Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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Digitei o número do celular suíço.<br />
Era um número desligado.<br />
Digitei o número do celular inglês.<br />
Era um número desligado.<br />
Digitei o número do celular de Nova York.<br />
Levou um tempo enorme até a ligação se completar, e então começou a tocar. Depois de tocar<br />
vinte vezes, alguém atendeu Escutei a respiração do outro lado da linha, uma sirene de polícia<br />
e a trilha de O expresso da meia-noite, tão baixinho que só podia ser uma alucinação. Em<br />
seguida, a linha caiu. E, na minha cabeça, continuava a escutar a música de O expresso da<br />
meia-noite, como se viesse de muito longe.<br />
Apoiei as duas mãos de cada lado da minha cabeça, nas têmporas, e apertei com muita força,<br />
como se quisesse arrancar a verdade. E se tudo isso nunca... Liguei para o Plaza. Eu precisava<br />
falar com Kurt. Kurt era incorruptível. Kurt não gostava muito do Derek. Kurt me diria a<br />
verdade. Pedi para falar, para falar com ele. "Kurt o quê?", perguntaram para mim. "Kurt<br />
Cobain", respondi. "É uma gozação?", perguntaram. Então me lembrei de que ele se registrara<br />
com um nome falso. "Ele está registrado sob o nome de Travis Bickle".<br />
— Mademoiselle — berrou o sujeito —, eu tenho mais o que fazer, de forma que pode ir com<br />
seus trotes...<br />
— Eu sei que ele não quer ser incomodado — disse —, mas é um dos meus melhores amigos,<br />
diga para ele... diga para ele que é Manon D. quem quer falar com ele, é muito importante.<br />
Fez-se silêncio do outro lado da linha.<br />
— Mademoiselle, faz dez anos que Kurt Cobain está morto. E o sujeito desligou na minha cara.<br />
O taxímetro marcava trezentos euros. Já fazia pelo menos quatro horas que a gente rodava, o<br />
eu só encontrava as respostas erradas. Estava com frio, tanto frio, e nenhum lugar para ir.<br />
Passei de novo pela praça Vendôme e vi a luz acesa nas janelas da minha suíte. E depois,<br />
remexendo no monte de publicações, peguei o chaveiro. Eu sabia muito bem o que elas<br />
abriam, essas chaves. Sabia desde o inicio, e dei o endereço para o motorista. A gare de Saint-<br />
Lazare não ficava muito longe da praça Vendôme. E no entanto... A noite avermelhava-se à<br />
medida que virávamos as costas ao meu exuberante passado, nós nos afundávamos em Paris,<br />
eu mordia meu punho. Lembrava-me do trajeto, das ruas na contramão. Deixei o troco com o<br />
motorista. O segredo não havia mudado. A escada continuava rangendo. Virei a chave na<br />
fechadura. Entrei.<br />
O apartamento estava mais ou menos arrumado, tudo no lugar. Fedia a cigarro apagado e a<br />
solidão, como se eu houvesse saído dali na véspera. Tinha uma xícara de café cheia pela<br />
metade largada na mesa. Um cinzeiro, uma guimba. Louça suja na pia.<br />
Latas de conserva no armário. Minha cama malfeita. Tinha roupa secando no radiador. Havia<br />
um livro aberto no vão que ficava no meio do canapé. Olhei o título do livrinho, era A gaivota,<br />
de Tchekhov. Nem sequer tive forças para suspirar. Encontrei no banheiro um vidro de<br />
tingimento barato.<br />
Asecretária eletrônica piscava ao lado do telefone: apertei mecanicamente no botão:<br />
— Manon! É a Sissi! O que deu em você, porra? Se chegar de novo atrasada o Nojento vai<br />
massacrar você! Corra! Por falar nisso, como é que está a sua cabeça? Achei que você fosse<br />
morrer de hemorragia ontem à noite, quando acertei você com a minha bandeja? Bem, se<br />
manda!<br />
Hoje, às quinze horas e trinta e cinco minutos.<br />
— Manon! Idiota! Agente ficou o dia inteiro esperando você! As garotas ficaram atoladas de<br />
trabalho no almoço! Servimos duzentos pratos! Isso com quatro garotas! Se não puder vir,<br />
avise! Está doente, avise! E é bom descolar desta vez um atestado médico! Senão, eu vou dar<br />
um jeito nessa sua carinha que os seus testes de filme agora só vão servir para filme de terror!<br />
E é bom que se mande rapidinbo para servir o jantar. Pastel!<br />
Hoje, às dezenove horas e doze...<br />
Desliguei a secretária e tirei meu vestido. Só tinha uma vontade, era dormir ou morrer. Não<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 78