MUHM - Museu de História da Medicina
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
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Para além <strong>da</strong> medicina <strong>da</strong> alma<br />
três <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> alho e um pouco <strong>de</strong> triaca 41 . Após serem amassados,<br />
a mistura <strong>de</strong>veria ser coloca<strong>da</strong> em um pano fino <strong>de</strong><br />
linho e <strong>de</strong>posita<strong>da</strong> no local que se encontrava sangrando ou<br />
ao lado do local dolorido. O emplastro <strong>de</strong>veria ser mantido<br />
até que começassem a aparecer bolhas na pele e a dor começasse<br />
a diminuir. Vale lembrar que as cantári<strong>da</strong>s, por suas<br />
proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s afrodisíacas e diuréticas, eram utiliza<strong>da</strong>s como<br />
medicamento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> e que, na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, um<br />
<strong>de</strong> seus compostos, a cantaridina 42 , está presente na fórmula<br />
<strong>de</strong> medicamentos indicados no tratamento do molusco contagioso<br />
43 . No entanto, a cantaridina é tóxica e venenosa, sendo,<br />
inclusive, proibi<strong>da</strong> em alguns países, mesmo que sua dosagem<br />
letal ain<strong>da</strong> não tenha sido <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>. Destaca-se o fato <strong>de</strong><br />
Sánchez Labrador comparar constantemente os outros insetos<br />
às cantári<strong>da</strong>s, para afirmar que, diferentemente <strong>de</strong>las, os <strong>de</strong>mais<br />
insetos podiam ser usados sem precauções ou em quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
não necessariamente controla<strong>da</strong>, o que revela que o<br />
jesuíta tinha conhecimento <strong>da</strong> toxici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste inseto.<br />
Sobre os grilos, o autor ressalta que possuíam uma gran<strong>de</strong><br />
quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sal volátil e óleo, semelhantes, portanto, a<br />
outros insetos já citados, razão pela qual eram eficientes como<br />
diuréticos. Sánchez Labrador recomen<strong>da</strong>va que os grilos fossem<br />
colocados em um vaso <strong>de</strong> terra tapado, secados em fogo<br />
baixo, para que fossem reduzidos a pó, que <strong>de</strong>veria ser <strong>da</strong>do<br />
ao paciente – na quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> [12] grãos ou mais –, acompanhado<br />
<strong>de</strong> água <strong>de</strong> salsa. Outra forma <strong>de</strong> preparar os grilos<br />
como medicamento, sem que fosse preciso tostá-los, seria selecionando<br />
dois ou três <strong>de</strong>sses insetos, removendo suas asas,<br />
pernas e cabeças e pondo-os em água <strong>de</strong> salsa ou alecrim. Os<br />
41 “Confecção farmacêutica usa<strong>da</strong> antigamente e composta por muitos ingredientes,<br />
mas principalmente <strong>de</strong> ópio. Bastante empregado em casos <strong>de</strong> mordi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> animais<br />
venenosos.” TRIACA. Diccionario <strong>de</strong> la lengua española <strong>de</strong> la Real Aca<strong>de</strong>mia<br />
Española. Disponível em: Acesso em: 8 set.<br />
2014.<br />
42 Cantaridina (C10H12O4) é a lactose do ácido cantarídico e está presente nas cantári<strong>da</strong>s<br />
(Lytta vesicatoria) secas. É usa<strong>da</strong> como afrodisíaco e antigamente como anti-irritante<br />
em forma <strong>de</strong> pasta e, em pequena quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>, em loções capilares, mas<br />
po<strong>de</strong> causar nefrite (doença dos rins provoca<strong>da</strong> por intoxicação). Este composto<br />
po<strong>de</strong> produzir inflamação severa na pele e é extremamente tóxico se ingerido oralmente.<br />
A cantaridina tem proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s tóxicas e venenosas em grau comparável<br />
