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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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com meu pai na sala dos fundos do café-tabac de Terminus, Departamento de Hérault,<br />

bebendo um espumante ruim numa taça de plástico.<br />

Isso não são lembranças, já quase não me lembro, isso é quase irreal; é como um<br />

pesadelo antigo e não faz muito que acordei, levanto, ponho um roupão, chamo o<br />

serviço de quarto, abro mecanicamente os jornais de Derek, olho a praça Vendôme, ou<br />

o Central Park, ou o Mediterrâneo, bebendo meu café, e as lembranças são como um<br />

tapa na cara na hora que estou enchendo a banheira, são nacos, impressões, aparecem<br />

em flashes, minha vida de antes. E a vaga certeza de que só existo em trânsito, e a<br />

angústia.<br />

Eu meço 1,72 m por 46 kg, 88 de busto, 62 de cintura, 88 de quadril, cabelos castanhos,<br />

olhos azuis. É o que está escrito no verso do meu portfolio, mas sou um pouco mais<br />

baixa e tenho dois quilos a mais, as fotos foram tiradas por Inez Van Lamsweerd e seu<br />

assistente bonitinho que era a cara de Guillaume Canet, foi no Pierre, onde durmo com<br />

Derek toda vez que vamos a Nova York, eu fui vestida por Dolce&Gabbana.<br />

No grande retrato, frente e verso, faço uma careta e fui totalmente retocada. Não há<br />

nenhuma sobra no meu rosto, é como se acabasse de nascer. E acredito que foi naquele<br />

dia que nasci. Se a gente olha mais de perto, o reflexo da objetiva aparece nos meus<br />

olhos, como uma mancha de luz.<br />

Aquela foi minha primeira capa, na Vogue italiana.<br />

Logo se seguiram muitas outras, e campanhas publicitárias de automóveis, cosméticos,<br />

perfumes, um aparelho de fotografia digital, cremes solares, Coca-Cola com gengibre, jeans,<br />

Vuitton. Eu aprendi meus ângulos e meus perfis, os prenomes exóticos das top models, e<br />

aqueles suntuosos e terrificantes dos fotógrafos estrelas, que soam como títulos de novelas de<br />

rádio, sei que somos todas anoréxicas e que, como em todo lugar, todo mundo dorme com<br />

todo mundo, e nega depois. Eu me entreguei a Elle, Vogue e Numéro, perdi dez quilos me<br />

alimentando exclusivamente de nutrientes líquidos, desde então tenho convulsões. Parece que<br />

foram as anfetaminas. Eu me lembro desses pátios rateados, com a grama brotando entre os<br />

paralelepipedos que levavam a estúdios brancos com cheiro de pintura. O amanhecer brilhava<br />

como nunca neles por entre os tetos de vidro, tomava milhares de xícaras de café vestindo um<br />

roupão e era malcriada com as maquiadoras, que por sua vez eram malcriadas comigo, eu me<br />

queixava do jet lag e da grosseria dos fotógrafos, tomava uma quantidade de comprimidos<br />

soltando enormes suspiros, dizia que ser maquiadora era uma boa profissão e que. se não fosse<br />

bonita o bastante para ser modelo, seria sem dúvida maquiadora, depois me perguntavam se<br />

estava pronta e eu ia rolar no chão, encostar-me na parede, sob o chicote dos ventiladores, os<br />

cliques e os flashes, e esperava passar. Fiquei viciada em espelho e em ansiolíticos. Pintaram os<br />

meus cabelos, do castanho ao platinado, do platinado ao violeta, trançaram apliques, e<br />

perucas, uso uma franja nos dias pares e os cabelos enrolados em coque nos dias ímpares,<br />

estou com as pálpebras em carne viva devido aos cílios postiços, e tenho perda de visão por<br />

causa da dieta, às vezes minhas têmporas são puxadas para trás para esticar meus olhos, fui<br />

lambuzada com óleo da cabeça aos pés, até dentro da boca, subi em árvores usando sapatos<br />

de salto agulha, sufocada por um espartilho, nadei em poças de lama, corri na beira das<br />

estradas de Los Angeles, em pleno mês de agosto, horas a fio, e o asfalto derretia com o calor e<br />

meus pés descalços ficavam pegajosos de piche, percorri quilômetros de praias fazendo quinze<br />

graus abaixo de zero, de biquíni, sorrindo para a água congelada, eu torci as mãos, as pernas,<br />

o corpo inteiro, fui desmembrada, deslocada, esquartejada, tudo para me transformar num<br />

sonho de fotógrafo.<br />

Foi a Vanity que ligou para mim. Um dia, no começo da primavera, estava em Portofino, ou em<br />

Porto Cervo, ou em Marbella, ou talvez em Saint-Tropez. Lembro-me simplesmente de que<br />

eram seis da tarde defronte ao mar, do barulho das ondas, do sol laranja que fundia no<br />

horizonte, da suavidade do roupão sobre minha pele salgada, do gosto de um Bellini. Só fazia<br />

dez dias que estava com Derek e, na época, não ousava sequer assinar as contas no hotel. Meu<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 50

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