Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
mar. Manon não tinha seu porte, isso ela nunca vai ter. Mas se parecia com Julie de uma<br />
maneira estranha e apavorante, com uma Julie corroída, encolhida, degradada, que houvesse<br />
sido arrancada de sua prisão dourada e espancada até a morte. Ela se parecia com o destroço<br />
que talvez fosse Julie caso houvesse sobrevivido. E, na minha perturbação, começo a dizer a<br />
mim mesmo que ainda bem que ela não sobreviveu.<br />
Eu me dizia isso quando, por exemplo, acordava primeiro e via Manon deitada de bruços, na<br />
diagonal, sua inocência perdida redescoberta num sonho e irradiando-se pelos seus traços,<br />
isso antes de ela por sua vez acordar para retomar a consciência e a pose diante de mim, antes<br />
de disparar para dentro do banheiro e se lambuzar com sua maquiagem de puta, eu pensava<br />
nisso ao olhar suas primeiras fotos, suas faces cheias, seus cabelos castanhos, cacheados, seu<br />
ar de gratidão, faz apenas quatro dias que pensei a mesma coisa, na estrada, vindo para cá,<br />
mas já não sei hoje o que pensar, acho que estou entregando os pontos.<br />
Saímos de Mônaco depois daquela noite insone delirante que passamos sem fazer<br />
estritamente nada, fora ficar andando de um lado para o outro fumando milhões de cigarros, e<br />
tomando um Stilnox atrás do outro, sem saber de onde vinha esta angústia e, sobretudo, sem<br />
dizer palavra um ao outro, The 25th Hour, aquela música de matadouro, selecionada no menu,<br />
que começava, parava e recomeçava, sem que a gente soubesse por que, pedíamos qualquer<br />
coisa ao serviço de quarto, chá, coquetéis, ovos mexidos com trufas, cigarros mentolados, mas<br />
a vontade sumia quando chegavam, de forma que devolvíamos tudo para a cozinha, para fazer<br />
um novo pedido cinco minutos depois. Tentamos jogar gamão, mas Manon queria roubar o<br />
tempo todo, tentamos assistir ao filme, mas tinha gente demais nos telefonando com convites<br />
para jantares oficiais ou não, no cassino, no Jimmy'z. Para o Bono, que queria tomar um<br />
drinque comigo no Sass, respondi que aquela noite minha vontade era cair morto no chão, e<br />
Manon agarrou o telefone berrando que não tinha nada para vestir e desligou em seguida o<br />
aparelho na cara dele. Acho que estava preocupada com a última capa que fez, para a GQ<br />
inglesa, que não fora segundo ela suficientemente retocada, dizia que estava com uma cara de<br />
sapatão gótica por causa das orelhas, do kohl e das maçãs do rosto, e não parava de repetir:<br />
"Você viu minha cara na GQ?", "Toda a Inglaterra já deve estar gozando com a minha cara:<br />
sem maquiagem, fico igual a Kylie Minogue, não, a Victoria Beckham antes da plástica, não, a<br />
Lara Flynn Boyle na Vanity Fair da semana passada!", e, enquanto faço um registro mental<br />
para escolher melhor a próxima foto, respondo a ela: "Sim, mas Kylie, Victoria e Lara não estão<br />
ao meu lado", o que a deixa completamente fora de si (mas tudo o que digo a deixa<br />
completamente fora de si), e ela berra: "Eu não quero ser porra nenhuma de namoradinha!", e<br />
eu retruco: "Eh, nisso você se engana, cocota, isso porque conheço muita gente, um bando de<br />
gostosas que gostariam de ser namoradinha", e, ao perceber que ela está se virando com<br />
todas as garras de fora, pronta para me dilacerar a cara, eu acrescento: "E das melhores!",<br />
felizmente, a irrupção de uma enorme vespa mutante, que começou a perambular no rosto<br />
tumeficado de Ed Norton, salvou-me de uma morte atroz ao provocar aquilo que se chama no<br />
jargão militar de "ação diversionária", Manon escamoteou suas garras, pulando no ar, agitada<br />
como uma possessa, urrando: "Mata, mata, mata essa escrota", o que fiz, corajosamente, com<br />
a GQ incriminada e, quando todo perigo havia sido afastado, Manon encolheu-se nos meus<br />
braços murmurando bem baixinho: "Ela está morta?", eu lhe mostro a GQ com o cadáver da<br />
vespa incrustado no meio das sobrancelhas da lésbica gótica e ela caiu em pranto gemendo:<br />
"Era tudo o que eu merecia!", e foi com alív io que nos demos conta de que o sol nascia.<br />
Fomos embora acelerados e imundos porque não tínhamos vontade de tomar banho,<br />
pegamos apenas os discos de Nina Simone, The Gathering e Counting Crows, dos quais só<br />
escutamos, sem parar, uma única música, que era Don't let me be misunderstood, porque com<br />
o sol que subia, e subia numa velocidade vertiginosa sobre as estradinhas à beira-mar, o cheiro<br />
do café, o vento nos nossos cabelos e essa música nos davam, ainda que tivéssemos passado<br />
dias sem dormir, a impressão de renascer, e eu olhava para Manon de jeans e uma blusa<br />
branca sem mangas manchada de café, com seus enormes óculos de estrela de cinema, com<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 56