PORTUGUÊSA VISÃO DOS ATORES EXTERNOSDepois <strong>de</strong> promulgado o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação doFNT, logo em seguida foi divulgado o regimento interno.Aí tive <strong>um</strong>a segunda <strong>de</strong>cepção. O <strong>de</strong>creto queconstitui o FNT não <strong>de</strong>u nem chance aos participantes<strong>de</strong> examinar o regimento interno. No regimento havia<strong>um</strong> artigo leonino que dizia que “em caso <strong>de</strong> impasseo governo <strong>de</strong>cidiria”. Eu não sou contra a arbitragem,sou a favor, mas acho que valeria a pena, pelo menos,ter discutido outras alternativas além <strong>de</strong>ssa. A fórmulaadotada é <strong>um</strong>a das possibilida<strong>de</strong>s, mas existem outrasalternativas para se resolver <strong>um</strong> impasse. Não gosteidisso.Mas aí o FNT começou, foi instalado e notei <strong>um</strong>ambiente <strong>de</strong> disposição para fazer a Reforma Sindical.Encontrei <strong>um</strong> nível <strong>de</strong> organização que me surpreen<strong>de</strong>uno que tange à propagação dos instr<strong>um</strong>entos básicos.Gostei do ambiente. Gostei do ambiente inicial<strong>de</strong> cordialida<strong>de</strong> entre as partes. Acreditei na boa-vonta<strong>de</strong><strong>de</strong> todos. Mas comecei a me <strong>de</strong>siludir quando vique as intransigências eram muito gran<strong>de</strong>s, e principalmenteeram intransigências que visavam bloqueara Reforma Trabalhista.Então aquilo que era conversável do lado sindicalera inconversável do lado trabalhista. Ficou claro entãoque o Fór<strong>um</strong> só ia trabalhar na Reforma Sindical.Além disso, o FNT, apesar <strong>de</strong> seu caráter tripartite, era<strong>um</strong> fór<strong>um</strong> do tipo 2 a 1, <strong>um</strong>a vez que existiam <strong>um</strong>acoincidência <strong>de</strong> princípios e posições muito gran<strong>de</strong>sentre a bancada dos trabalhadores e a bancada dogoverno.Mas fiquei surpreso; por isso estou dizendo queno mundo não existe nada só bom ou nada só ruim.Fiquei surpreso porque muitos pontos que a batalhaparecia já <strong>de</strong>finida por causa <strong>de</strong>sses 2 a 1, houveaceitação do <strong>de</strong>bate e <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entos, que acabaramtransformando alg<strong>um</strong>as intransigências iniciais empontos <strong>de</strong> negociação, que acabaram confluindo para<strong>um</strong> acordo.A questão do contrato coletivo nacional absoluto, aquestão <strong>de</strong> não substituição dos grevistas na hora emque a greve põe em risco equipamentos e pessoas, aquestão da utilização <strong>de</strong> mais recursos negociais em<strong>de</strong>trimento da Justiça do Trabalho foram pontos queno começo eram intransigentes e com o <strong>de</strong>bate tornaram-sepontos <strong>de</strong> confluência e alguns até <strong>de</strong> consenso.Tive meus momentos <strong>de</strong> animação <strong>de</strong>ntro do FNT.Acho que, se computarmos tudo que foi feito, apesar<strong>de</strong> muita coisa não ter sido feita, o FNT foi o que maisfez até hoje. Foi a experiência em que mais se trabalhoue mais se construiu.O balanço geral foi positivo, mas com ressalvas.As minhas ressalvas ao FNT dizem respeito ao funcionamento.As questões mais periféricas, eu não entroem <strong>de</strong>talhes; por exemplo, eu sou muito disciplinado,não tolero atraso <strong>de</strong> duas, três horas, mas não vouentrar nessa parte.Não tive <strong>de</strong>sconfiança alg<strong>um</strong>a do FNT. Sinceramenteachei que houve <strong>um</strong> esforço tripartite. Foi amelhor iniciativa <strong>de</strong> todas que eu participei até hoje.Anteriormente me convidaram para trabalhar <strong>de</strong>ntrodo gabinete. Agora não.Eu acho que aquela idéia mais ampla <strong>de</strong> reformaque eu tinha na juventu<strong>de</strong> virou sonho. Acho que estepaís não tem estrutura política para pensar em reforma<strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>, sobretudo por não ter li<strong>de</strong>rançapor parte do governo para puxar <strong>um</strong>a reforma <strong>de</strong>ssaenvergadura.Não há <strong>um</strong> país do mundo que tenha feito <strong>um</strong>a reformaampla sem a li<strong>de</strong>rança do governo. Na Espanhafoi assim, na Nova Zelândia foi assim, no Japão foi assim.Sem a li<strong>de</strong>rança do governo não se faz reforma.Não se faz porque é preciso haver <strong>um</strong>a boa pedagogiasobre esses temas sensíveis junto ao povo.É <strong>um</strong> tema muito insensível, que dá margem a muitaincompreensão e exploração. E as duas coisas acontecemao mesmo tempo. E, no meio disso tudo, a imprensafunciona como motor propulsor da incompreensãoe da exploração. Aí, a população se assusta, osparlamentares por sua conseqüência, também ficam<strong>de</strong>sconfortáveis, não votam e nada acontece.Então, sem <strong>um</strong>a li<strong>de</strong>rança que é pedagógica nãohá jeito. Eu sonhava que isso fosse possível fazer,comprometendo senadores e <strong>de</strong>putados <strong>de</strong> garra. Nósacabamos <strong>de</strong> provar isso no Brasil com a Reforma daPrevidência. A Reforma da Previdência só saiu porqueo Presi<strong>de</strong>nte da República e o Ministro da Previdênciaass<strong>um</strong>iram a li<strong>de</strong>rança e explicaram para o país queesse negócio era absolutamente necessário. É verda<strong>de</strong>que é <strong>um</strong>a reforma meia-sola, mas está aí.E, nos países em que houve essa pedagogia porparte do governo, as reformas trabalhistas tambémsaíram. A Austrália está n<strong>um</strong> momento agora <strong>de</strong>sen-56 <strong>Conquistas</strong> e <strong><strong>de</strong>safios</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>diálogo</strong> <strong>social</strong>: Reflexões dos atores para o futuro
A VISÃO DOS ATORES EXTERNOSPORTUGUÊSvolvendo a reforma trabalhista. O governo gastou <strong>um</strong>ano na preparação dos materiais pedagógicos paraexplicar para a população.Então aqui no Brasil o que havia <strong>de</strong> importantíssimoa fazer era explicar para a população os motivos<strong>de</strong> <strong>um</strong>a Reforma Trabalhista para valer. A ReformaTrabalhista não é para tirar direito <strong>de</strong> quem tem, é paradar direito a quem não tem. Nós temos 48 milhões <strong>de</strong>trabalhadores sem direitos e 32 milhões com direitos.A Reforma Trabalhista é para ampliar o número <strong>de</strong>protegidos. Portanto, não vai tirar direito <strong>de</strong> ninguém,vai dar direito para quem não tem. E mesmo assim,gradualmente, porque nada se faz da noite para o dia.Para fazer isso é preciso <strong>um</strong>a li<strong>de</strong>rança, alguém queesteja disposto a ir à televisão e ao rádio.O futuro, ao meu ver, <strong>de</strong>ve cuidar das reformaspontuais. Começar por partes, começar <strong>de</strong>vagar,passar aquilo que é possível, porque não vai haverli<strong>de</strong>rança para fazer <strong>um</strong>a coisa gran<strong>de</strong> que o Brasilprecisa. O Brasil vai sofrer mais tempo, a reforma vaiser homeopática. Precisa regulamentar o art. 8º, porexemplo, <strong>um</strong>a reforma cosmética. Quem quer mexerna área sindical vai por aí. Na área trabalhista, o i<strong>de</strong>alé fazer <strong>um</strong> simples