MUHM - Museu de História da Medicina
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Médicos ju<strong>de</strong>us no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
cia, dos Negócios do Interior e do Exterior, além <strong>da</strong> observação<br />
<strong>de</strong> 80 anos <strong>de</strong> jornais diários, ou seja, foram observados 40<br />
anos do jornal Diário Popular (DP), órgão oficial do Partido<br />
Republicano Rio-Gran<strong>de</strong>nse, e 40 outros anos <strong>de</strong> jornais que<br />
conjunturalmente se colocavam em oposição ao DP.<br />
Desse modo, passados muitos anos <strong>da</strong> feitura <strong>de</strong>sses dois<br />
estudos, é como se os caminhos se juntassem novamente: ju<strong>da</strong>ísmo<br />
e saú<strong>de</strong> e doença, através <strong>da</strong> observação <strong>da</strong> atuação<br />
<strong>de</strong> médicos ju<strong>de</strong>us no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />
Ao se receber o convite do <strong>Museu</strong> <strong>da</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>,<br />
restou uma dúvi<strong>da</strong> em como abor<strong>da</strong>r um tema tão<br />
abrangente, até mesmo porque as pesquisas anteriores sempre<br />
tiveram como foco uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do interior e não o estado<br />
como um todo, embora, é claro, o estado seja uma espécie <strong>de</strong><br />
balizador para se avaliar políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
O material que agora chega às mãos dos leitores não<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser, portanto, oriundo <strong>de</strong> uma visão a partir <strong>de</strong> uma<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas se procurou conhecer outras reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Para isso,<br />
foram fun<strong>da</strong>mentais as entrevistas existentes no acervo do Instituto<br />
Cultural Ju<strong>da</strong>ico Marc Chagall (ICJMC), que reúne documentação<br />
importante e pioneira em termos <strong>de</strong> história oral. O<br />
Departamento <strong>de</strong> <strong>História</strong> Oral do ICJMC começou a realizar<br />
as entrevistas em 1986, com o projeto Preservação <strong>da</strong> Memória<br />
Ju<strong>da</strong>ica, e tinha como objetivo preservar “a memória <strong>da</strong><br />
coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> ju<strong>da</strong>ica no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (RS); o registro <strong>da</strong><br />
sua presença na história <strong>de</strong>ste estado”, valorizando sua contribuição<br />
na plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica, cultural e religiosa que caracteriza<br />
a nação brasileira . 4 Este projeto perdurou até o ano <strong>de</strong><br />
1992, compilando cerca <strong>de</strong> 400 entrevistas classifica<strong>da</strong>s como<br />
história oral <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. 5<br />
É preciso dizer que, neste texto, se está trabalhando fun<strong>da</strong>mentalmente<br />
com memórias, através <strong>da</strong> metodologia <strong>da</strong><br />
história oral. Portelli (1997, p. 15) tem uma <strong>de</strong>finição exemplar<br />
sobre esta metodologia, ao assim colocar:<br />
4 Além <strong>de</strong>ste projeto, o ICJMC, no ano <strong>de</strong> 1992, <strong>de</strong>u início a uma pesquisa<br />
sobre instituições, associações e li<strong>de</strong>ranças <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>/i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> ju<strong>da</strong>ica no<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Nesta oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, foram feitas diversas entrevistas temáticas.<br />
Ver: Acesso em: 24 jul. 2015.<br />
5 A história oral, para Freitas (2006), po<strong>de</strong> ser dividi<strong>da</strong> em três gêneros distintos:<br />
tradição oral, história <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e história temática. A história <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> po<strong>de</strong> abranger<br />
a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> existência do informante e, normalmente, essas narrativas são<br />
construí<strong>da</strong>s no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> encontros, constituindo longos relatos. A história temática<br />
