Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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Todo mundo tinha a impressão, naquela época, de já ter me conhecido, e eu tentava me<br />
convencer de que era essencial, quando na verdade era simplesmente banal. Eu era banal. Ia<br />
trabalhar no restaurante, arrasada pela minha noite de foda remunerada, chegava atrasada,<br />
quebrava a louça, confundia os pedidos e não conseguia mais, mesmo ao preço de um esforço<br />
sobre-humano, sorrir para os clientes. O Nojento me dava esporros e eu não respondia. Sissi<br />
fingia que me defendia e me fitava com um olhar de nojo, o qual eu certamente merecia, visto<br />
que havia chegado a tal ponto de abjeção que ultrapassava até mesmo o dela. Eu era então a<br />
última das últimas, e daí? Sissi fez queixa de mim para o Nojento, e o Nojento me pôs na rua,<br />
visto que eu maculava a imagem do estabelecimento. Tive vontade de dizer que simplesmente<br />
havia assumido o caráter de puteiro do lugar e que serviria perfeitamente para ser a mascote<br />
dali, mas preferi me calar e peguei minhas coisas, não me despedi de ninguém e tampouco<br />
bati a porta. Não havia nem uma sombra na rua quando saí e, ao levantar os olhos para o céu<br />
esbranquiçado, um céu de tragédia, só vi janelas fechadas. Um cameraman andando de costas<br />
me filmou durante todo o percurso da avenida Montaigne, e eu andava rápido só mostrando o<br />
meu pior ângulo, já que esse cameraman certamente não existia.<br />
Tinha um vento que varria as folhas mortas e um rumor surdo de fim do mundo, estava mais<br />
uma vez só e sentia frio, e não ficaria nem um pouco surpresa se de repente os prédios de<br />
pedra clara simplesmente desabassem, como uma rendição. Passou, em seguida, um sujeito<br />
correndo que me deu um encontrão que me fez cair na calçada, e, quando me levantei, surgiu<br />
um ônibus de lugar nenhum que parou na minha frente. Subi e o ônibus não tinha<br />
aquecimento, mas havia vida ali e senti-me reconfortada. Sentei-me depois num banco, na<br />
frente de uma mulher velha e de um trabalhador, e a velha e o cara me fitaram, e os dois se<br />
levantaram de um pulo para irem se refugiar no fundo do ônibus, e, pouco a pouco, todas as<br />
pessoas ali começaram a se agitar, enquanto eu ia escutando, mais alto que o ruído do motor,<br />
um murmúrio inquietante, do qual só pescava umas frases; insultos truncados e reclamações,<br />
enquanto apontavam para mim um dedo desprezível, até que só estava eu sentada naquele<br />
ônibus diante de um bando hostil, acabei descendo quando a velha jogou alguma coisa na<br />
minha cabeça. Eu me vi na rua d'Amsterdam a duzentos metros da minha casa, e comecei a<br />
subir a rua, com um caroço na garganta e meus olhos que se embaçavam, certamente por<br />
causa do vento, e um grupo de cafajestes me seguiu, e um deles tentou me agarrar pela<br />
cintura e enfiou a mão no meio das minhas pernas, e eu o empurrei, mas eles me cercaram e<br />
me chamaram de piranha, para depois cuspirem na minha cara, e se juntaram os quatro para<br />
me derrubar, eu comi poeira, e a minha bolsa virou na sarjeta, e estava de joelhos tentando<br />
recuperar as minhas chaves e o meu dinheiro, mas alguém me empurrou de novo, e pisaram<br />
na minha mão, e dez pessoas tinham me cercado berrando insultos que eu não compreendia,<br />
e jogavam moedas e pedaços de não sei o que, então saí correndo, e corri o mais rápido<br />
possível pela rua d'Amsterdam e cada pessoa que passava me dava um encontrão ou me<br />
xingava, e a multidão que me perseguia ia aumentando a cada segundo e eu estava com medo,<br />
passei a correr então sem olhar para onde ia e quase fui atropelada por um carro, e<br />
arrancaram o meu casaco, e se agarraram nos meus cabelos, e junto com o medo veio a dor, e<br />
eu cheguei em frente à minha porta, e digitei o meu segredo sem olhar, empurrando a porta<br />
com toda a força, e me apoiei nela para respirar, mas escutava a multidão que batia e berrava<br />
atrás, e subi as escadas, arfando a cada degrau, só reparando nas pichações quando estava no<br />
quarto andar, tinham desenhado obscenidades nas paredes junto com "PUTA" em grandes<br />
letras maiúsculas, com setas apontando para o meu apartamento, e a porta estava aberta, e<br />
meu apartamento tinha sido arrasado, de forma que pensei ter sido assaltada, mas não<br />
levaram nada, nem a televisão, cuja tela tinha sido estilhaçada, nem minhas roupas<br />
dilaceradas nos cabides que cobriam o chão ensopado por uma chuva grossa que eu não<br />
percebi do lado de fora, mas que fazia crepitar os fios desencapados, todos os armários tinham<br />
as portas arrombadas e o cinza das paredes sumira debaixo de insultos e obscenidades, tinham<br />
escrito "PUTA" de novo, além de "CASA DO CARALHO" e "A CULPA É SUA", e escutei, em<br />
seguida. aquela música que não vinha de lugar algum e aumentava a cada passo meu, e as<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 93