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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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Fazia muito calor naquela noite, como uma última graça do verão antes que outubro e a<br />

friagem chegassem para se instalar definitivamente. Eu deixara a janela aberta, escutando o<br />

barulho da rua subir aos bocados até em casa, e larguei meu livro que, de súbito, me pareceu<br />

bastante enfadonho comparado com a vida do burburinho lá embaixo. Fui ficar de bruços no<br />

balcão, reprimindo, não sem dificuldade, um arrepio que subia do meu baixo-ventre, e<br />

admirava Paris, que queimava diante dos meus olhos.<br />

A cidade ressoava aquela noite uma agitação a que eu assistia pela primeira vez: as sombras<br />

violeta longilíneas turbilhonavam sob as luzes dos postes, passos e gargalhadas que se<br />

afastavam, o murmúrio de um carro que aumentava diminuindo em seguida, dava a impressão<br />

de um vendaval que a tudo levava, tudo menos eu, que permanecia imóvel na minha janela,<br />

adivinhando uma festa para a qual não fui convidada. Deixada de lado, desprezada, punida,<br />

excluída. Mais ainda que em Terminus. Em Terminus, eu tinha a sensação de que a vida estava<br />

em outro lugar. Agora que eu havia conseguido chegar a este outro lugar, a vida continuava a<br />

não ligar para mim.<br />

A vida... A vida de verdade; aquela que crestava por trás desses rostos inexpressivos e<br />

maquiados em excesso que todo dia pediam a mim seus almoços, atrás das fachadas de pedras<br />

brancas que beiravam as calçadas da avenida Montaigne, aquela que marcava os traços<br />

familiares das estrelas nas capas das revistas, uma vida boêmia, de festas, de viagens, de<br />

encontros, de caviar e de champanhe, na qual a gente dorme tarde, em que se vive a noite, em<br />

que os carros andam em disparada, em que se morre cedo demais. Eu tinha de tudo isso uma<br />

idéia confusa, aquilo que havia lido nos jornais, visto na tevê, aquilo que fazia três semanas eu<br />

assistia no Trying So Hard, incrementado pelo trabalho incessante do meu imaginário, que<br />

queria absolutamente acreditar em algo de "melhor", mas, ainda que não soubesse realmente<br />

para onde ia, eu estava indo, porque era isso que eu desejava com todas as minhas forças,<br />

com toda a minha alma de pequena provinciana impressionável e frustrada, hei de conquistar<br />

um dia esta vida ai.<br />

4 Arcanjo<br />

DEREK - Hoje decidi despedaçar uma existência.<br />

Acordei entediado, ainda mais enfadado do que quando fui dormir, ainda mais entediado do<br />

que na véspera, do que anteontem, e todos os dias antes, desde dias imemoriais, quem sabe<br />

desde a infância: a felicidade, a esperança de antigamente, delas esqueci as cores e, em<br />

seguida, como num túnel, foram decrescendo na direção do não-retorno, um túnel sem fim,<br />

nenhuma luz por mais longe que possa alcançar minha vista, eu aperto os olhos, esforço,<br />

impotência; não existe mais luz, não há saída, não há solução, nunca mais haverá. Isso é o que<br />

a gente chama crise de angústia, início talvez de uma depressão, talvez apenas um despertar<br />

difícil... Eu nunca acordo sem ser com dificuldade e, se conservo ainda um último sonho<br />

escondido entre a lembrança da minha ex que se suicidou e a convicção de que a vida é<br />

absurda, de que a felicidade não existe e de que vamos todos acabar, e eu junto com os<br />

outros, comendo capim pela raiz, é este despertar luminoso como uma renascença, emergir de<br />

dez horas de sono numa hora decente, o corpo descansado e a vida em seu lugar, os pedestres<br />

nas ruas e as butiques recém-abertas, o gosto do café, o cheiro dos jornais, o sol da manhã, o<br />

prelúdio de Mellon collie and the infinite sadness, os desenhos animados imbecis no café da<br />

manha, e a sensação de que tudo ainda é possível uma vez que tudo acaba de começar. Será a<br />

insônia que gera a depressão, ou a depressão que gera a insônia? Eu vivo num horário de Los<br />

Angeles em Paris, à hora de Tóquio em L.A. No inverno, quando acordo ainda é noite, e acordo<br />

todo dia de ressaca — a ressaca constituindo o meu estado normal, sem vontade de fazer<br />

nada, a não ser adormecer de novo.<br />

Felizmente, a chegada do meu massagista, que poderia ser meu confidente se falasse inglês,<br />

russo ou até mesmo francês, é prevista para as cinco horas, quer dizer, daqui a quinze<br />

minutos, o que é um tempo mais do que suficiente para que eu me sirva de uma primeira<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 17

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