versa sobre um tema norteador, estabelecendo um roteiro e um objetivo à<br />
narrativa. A tradição oral se relaciona mais fortemente com a antropologia.<br />
A história oral é a ciência e arte do indivíduo. Embora<br />
diga respeito – assim como a sociologia e antropologia<br />
– a padrões culturais, estruturas sociais<br />
e processos históricos, visa aprofundá-los em essência,<br />
por meio <strong>de</strong> conversas com pessoas sobre a experiência<br />
e a memória individuais e ain<strong>da</strong> por meio<br />
do impacto que estas tiveram na vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma.<br />
O foco é o que Alberti (2004, p. 25) chama <strong>de</strong> história<br />
<strong>da</strong>s experiências. Segundo a autora, “entrevistas <strong>de</strong> história<br />
oral po<strong>de</strong>m ser usa<strong>da</strong>s no estudo <strong>da</strong> forma como pessoas ou<br />
grupos efetuaram e elaboraram experiências, incluindo situações<br />
<strong>de</strong> aprendizado e <strong>de</strong>cisões estratégicas”.<br />
Embora as entrevistas tenham sido feitas na perspectiva<br />
<strong>de</strong> construir uma trajetória <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>stas pessoas, o olhar <strong>da</strong>s<br />
autoras se <strong>da</strong>rá, especialmente, no que interessa à profissão<br />
<strong>de</strong> médico. É importante ressaltar que haveria vários outros<br />
nomes <strong>de</strong> médicos que po<strong>de</strong>riam ser citados e cuja experiência<br />
muito contribuiria para a história <strong>de</strong>ssa etnia no estado.<br />
Tendo em vista, no entanto, a exigui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo para a<br />
composição do material, se optou por abor<strong>da</strong>r narrativas já<br />
existentes tanto no ICJMC quanto no Laboratório <strong>de</strong> <strong>História</strong><br />
Oral do NDH/UFPel. 6<br />
OS JUDEUS NO RIO GRANDE DO SUL NO<br />
SÉCULO XX<br />
A imigração ju<strong>da</strong>ica para o Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, como um<br />
movimento <strong>de</strong> coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, começou no ano <strong>de</strong> 1904, embo-<br />
6 Havia também, no Laboratório <strong>de</strong> <strong>História</strong> Oral do NDH, entrevista com o médico<br />
Simon Halpern, nascido em 1936, no Uruguai, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Melo, vindo para o Brasil<br />
com oito meses <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Seu pai iniciou como ven<strong>de</strong>dor ambulante <strong>de</strong> tecidos;<br />
sua mãe cui<strong>da</strong>va <strong>da</strong> casa. Ambos eram poloneses. Simon, que atuou a maior parte<br />
<strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> como pediatra, se formou na UFRGS, permanecendo em Porto Alegre<br />
pelo período <strong>de</strong> seu curso <strong>de</strong> graduação. Praticou <strong>de</strong>pois no Hospital Santo Antônio,<br />
sendo orientado por dois médicos mais antigos na profissão. O médico também<br />
teve uma carreira acadêmica como professor na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pelotas.<br />
Ele se aposentou no ano <strong>de</strong> 1989 na UFPel e faz uma espécie <strong>de</strong> retrospecto <strong>de</strong> sua<br />
carreira, ao assim dizer, sobre o período em que esteve à frente <strong>de</strong> uma estrutura<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>: “[...] Estou orgulhoso do que fiz, sem falsa modéstia, mas é<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Eu cheguei ao centro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> com a incidência <strong>de</strong> vacinação na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
66%, eu terminei meu trabalho no centro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para assumir a <strong>de</strong>legacia, com<br />
92%. Eu me <strong>de</strong>diquei”. Simon revela poucos episódios em que presenciou atos <strong>de</strong><br />
antissemitismo em sua trajetória <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Diz se sentir reconhecido pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
pelotense, on<strong>de</strong> escolheu viver e à qual <strong>de</strong>dicou seu trabalho.<br />
174<br />
MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - <strong>MUHM</strong>: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje