Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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falando.<br />
— Se existe alguma coisa que a gente não perdoa em alguém, é ele ser dotado de tudo aquilo<br />
a que qualquer um aspira.<br />
— E dizer que achei que você estava me paquerando.<br />
— Porque, veja bem Albert, ter tudo de tudo acaba com o tudo? Você está me<br />
acompanhando?<br />
— É por causa dessas suas histórias de interesse insólito, está entendendo, qualquer um teria<br />
entendido como eu.<br />
— O comum dos mortais resume a felicidade a três ou quatro idéias, são elas saúde, beleza,<br />
riqueza, sucesso etc.<br />
— Mais um uísque?<br />
— Quando a gente pode perfeitamente ser feio, modesto,<br />
fracassado e feliz do momento em que a gente não percebe isso, e preste atenção que eu<br />
pronuncio "em que a gente não percebe isso" em itálico.<br />
— O quê?<br />
— A solidão, Albert, a solidão e o tédio, e a consciência da solidão e do tédio.<br />
— Ah, a solidão! A so-li-dão cabe na minha cueca!<br />
— Tudo não passa de derivativos!<br />
— Vamos parar de choramingar com bobagem, garotão, o que é que está querendo dizer?<br />
— Eu sou infeliz.<br />
— Não, isso não é possível! Por quê? Por quê?<br />
— Sim — respondo, antes de perceber que ele está falando com a garrafa vazia.<br />
"E tenho eu o direito de me queixar?"<br />
— Espere aí, repita isso, garotão!<br />
Ele leva a mão até a orelha direita e inclina a cabeça como se ouvisse mal, depois concorda<br />
três vezes olhando para o vazio e fico convencido de que ele escuta vozes.<br />
— Então, garotão, repita o que disse, eu não entendi direito.<br />
— E tenho eu o direito de me queixar! — berro eu, as mãos na frente da boca como um<br />
megafone.<br />
— Perfeito — diz ele, para depois mudar totalmente de expressão e voltar a ser ele mesmo, e<br />
desta vez estou convencido de que ele sofre de uma espécie de personalidade múltipla —<br />
Você é uma rocha.<br />
— O que disse?<br />
— Sem dúvida, você é uma rocha, Agora pare de ficar choramingando.<br />
Eu estou um pouco desconcertado com esta saída, em seguida percebo que Albert, com a sua<br />
fineza, sua percepção exata das nuances, seu conhecimento exaustivo e delicado dos<br />
sentimentos humanos, deve ter compreendido que uma relação contínua seria impossível<br />
entre nós, simplesmente por causa das nossas diferenças: diferença de idade, de geração, de<br />
centros de interesse, de meio, de estado civil (faz trinta anos que Albert está casado, em<br />
regime de comunhão de bens, ainda por cima, eu sou sozinho, e por muito tempo ainda). De<br />
forma que essas amizades grudentas, criadas em volta de uma garrafa, devem acabar com a<br />
própria garrafa. E mesmo sentindo, nesta hora avançada de uma tarde, uma vontade quase<br />
dolorosa de ligar meu destino ao de Albert e Lullaby, naquilo que ele tem de previsível, de<br />
certo e de coletivo, levantei-me mecanicamente, vesti meu casaco, fiz minhas despedidas<br />
felizmente encontrei algumas notas num bolso, pouca coisa, mas ao menos o bastante para<br />
honrar minha conta —, saído bar, e juraria, mas devo ter o cérebro e os sentidos mais<br />
prejudicados do que pensava, que escutei o grito de "Corta", e aplausos, o que me deixou um<br />
pouco preocupado, mas decidi não prestar atenção nisso e voltei para o hotel, ainda da mais<br />
bêbado e mais só de que quando saí.<br />
3 À nossa, Paris<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 12