Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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ebida, e é com a mão na garrafa que três idéias sucessivas me ocorrem: a primeira: parar de<br />
escutar música clássica e voltar para o rock da minha juventude; a segunda: no fundo, é<br />
babaquice minha não confiar em Gorka, meu massagista catalão, porque afinal de contas o<br />
que importa é desabafar e, uma vez que Gorka não vai captar uma palavra traidora sequer,<br />
não corro o risco, em primeiro lugar, de ele emitir julgamentos — não suporto que me julguem<br />
— e, em segundo, de ele espalhar para o planeta inteiro, do embaixador dos Estados Unidos à<br />
minha madrasta, passando pelo meu psicanalista, Kate Moss, Bernard de la Villardière,<br />
François Pinault, Rupert Everett, os Grimaldi, Thierry Ardisson, Yves Saint-Laurent, aqueles<br />
imbecis dos Beckham, do pai jogador de futebol à putinha retardada, passando pelo pirralho<br />
que se veste melhor do que eu, Mouna Ayoub, a totalidade do grupo Coldplay, Leonardo<br />
quando vem a Paris e, de uma maneira geral, qualquer um que chega a Paris ou a Londres e<br />
que não vai embora sem antes ter as costas pisoteadas por Gorka Lopes, que não é o irmão de<br />
Jennifer Lopez, mas está envolvido com massagem experimental e esta última se meteu numa<br />
bad de nada-vale-a-pena, e eu não quero — eu não quero — que todas estas pessoas com as<br />
quais eu mantenho relações corteses, mas distantes, quando me cumprimentam no hall do<br />
Prince-Maurice, ou do Palace de Gstaad, ou, simplesmente, do Ritz, ou em qualquer um dos<br />
Four Seasons ou na Madison, ou no Cipriani Downtown, no P.M., no Lotus, na Caves, ou ainda<br />
de barco na Riviera — os barcos deles na minha Riviera — e vice-versa no largo de Saint-<br />
Tropez ou de Porto Cervo, nas tribunas do Grand Prix, ou numa porcaria de baile de caridade,<br />
incógnito num clube de suruba ou em um bar de putas moscovita, no lombo de um camelo em<br />
um deserto qualquer, nas exéquias de um grande costureiro, ou de um gângster assassinado,<br />
ou de uma estrela de cinema, não importa qual seja o banheiro, heliporto, cassino, leilão, sex<br />
shop, Armani Casa, Armani sem nada, e mesmo numa rua ordinária onde somente o destino<br />
poderia tornar possível um encontro assim, eh, bem, eu não quero — eu não quero — que<br />
essas pessoas saibam. É por isso que fico contente de não gaguejar uma só palavra de<br />
espanhol (exceto, é claro, "agua sin gaz, por favor", esta é aliás a única frase que domino em<br />
todas as línguas existentes, mesmo em sueco, grego moderno ou coreano, senão há muito<br />
teria morrido de sede), já que pela primeira vez vou poder falar com alguém. A terceira idéia<br />
que eu tive, e as enumero em ordem decrescente segundo a importância delas, é de que vou<br />
sair na rua e quebrar a cara de um transeunte, total e injustamente ao acaso, como se eu fosse<br />
a própria vida, o destino, essa escrotidão de destino. Sou distraído por um telefonema aflito da<br />
recepção que anuncia a chegada de Gorka, e começo a berrar e a esbravejar porque já disse<br />
para eles dez vezes que devem deixá-lo subir sem infligir a ele este tipo de formalidade<br />
constrangedora; um dia ele vai acabar se chateando, não vai voltar mais e vou acabar tendo de<br />
me virar com o massagista do hotel, e eu detesto isso tudo; a cozinha do hotel, a boate do<br />
hotel, o motorista do hotel, o massagista do hotel, isso me dá a impressão desagradável de<br />
estar num ônibus de dois andares cheio de japoneses no horário sufocante de urna viagem de<br />
excursão e de ter que levantar a mão para pedir licença ao guia para dar uma descida e mijar.<br />
A porta se abre com os pontapés de Gorka, que está vestido numa réplica dos trajes de Charles<br />
Bronson em Era uma vez, no Oeste, inclusive o chapéu.<br />
— Hi.<br />
— Hi.<br />
Um aperto de mão viril e eu me estendo junto com o segundo movimento da retomada do<br />
tema de 0 poderoso chefão pelo Guns n'Roses durante um concerto no século passado, nesse<br />
instante, enquanto Gorka me cobre as costas de socos, eu faço a transcrição das páginas<br />
anteriores, e ele concorda cada vez que eu faço uma pausa. Tudo sugere que estamos<br />
perfeitamente de acordo.<br />
— A terceira idéia que eu tive, Gorka, foi de sair na rua e quebrar a cara de um transeunte,<br />
completamente ao acaso e injustamente.<br />
— Sí.<br />
— Como se eu fosse a própria vida. O destino, essa escrotidão de destino.<br />
— Sí.<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 18