<br />

aos seus pais e, nesse tipo <strong>de</strong> documento não oficial, era comum<br />

que alguns membros <strong>da</strong> Or<strong>de</strong>m acabassem não utilizando<br />

uma escrita formal, permitindo-se pequenos <strong>de</strong>svios do discurso<br />

esperado. Talvez para saciar a curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos parentes<br />

que estavam na Europa ou mesmo para se consolar sobre a<br />

situação <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> em que viviam, esses trechos evi<strong>de</strong>n-<br />

ciam o esgotamento físico e psicológico aos quais estavam<br />

submetidos estes homens em terras tão longevas, com poucos<br />

companheiros e recursos para auxiliar na conversão e no combate<br />

às doenças, como segue em outro fragmento <strong>da</strong> carta:<br />

Me han entregado la Botica [<strong>de</strong>l Colegio y Universi<strong>da</strong>d]<br />

para que la establezca en regla, pues antes<br />

<strong>de</strong> mi llega<strong>da</strong>, no se sabía aquí na<strong>da</strong> acerca <strong>de</strong> un<br />

facultativo <strong>de</strong> esta clase, aún sólo <strong>de</strong> barberos; medicinas<br />

útiles encontré muy pocas, pero en tanto<br />

mayor abun<strong>da</strong>ncia los más ridículos remedios <strong>de</strong><br />

curan<strong>de</strong>ros. (PESCHKE apud FURLONG, 1947, p.<br />

94).<br />

Outro fator originado pela falta <strong>de</strong> pessoal era a permissão<br />

<strong>de</strong> que pessoas sem conhecimento técnico auxiliassem no<br />

enfrentamento <strong>de</strong> doenças, tanto que, em diversos momentos,<br />

foram os indígenas, por vezes <strong>de</strong>sacreditados como “supersticiosos”,<br />

que apresentaram alternativas para a cura <strong>de</strong><br />

diversas moléstias, indicando plantas, procedimentos, formas<br />

e quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s que <strong>de</strong>veriam ser utiliza<strong>da</strong>s. 8<br />

No entanto, a confirmação <strong>da</strong> eficácia <strong>de</strong>sses conhecimentos<br />

seria necessária através <strong>da</strong> experiência, e os informantes<br />

<strong>de</strong>veriam possuir quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s que os distinguissem dos<br />

<strong>de</strong>mais membros do grupo; fatores que po<strong>de</strong>m ter sido <strong>de</strong>stacados<br />

na narrativa como forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar não apenas<br />

a eficácia do tratamento apresentado, mas também <strong>da</strong> catequização,<br />

objetivo maior dos jesuítas. Montenegro citou em<br />

alguns trechos <strong>de</strong> sua Materia medica misionera ter recebido<br />

indicações sobre plantas medicinais <strong>de</strong> certo indígena, “bom<br />

cristão”, chamado Clemente. Sobre o dito nativo, o jesuíta fez<br />

o seguinte comentário: “El tal Indio es cierto, es el único que<br />

hallo en to<strong>da</strong>s las Doctrinas, que tenga conocimiento <strong>de</strong> yerbas,<br />

y sepa usar <strong>de</strong> ellas con pru<strong>de</strong>ncia y acierto, <strong>de</strong>l cual me<br />

aseguré <strong>de</strong>l nombre ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ro <strong>de</strong> muchas yerbas y palos […]”<br />

(MONTENEGRO, [1710], 1945, p. 314).<br />

7 A legislação do período sobre a organização <strong>da</strong>s funções liga<strong>da</strong>s à medicina na<br />

Espanha e suas colônias po<strong>de</strong> ser encontra<strong>da</strong> na Recompilação <strong>da</strong>s Leis do Protomedicato:<br />

MUÑOZ, Miguel Eugenio (org.). Recopilacion <strong>de</strong> las leyes, pragmáticas<br />

reales, <strong>de</strong>cretos, y acuerdos <strong>de</strong>l Real Proto-Medicato. Valência: En la Imprenta <strong>de</strong><br />

la Viu<strong>da</strong> <strong>de</strong> Antonio Bor<strong>da</strong>zar, 1751.<br />

8 Sobre o tema, ver: FLECK, Eliane Cristina Deckmann; POLETTO, Roberto. Esto es lo<br />

que yo buscaba [...] el conocimiento <strong>de</strong> las yerbas y su aplicación. Anos 90, UFRGS,<br />

v. 19, p. 411-436, 2012. PERUSSET, Macarena. La ocupación indígena <strong>de</strong>l territorio<br />

rioplatense: intercambios culturales durante el período colonial (siglos XVI- XVII).<br />

Revista Complutense, v. 38, p. 9-32, 2012.<br />

MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - <strong>MUHM</strong>: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje 27

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!