ao dos venenos mais violentos conhecidos no século 19, como a estricnina. CAN-<br />
TARIDINA. Química Nova Interativa: Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Química. Disponível<br />
em Acesso em: 11 out. 2014.<br />
43 “O molusco contagioso é uma erupção comum e às vezes gravemente <strong>de</strong>sfigurante<br />
em pacientes com infecção pelo HIV.” (RABIF, 2012, s.p.)<br />
corpos <strong>de</strong>veriam ser <strong>de</strong>ixados em maceração 44 nessa água até<br />
que ela se tornasse um licor praticamente branco como leite,<br />
que <strong>de</strong>veria ser coado em um pano e <strong>da</strong>do <strong>de</strong> beber para o<br />
enfermo. Os grilos também teriam uso externo, já que, após<br />
serem amassados e aplicados nos olhos, aju<strong>da</strong>vam a clarear<br />
a visão, sendo também eficientes na cura <strong>de</strong> paróti<strong>de</strong>s 45 e <strong>de</strong><br />
outros tumores do mesmo gênero.<br />
Sánchez Labrador registrou duas formas <strong>de</strong> preparo <strong>de</strong><br />
grilos por indígenas. Uma <strong>de</strong>las consistia em cozinhar alguns<br />
grilos, retirar suas tripas e moer o restante <strong>de</strong> seus corpos<br />
até tornarem-se pó, ao qual era acrescentado um licor conveniente<br />
<strong>da</strong>do aos doentes que pa<strong>de</strong>ciam <strong>de</strong> problemas dos<br />
rins ou bexiga, com gran<strong>de</strong>s resultados. A outra recomen<strong>da</strong>va<br />
que, nos casos <strong>de</strong> urina conti<strong>da</strong>, o doente recebesse o preparado<br />
resultante <strong>da</strong> seguinte receita: dois grilos <strong>de</strong>veriam ser<br />
tostados em uma caçarola <strong>de</strong> barro, moídos e misturados em<br />
um pouco <strong>de</strong> vinho, água bem cozi<strong>da</strong> ou <strong>de</strong> chicha <strong>de</strong> milho.<br />
Quando o caso fosse o oposto, isto é, se a pessoa sofresse <strong>de</strong><br />
excesso <strong>de</strong> urina, ela <strong>de</strong>veria receber um só grilo, amassado e<br />
não tostado, misturado com um pouco <strong>de</strong> água morna. Eles<br />
po<strong>de</strong>riam ser também colocados em um palito e tostados no<br />
fogo, como nesta indicação: “y ya tostados muélelos en un<br />
poco <strong>de</strong> vino caliente: este vino mezclado con los Polvos <strong>de</strong><br />
[Luiyis], <strong>da</strong>rás ao Indio, o India, que pa<strong>de</strong>ciere la retención <strong>de</strong><br />
orina, y esta poco a poco fluirá [con<strong>de</strong>] [liz] suceso” (SÁN-<br />
CHEZ LABRADOR, 1771, p. 366).<br />
Os piolhos também continham sal volátil e óleo, sendo<br />
indicados nos casos <strong>de</strong> icterícia 46 , <strong>de</strong> pali<strong>de</strong>z do rosto e <strong>de</strong> febres,<br />
recomen<strong>da</strong>ndo-se que fossem engolidos <strong>de</strong> cinco a seis<br />
<strong>de</strong>les, no princípio do paroxismo. Concor<strong>da</strong>ndo com o proposto<br />
por Lemery, Labrador ressalta que o paciente que <strong>de</strong>monstrasse<br />
aversão e apresentasse náuseas ao engolir os piolhos<br />
44 “Operação que consiste em pôr uma substância sóli<strong>da</strong> em um líquido, a fim <strong>de</strong> que<br />
este fique impregnado <strong>de</strong> certos princípios solúveis <strong>da</strong>quela”. MACERAÇÃO. Dicionário<br />
Michaelis. Disponível em: Acesso em: 9<br />
set. 2014.<br />
45 Tumor inflamado nas paróti<strong>da</strong>s, que são “glândulas salivares situa<strong>da</strong>s abaixo e por<br />
diante <strong>da</strong>s orelhas”. PARÓTIDAS. Dicionário Michaelis. Disponível em:<br />
<br />
Acesso em: 9 set. 2014.<br />
46 “Sintoma que po<strong>de</strong> ter várias causas, caracterizado pela cor amarela <strong>da</strong> pele e<br />
conjuntivas oculares.” ICTERÍCIA. Dicionário Michaelis. Disponível em:<br />
<br />
Acesso em: 9 set. 2014.<br />
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