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MUHM - Museu de História da Medicina

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

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Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias<br />

Farias recebeu a alcunha <strong>de</strong> “o teimoso” nas escritas<br />

do médico Isaac Kelbert, autor <strong>da</strong> matéria publica<strong>da</strong> no referido<br />

impresso. Kelbert foi seu colega <strong>de</strong> curso e produziu<br />

uma extensa notícia sobre a inesquecível trajetória <strong>de</strong> Farias,<br />

recompensa<strong>da</strong> na formatura <strong>de</strong> colação <strong>de</strong> grau <strong>da</strong> turma<br />

<strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>da</strong> UFRGS, em 1951. Soleni<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual esteve<br />

presente e po<strong>de</strong> testemunhar a realização <strong>de</strong> um sonho protagonizado<br />

pelo esforço intelectual <strong>de</strong> um indivíduo negro.<br />

Esse evento, bem como as palmas ouvi<strong>da</strong>s e assisti<strong>da</strong>s pelos<br />

espectadores <strong>da</strong>quela noite, o motivou a escrever o artigo no<br />

ano <strong>de</strong> 1954, dois anos após o falecimento <strong>de</strong> Farias, ocorrido<br />

em 1952.<br />

A trajetória <strong>de</strong>ste médico também havia sido <strong>de</strong>staca<strong>da</strong>,<br />

em 2005, pela pesquisadora Irene Santos, no livro Negro em<br />

Preto e Branco – <strong>História</strong> fotográfica <strong>da</strong> população negra <strong>de</strong><br />

Porto Alegre. Na publicação a autora evi<strong>de</strong>nciou a luta <strong>de</strong> Veridiano<br />

Farias para vencer a intolerância racial, já que precisou<br />

<strong>de</strong> três oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s para se diplomar como médico, necessitando<br />

<strong>de</strong> intervenção <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro para ingressar na Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>da</strong> UFRGS<br />

(SANTOS, 2005, p. 78-79). 2<br />

Portanto, assim que o neto <strong>de</strong> Veridiano, É<strong>de</strong>r Farias, que<br />

exercia a função <strong>de</strong> carteiro na Empresa Brasileira dos Correios<br />

e Telégrafos <strong>da</strong> região <strong>de</strong> Porto Alegre, procurou-nos, iniciouse<br />

uma “ação”, como diz Arendt (2011), com seus respectivos<br />

<strong>de</strong>sdobramentos. Ciente <strong>da</strong> trajetória <strong>de</strong> seu avô e <strong>de</strong> sua referência<br />

para a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> negra, elaborou-se o projeto intitulado<br />

“Projeto Diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> Memória Gaúcha – centenário do<br />

médico Veridiano Farias”.<br />

A principal justificativa encaminha<strong>da</strong> à direção do Memorial<br />

do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul para concretização do evento<br />

foi justamente o pioneirismo <strong>de</strong> Verdiano Farias, na ocasião<br />

consi<strong>de</strong>rado o primeiro médico negro a se formar pela Uni-<br />

2 Na publicação <strong>de</strong> Irene Santos, as jornalistas e pesquisadoras Vera Deyse<br />

Barcellos e Silvia Abreu <strong>de</strong>stacaram a um jornal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação do estado<br />

que haviam <strong>de</strong>scoberto o seguinte: “o neto do primeiro médico negro que temos<br />

notícia é carteiro em Porto Alegre e conseguimos falar com ele para sabermos um<br />

pouco mais <strong>de</strong> Veridiano Farias, seu avô” (ZERO HORA, Ca<strong>de</strong>rno D, Porto Alegre,<br />

18 set. 2005, p. 3-4). Porém, no dia 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005, após tomar conhecimento<br />

do lançamento do livro em matéria jornalística, Marta Maria <strong>de</strong> Souza<br />

