Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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vazias. Ao que parece, segundo uma puta melômana que passava por ali, nossa interpretação<br />
não passou de uma cacofonia sem nome. Mas não foi assim que a ouvimos: o Prelúdio<br />
pertencia a nós. A polícia local sugeriu que cada um voltasse para a sua respectiva casa. Nós já<br />
havíamos dado nosso concerto e levamos a puta conosco, foi uma noitada excelente.<br />
Karénine II ficou totalmente entusiasmado com a idéia de não-adaptar A gaivota de Tchekhov.<br />
Ele se identificava com a peça e, sobretudo, com a idéia de tirar um não-filme dali, via nisso<br />
uma alegoria do absurdo de sua vida, a reprodução fatal de uma proposta, uma nova razão,<br />
terminada a não-filmagem, para olhar atrás de si e dizer: "O que fiz da minha vida?" para<br />
responder: "Nada."<br />
Eu tinha o meu não-diretor, precisava agora formar uma equipe. Recuperei a lista negra da<br />
minha empresa de produção e chamei todos os técnicos delinquentes que estavam nela:<br />
ladrões de câmeras, destruidores de películas, erotômanos e todo tipo de pretensiosos, até um<br />
diretor traficante de pó que se mostrara de preciosa utilidade durante as não-filmagens. Eu os<br />
tirei da mendicância ou da prisão, enviei-os para a Escola e um treinamento rápido,<br />
mandando-os em seguida de volta para a Cinecittà. Eles conheciam o trabalho deles, e eram<br />
dotados de um cinismo a toda prova que fazia com que achassem muito divertido a<br />
sacanagem que estava sendo feita com Manon, e eu tive de dar-lhes urna bronca para que<br />
parassem de cair em coro na gargalhada a cada "Rodando".<br />
Faltava encontrar o não-ator principal. Precisava de uma cara famosa, do tipo de cara que faria<br />
Manon dizer toda noite se admirando no espelho antes de dormir: "Puta que pariu,estou<br />
filmando com Fulano, o meu nome ao lado do de Fulano, eu sou uma estrela de verdade como<br />
Fulano". E depois não era o caso de uma não-festa mundana que, de tão escura, a gente não<br />
enxerga três passos diante do nariz, em que tudo é uma questão do maquiagem, nem de uma<br />
falsa sessão de fotos, em que tudo é uma questão de estilismos e barrigas, Manon iria ficar<br />
lado a lado, noite e dia com o sósia de Fulano, sob a luz crua dos estúdios, ela faria a réplica<br />
nos diálogo, iria dar em cima dele durante a maquiagem, iriam dividir um sanduíche nos<br />
intervalos, iriam se cruzar no spa do hotel, teriam que decorar as falas, o entrosamento dos<br />
atores, mesmo no suicídio do final. Eu não poderia confiar tamanha responsabilidade a<br />
qualquer um, e não seria certamente um babaca de sósia contratado de qualquer jeito na sua<br />
favela natal, ou no seu bar de bichas no interior, recebendo como única formação de<br />
celebridade os ensinos da minha duvidosa Escola suíça. Eu precisava de um cara de verdade,<br />
um verdadeiro sósia, mas com alguma coisa a mais, como era o caso de Karénine II, cuja<br />
semelhança com o irmão não passava de um detalhe sem importância ao lado da loucura<br />
furiosa de artista maldito que habitava nele, que o tornava mais autêntico que o verdadeiro.<br />
Estava neste estágio da minha reflexão quando me lembrei de minha primeira e, aliás, única<br />
experiência homossexual, da qual guardava uma lembrança pálida, porém agradável, com<br />
Constantin, o irmão são de espírito de Stanislas, aquele monstro de olhos verdes. Constantin<br />
estava na penúria, era baixista de um grupo de heavy metal étnico e vivia em Londres numa<br />
casa invadida, havia renegado sua educação de filhinho de jet set, sua faculdade de economia<br />
e todos os seus códigos sociais.<br />
Ele era omnissexual e citava com prazer Oscar Wilde. Apesar de sua louridão eslava, era o sósia<br />
perfeito de Adrien Brody, tanto assim que pensei, uma vez em Cannes, há três anos, que fosse<br />
Constantin disfarçado com uma nova identidade. A coincidência aumentava à medida que o<br />
personagem tinha o nome de Constantin, e o bisavô deste conhecera de fato Stanislavskj em<br />
algum lugar da Europa Oriental por volta de 1870. Por todas estas razões, Costa aceitou<br />
representar o papel escroto, ele não tinha, de qualquer forma, a menor noção do que era o<br />
bem e o mal, uma vez que isso lhe permitia não ignorar a moral, mas condená-la por seus atos<br />
com conhecimento de causa. Em todo caso, foi isso que ele me explicou no Harry's Bar, antes<br />
de enfiar a mão na cara de um senhor idoso e elegante. Considerando o fato de que esta era a<br />
orientação cabal nas letras do seu grupo, o qual respondia pelo nome apropriado de "And then<br />
what?", que a música que aguentava tudo isso juntava aparência com conteúdo, acrescentou<br />
ele, era possível dizer qualquer coisa, menos que o fato do "And then what?" continuar<br />
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