Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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era mais novo que o meu, e que me cumprimentaram como se tivéssemos nos encontrado na<br />
saída da ópera e me levaram de volta para o hotel. De forma que não faz muito o meu gênero<br />
sair sozinho, sobretudo porque não tem nenhum táxi livre, e estou ficando ensopado com essa<br />
caminhada idiota e com essa chuva idiota.<br />
Entro no primeiro boteco, e foi só sentar para eu começar a paquerar a garçonete que não vê a<br />
hora de agradar o patrão atrás do bar, que se parece, em versão francesa e como duas poças<br />
d'água, com a idéia que tenho dos barmen de Bukowski, os quais busquei como o Santo Graal<br />
em bares fajutos e em ruelas de assassinos nos bairros de Los Vngeles para dar algum sentido<br />
ao meu alcoolismo, e foi preciso descobrir a pérola rara, cinco anos depois, quando eu até já<br />
havia me esquecido da idéia, a alguns passos do meu hotel, num café-tabac francês, à primeira<br />
vista de uma banalidade mortal.<br />
— A gente não serve almoço aqui.<br />
A abordagem é agressiva e também inadequada, uma vez que não somente a idéia de<br />
ingurgitar um alimento sólido me provoca náuseas terríveis, como, ainda por cima, eu não<br />
manifestei de maneira alguma a intenção, e me pergunto o que foi que deu nele — mais um<br />
maluco.<br />
— Melhor assim. Queira, por favor, fazer a gentileza de me trazer, ou pedir a alguém que me<br />
traga, a carta de bebidas, caro senhor.<br />
Ele chama a empregada dele com um gesto tão autoritário que, se fosse a garota, eu teria<br />
obedecido mais rápido do que isso. o bistrô está naquele instante tão vazio quanto a minha<br />
cabeça, e eu me pergunto se não estou sonhando com a cena. Foi nessa hora que percebi que<br />
a garçonete paquerada por mim já devia ter ultrapassado com folga os sessenta anos, mas<br />
continua esbelta, e sua maquiagem exagerada, a penumbra, os vestígios da minha farra de<br />
véspera, tudo isso junto a tinha aliv iado de três boas décadas, enfim, agora que se fez luz<br />
sobre a verdade e que a verdade poderia ser minha mãe, quem sabe minha avó, de um ponto<br />
de vista exclusivamente biológico, decido nem tentar disputá-la com o senhor dos aposentos,<br />
que espero o perceba claramente, e cujo ciúme parece, afinal, após observação, legitimado<br />
pelos laços sagrados do matrimônio. Em seguida, um sujeito tão molhado quanto a própria<br />
chuva enfia a cabeça na porta e pergunta:<br />
— Com licença, vocês servem almoço?<br />
— Não! — respondem, em perfeita sincronia e com um fastio que me intriga, tanto o homem<br />
quanto a mulher.<br />
O homem decide então se ocupar do meu caso, e se aproximando da minha mesa quase me<br />
joga o cardápio na cara, o que me encanta.<br />
— Um conhaque e um chocolate quente, por favor — digo eu — , e teria preferido, visto que o<br />
senhor está sendo tão deliberadamente agressivo comigo, e de uma maneira, aliás, totalmente<br />
gratuita, que, nesse caso, no momento em que o senhor me jogou esta carta de bebidas na<br />
cara como uma bofetada, o senhor fosse completo em sua atitude e me tivesse gratificado ao<br />
mesmo tempo com não sei bem que epíteto desagradável do gênero bundão, bosta ou<br />
babaquinha, o que teria por mérito dado uma integralidade a sua atitude, uma vez que, saiba o<br />
senhor, não há nada que me irrite mais do que algo pela metade.<br />
— Se você esta procurando fazer novos amigos, é melhor cair fora daqui, porque aqui está<br />
longe da sua praia.<br />
— Monsieur está criando caso? — pergunta ameaçadoramente a digna esposa do bichopapão,<br />
e quase me dá vontade de chorar quando percebo que a minha boa vontade em<br />
relação a eles não está sendo retribuída.<br />
— Com licença, mas... o senhor ainda serve almoço aqui? Um sujeito em tudo parecido com<br />
seu precedente acaba de fazer a pergunta fatídica pela porta entreaberta.<br />
— NÃO! — latem os dois numa sincronia que me provoca inveja.<br />
— E você, vai ficar, vai insistir? — o tom está mais alto.<br />
— Acho que vou insistir.<br />
— Lullaby, um conhaque e um chocolate quente para o senhor desagradável.<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 10