Panatieri, filha <strong>de</strong> Panatieri, enviou uma carta à Zero Hora, informando sobre a<br />

existência <strong>de</strong> um Espaço Cultural localizado na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Rio Pardo, interior do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong>stinado à memória do Dr. Luciano Panatieri, “Negro”.<br />

versi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UFRGS). O evento foi<br />

prontamente aceito pela direção <strong>da</strong> instituição.<br />

O encontro contou com ex-colegas do homenageado in<br />

memoriam, como o Dr. Isaac Kelbert e o Dr. Francisco Flores<br />

<strong>da</strong> Cunha Mattos, amigos do médico negro, além <strong>de</strong> membros<br />

<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Foi uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> inesquecível, principalmente<br />

por conta <strong>da</strong>s falas a partir <strong>da</strong>s “lembranças dos mais<br />

velhos” (BOSI, 1979) presentes ao evento que conviveram com<br />

“o teimoso”. Mas por que iniciar o trabalho com estas lembranças?<br />

No dia posterior à ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, após receber as congratulações<br />

<strong>da</strong> direção do Memorial, principalmente pelo impacto do<br />

evento junto aos meios culturais e <strong>da</strong> imprensa 3 , um jornalista<br />

<strong>da</strong> Associação Médica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (AMRIGS) e um<br />

funcionário do <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> (<strong>MUHM</strong>) procuraram-nos.<br />

Ambos informaram-nos sobre a existência <strong>de</strong> outro<br />

médico negro anterior ao homenageado, seu nome: Luciano<br />

Raul Panatieri (1897-1972).<br />

Mas como assim, Panatieri? E isto é nome <strong>de</strong> negro?<br />

Ou como noticiou o próprio Jornal AMRIGS: “Mas isso não é<br />

sobrenome <strong>de</strong> gringo?” (AMRIGS, 2006, p.15). Interessante<br />

notar que o equívoco cometido a partir do evento motivou os<br />

familiares do médico Luciano Raul Panatieri a buscar a imprensa<br />

para confirmar sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica, bem como reivindicar<br />

a sua condição <strong>de</strong> primeiro negro a se diplomar na universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

pública do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong> fato, ocorrido no ano <strong>de</strong><br />

1922. 4<br />

Na época <strong>de</strong> Panatieri a facul<strong>da</strong><strong>de</strong> era <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Livre <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> e Farmácia <strong>de</strong> Porto Alegre (SCHIAVO-<br />

NI, 2005, p. 1). Veridiano somente concluiu o seu curso no dia<br />

15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1951, com a facul<strong>da</strong><strong>de</strong> já fe<strong>de</strong>raliza<strong>da</strong>, 29<br />

anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Panatieri.<br />

3 No dia <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> o jornal Zero Hora, em sua seção intitula<strong>da</strong> Almanaque<br />

Gaúcho, noticiou a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> do centenário do Dr. Veridiano, <strong>de</strong>stacando o jazz<br />

como “uma <strong>da</strong>s paixões <strong>de</strong> Veridiano Farias, o primeiro negro a formar-se médico<br />

pela UFRGS” (ZERO HORA, Porto Alegre, 16 maio 2006, p. 62).<br />

4 As irmãs Elvira e Marta Panatieri (1937-2013), filhas <strong>de</strong> Luciano Panatieri, juntamente<br />

com o neto do médico, Ramiro, e familiares, com mais intensi<strong>da</strong><strong>de</strong>, se<br />

mobilizaram para comprovar que seu avô Luciano Panatieri foi o primeiro médico<br />

negro a se formar na Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> (ZERO HORA, Porto Alegre, 27 maio<br />

2006, p. 46; Jornal AMRIGS, Porto Alegre, julho/agosto, p. 15). Antes <strong>de</strong>sta matéria,<br />

no dia 24 <strong>de</strong> maio, José Ernesto Wun<strong>de</strong>rlich, “afilhado <strong>de</strong> batismo” <strong>de</strong> Luciano<br />

Panatieri, enviou um e-mail à Zero Hora para informar que o primeiro médico negro<br />

a se formar pela Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre havia sido Panatieri.<br />

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