trabalhista para micro e pequenasempresas, fazer aquilo que a lei ordinária permite.E passo a passo, por aí, acho que temos <strong>um</strong> cenárioa percorrer, que no meu enten<strong>de</strong>r é único. A não serque haja <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> mudança, que apareça <strong>um</strong> lí<strong>de</strong>rcapaz <strong>de</strong> ass<strong>um</strong>ir essa tarefa e mostrar para a Naçãoque isso é <strong>um</strong>a coisa boa, que não é para matar direito,não é para fazer sangria, que é para tornar a vidamais civilizada entre empregados e empregadores.Até por isso eu sou favorável ao Conselho Nacional <strong>de</strong>Relações <strong>de</strong> Trabalho. O Conselho é <strong>um</strong>a agência reguladoradas relações <strong>de</strong> trabalho. É <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>entoimportante. Lancei essa idéia, vi em outros países, trabalheiem Conselhos <strong>de</strong>sse tipo, mas não é para ficarfalando que esse Conselho tem que fazer a ReformaTrabalhista. Não, ele <strong>de</strong>ve ter atribuições do dia-a-dia,<strong>de</strong> monitoramento.Deve ter, ainda, atribuições <strong>de</strong> acompanhar a vidado trabalho e do sindicato, os dois lados, acompanharos problemas gerais, a empresa e do emprego. Deveser <strong>um</strong> Conselho Econômico e Trabalhista, olhando ebuscando solucionar os entraves do ponto <strong>de</strong> vista trabalhistada regulação.No início achava que <strong>de</strong>veria ser <strong>um</strong> organismo separadodo governo, como é em todos os países. Depoisé que me foi explicado que se fosse para conce<strong>de</strong>rregistro <strong>de</strong> sindicato, não po<strong>de</strong>ria excluir o Estado.Acabei convencido <strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria ser tripartite.Um dos principais problemas do FNT foi o fechamentoda bancada do governo com a dos Trabalhadorescontra a Reforma Trabalhista. Esse é <strong>um</strong> fechamentoque po<strong>de</strong> ser camuflado, e manipulado; elepo<strong>de</strong> vir com <strong>um</strong>a verborragia diferente, dizendo quenão está fechado, mas para mim está fechado.As Reformas Sindical e Trabalhista <strong>de</strong>veriam serconcomitantes e graduais.O tempo não foi perdido. Foi <strong>um</strong>a experiência positiva,foi construtiva apesar das ressalvas mencionadas.E o que é que sobra? Sobram muitos conceitosque estão <strong>de</strong>ntro do próprio anteprojeto. Eles po<strong>de</strong>mser aproveitados na retórica <strong>de</strong> empregados e <strong>de</strong> empregadores.Na verda<strong>de</strong>, já estão incorporados. Estásurgindo <strong>um</strong>a subcultura a respeito <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong>,<strong>um</strong>a coisa útil. Parece pouco, mas não é. Essesconceitos não existiam no Brasil e hoje já não se discutenem se questiona mais. Não vi nem ouvi questionamentossobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong>até agora.O que sobra também é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as partesse encontrarem para examinar problemas específicos<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa idéia <strong>de</strong> reformas parciais. Eu cost<strong>um</strong>oescrever isso nos meus livros. Eu insisto nisso porquevocê tem que ter <strong>um</strong>a utopia, que é <strong>um</strong> parâmetro paravocê falar: o i<strong>de</strong>al é isso. É possível? Não sei. Vamosver se chegamos lá aos poucos.<strong>Conquistas</strong> e <strong><strong>de</strong>safios</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>diálogo</strong> <strong>social</strong>: Reflexões dos atores para o futuro57