MUHM - Museu de História da Medicina

A medicina missioneira entre a ciência europeia e os saberes nativos
do período analisado, também já se fizeram constantemente
presentes, o que demonstra sua relevância para o tema; entre
eles podemos destacar Monardes, Curvo Semmedo e Ribeyra.
Na obra de Montenegro, a referência aos clássicos continuou
sendo uma constante, pois somente essas obras teriam
peso suficiente para receber tais deferências. 22 Montenegro arrola
um total de 35 autores em seu manual, porém, fica clara a
distinção feita entre uns e outros. Apenas oito desses autores
foram citados cinco ou mais vezes na Materia Medica, o que
deixa claro sua importância para a composição narrativa do jesuíta.
Os nomes reforçam a importância dos autores clássicos
gregos e romanos, mas revelam também o papel crescente de
novos escritores, tais como Laguna, com 22 menções, e Mathiolo,
com 19. Guillermo Pisón e Jacobo Bonti, que escreveram
suas obras no Brasil, vêm em seguida com 14 e 8 citações
respectivamente.
O número de autores que foram mencionados apenas uma
vez na obra é bastante expressivo: 21. 23 Esse grande percentual
deixa pistas sobre as motivações do autor. Uma das hipóteses
é de que Montenegro tenha visto uma relevância pontual nos
trabalhos desses autores. A importância das cópias manuscritas
também deve ser mencionada nesse quesito. 24 Muitas receitas
soltas e trechos manuscritos circulavam por esses ambientes;
pode-se aventar que alguns dos autores foram citados somente
uma vez pelo irmão jesuíta pelo fato de não possuir a obra mencionada
na íntegra ou ter simplesmente recebido um relato oral
sobre os benefícios da planta e resolvido mencioná-la como for-
22 No período, a associação entre uma obra e um nome ainda era privilégio dos
clássicos. E, embora a ideia de autoria que existe hoje ainda não existisse, nestes
poucos casos já era possível observar uma função-autor: “A ‘função-autor’ é o
resultado de procedimentos precisos e complexos, que posicionam a unidade e
a coerência de uma obra (ou conjunto de obras) em relação à identidade de um
‘sujeito construído’” (FAULHABER; LOPES, 2012, p. 38).
23 Os nomes apresentados são os seguintes: Sirena, Leon, Andres Alcazar, Francisco
Morato Portuguez, Democrates, Lerroy, Madame Fuchote, Herrera, Farfan, Cratevas,
Isidro Ortiz, Theofrato, Avicena, Cristoval de Acosta, Pablo Zaichia, D. Antonio,
um médico descrito como um italiano que curou em Salta, um cirurgião descrito
como afirmado dos tempos de Madri, um outro cirurgião dos tempos de Madri
(que poderiam ser a mesma pessoa), além dos padres Montoya e Baltazar Telles.
24 A praticidade de sua transmissão garantiu a manutenção de seu uso, mesmo
depois da invenção da imprensa: “Podemos recordar, así, como el manuscrito en
circulación permitía la rápida transmisión de noticias recién producidas; la posibilidad
de sacar todo el partido de su propia rareza frente a los impresos ofreciéndolo
como regalo; su capacidad para rescribirse continuamente adaptándose, por
ejemplo, a las últimas novedades de la corte; el control del número de copias y de
presumibles lectores de éstas, tan necesario para practicar con cautela la heterodoxia
religiosa o la crítica política” (BOUZA, 2001, p. 74).
ma de garantir que um futuro leitor pudesse desenvolver essa
lacuna deixada em seu trabalho.
Ao descrever as virtudes da Quirocilla, planta encontrada
nas regiões de Salta (atual Argentina) e Tarija (Bolívia), ressaltou
ter se guiado “por apuntamientos de un practico, y muy
acertado medico, que curó en Salta algunos años, (de nacion
Italiano,) hallo que curó con dicha Quirocilla muy acertadamente
en todas las pasiones de calor y sequedad” (MONTE-
NEGRO, [1710], 1945, p. 91). Em um contexto em que muitas
vezes o desconhecimento era total, a confiança no informante
também se mostrava fundamental, ainda que o jesuíta tenha
sempre preferido referenciar plantas de que tivesse feito uso e
que houvesse experimentado de maneira adequada.
Na descrição da copayba, o total desconhecimento do
autor sobre a planta in natura fica claro ao ressaltar que: “Me
he informado de los Portugueses, y Tupis, que en el Brasil lo
han sacado, y dicen, que hay arbolea muy gruesos, y en tierra
pingüe, que en quince dias llenan dos calabazos, como dos
frascos, y mas, de los” (MONTENEGRO, [1710], 1945, p. 232).
Para finalizar, destacaremos o papel dos Procuradores
da Companhia de Jesus, que, segundo as Constituições da
Ordem, eram “los que hacen las cosas de los Colegios fuera
dellos, se entienden principalmente los Procuradores que en la
curia del Summo Pontífice o de otros príncipes tratan las cosas
de la Compañía” (LOYOLA, 1558, p. 35). Esses sujeitos eram
os responsáveis por ir à Europa e do velho continente trazer
não apenas os bens materiais necessários para a continuidade
da expansão da fé, como também novos braços dispostos ao
árduo trabalho de catequese.
Tal exemplo é exposto na Carta Ânua de 1720-30, em
que o relator se referiu ao procurador Antônio Machoni, dizendo
esperar seu retorno “acompañados con una copiosa
expedición de nuevos operarios, muy necesarios para promover
la gloria de Dios y la salvación de las almas!” (C.A. 1720-30
apud PAGE, 2004, p. 297). Em outro conjunto de documentos
jesuíticos de menor extensão, foram localizadas 88 cartas que
citam no título a figura do Procurador somente na primeira
metade do século XVIII 25 , sempre destacando pedidos feitos
25 A documentação faz parte do “Fondo Jesuítas Digital do Archivo General de la
Nación Argentina”. São mais de 2.100 documentos somente sobre o século XVIII.
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MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - MUHM: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje