MUHM - Museu de História da Medicina
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Para além <strong>da</strong> medicina <strong>da</strong> alma<br />
contraveneno, isto é, um antídoto contra seu próprio veneno,<br />
constitui-se em evidência <strong>da</strong> aceitação e aplicação <strong>da</strong> medicina<br />
dos contrários por Sánchez Labrador. O escorpião possuiria<br />
também virtu<strong>de</strong>s diuréticas, auxiliando no tratamento <strong>de</strong> pedras<br />
nos rins e na bexiga, <strong>de</strong>vendo, nestes casos, ser queimado<br />
vivo e suas cinzas consumi<strong>da</strong>s posteriormente. Para este<br />
mesmo problema, seria útil novamente o azeite <strong>de</strong> escorpiões,<br />
untando-se a região <strong>da</strong> bexiga e dos rins, amenizando as dores<br />
e aju<strong>da</strong>ndo o enfermo a expelir as pedras. O azeite podia, ain<strong>da</strong>,<br />
aliviar dores <strong>de</strong> ouvido quando pingado nas orelhas.<br />
Chamou-nos a atenção o fato <strong>de</strong> que praticamente todos<br />
os insetos citados por Sánchez Labrador apresentam proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
diuréticas, auxiliando, ain<strong>da</strong>, no tratamento <strong>de</strong> pedras<br />
nos rins e na bexiga. Esta constatação, que precisa ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
mais <strong>de</strong>ti<strong>da</strong>mente, parece apontar para a alta incidência<br />
<strong>de</strong>stas enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>s entre os grupos indígenas contatados ou<br />
observados pelo missionário jesuíta, e que po<strong>de</strong>m estar relaciona<strong>da</strong>s<br />
com mu<strong>da</strong>nças nos hábitos alimentares, mais especificamente,<br />
<strong>da</strong>s resultantes do consumo <strong>de</strong> sal, após a intensificação<br />
do contato com os europeus.<br />
As aranhas (Ñandu, em guarani) e suas teias possuiriam<br />
abun<strong>da</strong>nte sal volátil e óleo. De acordo com Lister 33 , referido<br />
por Sánchez Labrador, estes animais possuíam muitas virtu<strong>de</strong>s<br />
medicinais; já o jesuíta acreditava que os corpos <strong>da</strong>s aranhas<br />
<strong>de</strong>veriam ser usados apenas externamente, para amenizar febres<br />
34 , principalmente, a quartana. Para tanto, <strong>de</strong>veriam ser<br />
amassa<strong>da</strong>s e pendura<strong>da</strong>s no pescoço ou ata<strong>da</strong>s aos pulsos ou<br />
às têmporas do indivíduo febril, logo no início do paroxismo. 35<br />
A teia produzi<strong>da</strong> pela aranha possuiria proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s adstringentes<br />
e, quando aplica<strong>da</strong> e oprimi<strong>da</strong> em feri<strong>da</strong>s recentes,<br />
aju<strong>da</strong>va a diminuir o sangramento, a cicatrizar o corte e a impedir<br />
a inflamação. Também podia ser utiliza<strong>da</strong> contra cólicas<br />
flatulentas, recomen<strong>da</strong>ndo-se que se cozinhasse uma porção<br />
<strong>de</strong> teia [com um ovo] em vinagre, <strong>de</strong>vendo-se aplicar o emplas-<br />
33 O inglês Martin Lister (1638-1712) foi naturalista e médico.<br />
34 “Doença, procedi<strong>da</strong> <strong>de</strong> calôr preternatural, ou intempérie cáli<strong>da</strong>, & secca do sangue,<br />
& dos humores, cuja effervesencia tem seu principio no coração, & <strong>de</strong>le se<br />
comunica a todo o corpo pela veas, & artérias, com movimento <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado, &<br />
outros symptomas, segundo a cali<strong>da</strong><strong>de</strong>, & diferença <strong>da</strong>s Febres [...]” (BLUTEAU,<br />
1728, p. 54).<br />
35 “Exacerbación <strong>de</strong> una enferme<strong>da</strong>d.” PAROXISMO. Dicionario <strong>de</strong> la Real Aca<strong>de</strong>mia<br />
Española. Disponível em: Acesso em:<br />
08 set. 2014.<br />
tro no umbigo para, assim, aliviar a dor e resolver o problema.<br />
Sánchez Labrador acrescenta que a teia podia ser bastante útil<br />
ain<strong>da</strong> contra as febres causa<strong>da</strong>s pelo frio, recomen<strong>da</strong>ndo que<br />
