Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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os olhos pulando fora das órbitas, a boca deformada, a mistura de secreções, e tudo isso é,<br />
pensando bem, bastante absurdo, pois é repetitivo, e bastante nojento, pois é pagajoso, sintome,<br />
de qualquer forma, afanado — e isso não é um mau trocadilho —, de modo que entro no<br />
banheiro para lavar as mãos, porque não sei, afinal de contas, quem é essa garota, e sou<br />
surpreendido ao me ver realmente bonito, bonito de verdade sob essa luz difusa, os traços um<br />
pouco esgotados e o robe entreaberto, em seguida, completamente fora de propósito, enfiei<br />
óculos escuros de Gucci, os quais, apesar de todo o esforço criativo que foi preciso para sua<br />
elaboração, se parecem simplesmente com um par de ray-ban fajuto, e fiz caras, sentindo-me<br />
loucamente rock'n roll — pouco antes de me achar loucamente patético, com meu roupão,<br />
meu abdômen, meus óculos e mulher no escuro, lembrando-me depois que tem gente que se<br />
afoga assim e, ao escutar o prólogo de Roxanne do Police, irradiado suntuosamente pelos<br />
meus baffles Apogée nas minhas caixas de som, fui reintegrado ao quarto e à garota e<br />
compartilhei com ela, em play-back, meus pensamentos profundos a respeito dela, chamandoa<br />
de Roxanne como que inadvertidamente, explicando para ela que não deveria ter vestido<br />
aquela roupa nesta noite, nem vender seu corpo à noite, hein, Roxanne, mas levando em<br />
conta o seu conhecimento aproximativo do inglês, tenho certeza de que não captou a<br />
mensagem, por outro lado, ele deve ter achado isso romântico, uma vez que pertence a essa<br />
geração de gatas, vinte anos no ano 2000, que acha romântico chupar um pau dentro de um<br />
carwash, bastando para isso que um "por favor" seja emitido, tudo isso, enfim, para voltar ao<br />
fato de que, desde que parei de me drogar, tornei-me muito mais sensível aos efeitos do<br />
álcool, ou quem sabe envelheci, e penso no tempo nem tão distante assim, quando esperava<br />
crescer, e penso que não há nada pior que este momento quando a gente pára de ter vontade<br />
de crescer para começar a recear envelhecer, depois me pergunto se isso é ou não é algo a ser<br />
considerado um lugar comum (seria apenas o trigésimo sétimo hoje), e sinto a idade pesar em<br />
mim, pesar, vinte e nove anos já, com mais lembranças do que se eu tivesse mil, e Manon quer<br />
apagar todas as luzes, e eu tento me opor, quando um barulho surdo no corredor me faz<br />
sobressaltar, aperto então o cinto do meu robe e atravesso o quilômetro que separa minha<br />
cama da porta de entrada, com tempo de sobra para piscar o olho para Cindy, que desfila Jill<br />
Sander, no plasma da sala, pego a guitarra de Mirko, uma velha Gibson Les Paul collector, que<br />
dei de presente para ele na quinta vez que saiu da prisão, bem determinado a quebrar a<br />
cabeça de quem quer que me queira mal, e abro bruscamente a porta com a guitarra no ar.<br />
Mirko, roncando, se desfaz diante dos meus pés descalços: esse idiota esqueceu de novo o<br />
cartão e dormiu mais uma vez encostado na porta ao voltar de não sei que farra, sabendo que<br />
sofre de um tique que só se manifesta quando ele capota, ou quando está muito louco, ou as<br />
duas coisas juntas, causando movimentos involuntários de extrema violência, como naquela<br />
vez no barco, por exemplo, quando, totalmente despirocado de freebase que ele fumava havia<br />
três dias num ritmo de doze vezes por dia, atirou a minha pobre madrasta por cima do<br />
parapeito de bordo ao largo das Caraíbas, bem no meio dos tubarões brancos, aquele dia,<br />
enfim, teria sido um ótimo dia se ela conseguisse ter sido devorada, a escrota lipoaspirada até<br />
as orelhas, mas aqueles bichos escrotos, infelizmente, não gostavam muito de Botox, ou<br />
perceberam talvez — o famoso sexto sentido dos animais — que minha madrasta, num cara a<br />
cara com um tubarão, fazia mais o gênero de comer o tubarão do que o inverso, de forma que<br />
naquele momento preciso, enfim, com os problemas maníaro-compulsivos de meu amigo<br />
Mirko traduzindo-se mais por sua vontade de degradar a socos não apenas a porta do meu<br />
quarto, mas também minha paz de espírito e, por conseguinte, meu equilíbrio mental, a<br />
palavra-chave sendo ultimamente: paranóia, paranóia, paranóia, eu o acordo com um par de<br />
tapas na cara e sugiro que ele passe o fim de semana em Milão, o que faz dócil e<br />
imediatamente.<br />
Em seguida, percebendo a cacofonia que sai por baixo da porta defronte, eu penso<br />
conspiração, conspiração, conspiração, e então bato na porta, toco a campainha, berro, até<br />
que uma morenaça com protetor de ouvido abre a porta e fica alterada ao me ver.<br />
— Eu gostaria de poder dormir esta noite pelo menos uma vez — digo para ela —, de forma<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 29