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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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are waiting for the miracle"*, a voz de Leonard faz os espelhos tremerem, eu desejo a Itália,<br />

mas se eu for para lá vou desejar Nova York e, em Nova York, Paris, desejo uma história de<br />

amor, só rindo disso, se eu largasse tudo para virar pianista de hotel? Disso também só rindo,<br />

uma vez que eu toco mal como uma mula. Mirko bate na porta, não respondo bato mais uma<br />

vez e me chama: "Derek, Derek", eu pergunto se ele está maluco de ficar batendo assim, se<br />

não consegue me deixar em paz, responde que estava preocupado; e eu fico um pouco irritado<br />

com a idéia de que ele possa imaginar que eu esteja morto visto que só faz cinco minutos que<br />

me tranquei digo para ele se mandar até nova ordem, e em seguida afundo estou com as<br />

bolhas em cima da cabeça e isto muda um pouco as sancas idiotas e o azul decepcionante do<br />

céu, que porcaria tenho para fazer hoje?<br />

_____________<br />

* Frase extraída de Waiting for the miracle, Leonard Cohen, ed.Sharon Kobinson.<br />

Olho o meu relógio, não são mais de três horas, por que está tão escuro lá fora? Saio do<br />

banheiro está tudo arrumado, tenho a sensação de que armaram uma emboscada para mim,<br />

minha cama impecável zomba de mim, não resta mais nada de humano nesta suíte retilínea.<br />

As cortinas estão abertas para a tempestade. Preparo uma bebida que largo em seguida: que<br />

porcaria vou fazer com o meu dia? Dormi duas horas. Ligo para o escritório: de fato, estou<br />

mais rico hoje que ontem, uma sucessão de números; desligo, preciso me mandar daqui, abro<br />

o closet, enfio sem olhar um jeans, uma camisa de gola rulê, botas, uma capa de chuva, bato as<br />

portas, é engraçado, mas faz tanto tempo que eu não saio sozinho e sem saber de antemão<br />

aonde estou indo, sempre cercado por um bando de amigos que não são de verdade, minha<br />

reserva já feita em um lugar idiota, "Boa-noite, monsieur Delano", enfio automaticamente a<br />

mão dentro dos bolsos, esqueci o dinheiro. Saio do elevador: nada de gorjeta, lacaio: sinto seu<br />

olhar indignado atravessar minhas costas, "Monsieur Delano, o senhor tem umas notas para<br />

assinar", "Mais tarde!", os batentes da porta se abrem rápido demais sobre a agitação da<br />

praça Vendôme, o manobrista corre para pegar o meu carro, faço um sinal para ele parar: eu<br />

quero caminhar debaixo da pancada de chuva, me afasto com grandes passadas, sinto uma<br />

estranha euforia tomar conta de mim, saio da praça para me perder, quase não percebo as<br />

vitrines iluminadas, sufocantes, ofuscado pelas trombas-d'água que me isolam do mundo, as<br />

calçadas estão quase desertas, as vitrines vão ficando cada vez mais raras, silhuetas<br />

decapitadas e pedaços de rostos irreais emergem, como num pesadelo, das águas, sombra<br />

longilínea de mulher, devertebrada, escorada sobre seus saltos altos, que faz em vão sinal para<br />

os táxis cheios que passam, um adolescente encapuzado enche o saco no terminal eletrônico<br />

mergulhando em seguida no metrô, meu reflexo bagunçado na vitrine de uma joalheria<br />

fechada, o rosto pingando cortado por uma tarja "LIQUIDAÇÃO TOTAL", eu me viro e zás, a luz<br />

nociva de um farol branco, uma droga de carro oscilante com uma placa de fora, farol de milha<br />

no meio de Paris, e me pergunto por que as pessoas não sabem dirigir, de que adianta a<br />

democratização dos luxos. Ofegante, xingando, recomeço minha caminhada na direção de sei<br />

lá onde, com a sensação desagradável de que estou andando em círculos, mas não foi isto o<br />

que fiz minha vida inteira, caminhar sem objetivo, andar em círculos? E será que a vida não é<br />

isso? Eu me questiono de verdade e seriamente sobre isso, mas outra voz dentro de mim<br />

caçoa e faz calar minhas questões existenciais, e, como toda vez em que caio em melancolia,<br />

sinto vontade de ligar para Stanislas em Nova York, mas com certeza ele deve estar dormindo,<br />

já que está trabalhando agora num bar perto do banco, e de qualquer forma saí sem o meu<br />

celular, e, de qualquer forma, toda vez que ligo para ele para fazer confidências as palavras<br />

não saem, e eu acabo falando da última puta que tracei, ou minba última porrada, e ele deve<br />

pensar como me tornei assombrosamente superficial desde o colégio. Saio do centro e entro<br />

no subúrbio. Não ando tanto assim desde o dia em que meu jipe enguiçou num deserto que já<br />

não sei onde fica, tinha saído sozinho, para desfrutar a solidão, e evidentemente acabei a pé,<br />

como um babaca a mil milhas de qualquer terra habitada, e devo minha salvação a um casal de<br />

alemães, amigos de meu pai, que por acaso estavam passando por ali num jipe cujo modelo<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 9

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