“[...] cayese en pequeña canti<strong>da</strong>d como <strong>de</strong> un garbanzo 36 ,<br />
ponese en un vaso <strong>de</strong> vino blanco, y se <strong>da</strong> a beber al enfermo<br />
quando le quere entrar el parossismo: con esto se excita sudor<br />
copioso, y alguna vez cessa la calentura” (SÁNCHEZ LABRA-<br />
DOR, 1771, p. 363). Ao <strong>de</strong>clarar que as teias <strong>da</strong>s aranhas possuiriam<br />
proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s diaforéticas 37 e que estas contribuiriam<br />
para amenizar a febre, o jesuíta missionário estava claramente<br />
adotando pressupostos <strong>da</strong> teoria <strong>de</strong> Hipocrátes e <strong>de</strong> Galeno,<br />
na medi<strong>da</strong> em que acreditava que, através do suor, seria expelido<br />
o humor em excesso, causa do <strong>de</strong>sequilíbrio.<br />
Ao tratar <strong>da</strong>s cantári<strong>da</strong>s, Sánchez Labrador apoia-se nos<br />
estudiosos Lemery 38 , James 39 e Bomare 40 . Afirmava que este<br />
inseto, quando tostado, apresentava gran<strong>de</strong> abundância <strong>de</strong><br />
sal volátil, áspero e cáustico, que se mesclava com um pouco<br />
<strong>de</strong> óleo, fleuma e terra, bastante semelhante às virtu<strong>de</strong>s<br />
<strong>da</strong> aranha. Dessa forma, as cantári<strong>da</strong>s teriam uma natureza<br />
bastante penetrante e corrosiva, pois, quando aplica<strong>da</strong>s ou<br />
esfrega<strong>da</strong>s sobre a pele, causavam o levantamento <strong>de</strong> bolhas<br />
que liberavam uma gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> secreção ou humor<br />
aguado. A excreção do humor, através <strong>de</strong> bolhas, aju<strong>da</strong>ria a<br />
aliviar as dores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes. Labrador indicará, ain<strong>da</strong>, uma receita<br />
<strong>de</strong> emplastro, que seria composto <strong>de</strong> cinco cantári<strong>da</strong>s,<br />
36 “Planta herbácea <strong>de</strong> la familia <strong>de</strong> las Papilionáceas, <strong>de</strong> cuatro o cinco <strong>de</strong>címetros<br />
<strong>de</strong> altura, tallo duro y ramoso, hojas compuestas <strong>de</strong> hojuelas elípticas y aserra<strong>da</strong>s<br />
por el margen, flores blancas, axilares y peduncula<strong>da</strong>s, y fruto en vaina infla<strong>da</strong>,<br />
pelosa, con una o dos semillas amarillentas, <strong>de</strong> un centímetro aproxima<strong>da</strong>mente<br />
<strong>de</strong> diámetro, gibosas y con un ápice encorvado.” GARBANZO. Diccionario <strong>de</strong> la<br />
Real Aca<strong>de</strong>mia Española. Disponível em: <br />
Acesso em: 24 set. 2014.<br />
37 “Que excita a transpiração; sudorífico.” DIAFORÉTICO. Dicionário Michaelis. Disponível<br />
em: <br />
Acesso em: 24 set. 2014<br />
38 O químico francês Nicolas Lemery (1645-1715) nasceu em Ruan e morreu em<br />
Paris. Era membro <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Ciências. Sua obra mais famosa foi Curso <strong>de</strong><br />
Química (1675). Sánchez Labrador, no entanto, refere outras obras suas, tais como<br />
Farmacopea universal (1697), Tratado universal <strong>da</strong>s drogas simples (1698), Tratado<br />
do Antimônio (1707) e Nova recopilação <strong>de</strong> segredos e curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais raros<br />
(1709).<br />
39 O médico e físico Robert James nasceu em Kinverston, em 1703, e morreu em<br />
Londres, em 1773 ou 1776. Sua obra mais conheci<strong>da</strong> é Dicionário médico (1743).<br />
40 O farmacêutico e naturalista Jacques-Christophe Valmont <strong>de</strong> Bomare (1731-1807)<br />
nasceu em Rouen e morreu em Chantilly. Sabe-se que começou a publicar o Dicionário<br />
fun<strong>da</strong>mentado universal <strong>de</strong> história natural – citado por Sánchez Labrador<br />
– em 1765. Também escreveu a obra Mineralogia ou Nova exposição do reino<br />
mineral.<br />
18<br />
MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - <strong>MUHM</strong>: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje