Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
E ele me empregou, porque eu era uma amiga de Georges, e porque o meu short era bem<br />
bonitinho. Um cara gentil, esse gerente, "Um cara gentil", era assim que eu o chamava. Ele não<br />
só me deu um emprego, encontrou também um apê, por intermédio de um amigo que<br />
trabalhava com "imóveis". O amigo alugava estádios mobiliados por preços que desafiavam<br />
qualquer concorrência.<br />
Duzentos e cinqüenta euros por mês, o que não era muito caro, mesmo para mim. Os móveis<br />
também desafiavam qualquer concorrência. Eu estava morando no IXème, num quarto<br />
debaixo do telhado. Eu gostava das vigas e da vista. Menos da privada no vão da escada.<br />
Menos da água fria. Menos dos interruptores, que ora funcionavam,<br />
ora não. O prédio era velho e imponente. Não fica muito longe do restaurante. A aurora era<br />
meu despertador. E minha rotina se transformou naturalmente, de meu quarto parisiense até<br />
o Trying So Hard, um tiquetique de trajetos de metrô, Saint-Lazare, Miromesnil, Saint-Philippedu-Roule,<br />
e quando eu saía na estação Alma-Marceau, o saxofonista estava sempre tocando La<br />
vie en rose, as vitrines da Channel sobre as quais minha mãe falava o tempo todo, as mesmas<br />
horas de trabalho, os mesmos pratos servidos para as mesmas pessoas, pontuados de<br />
observações elogiosas de minha chefe de grupo: "Manon, faz meia hora que a mulherzinha da<br />
mesa dezesseis está esperando o tinto dela, então vê se mexe essa sua bundinha, idiota!", Às<br />
vezes descolava um cinema depois do trabalho, folheava uma revista numa varanda no<br />
Champs-Elysées, fustigando os turistas com o olhar, meu olhar de parisiense. Quando juntava<br />
muitas gorjetas, me dava de presente um par de escarpins, ou um pouco de maquiagem. Eu<br />
economizava para comprar uma tevê. Tomei um café com uma outra garçonete do Trying, mas<br />
ela era um pouco imbecil: ela se achava a reencarnação de Sissi, a imperatriz, e achava que<br />
isso iria abrir as portas do cinema para ela. Eu não dei corda, uma pena, era agradável ter<br />
alguém com quem falar. Pediram-me uma dúzia de vezes o numero de meu telefone na rua e,<br />
quando eu respondia que não tinha, me xingavam. Isso não tinha importância, mesmo assim<br />
eu chorei. Felizmente, descolei um celular, largado atrás de uma divísória no restaurante, e<br />
comprei um cartão. Agora eu ando sempre com o celular colado no ouvido e digo qualquer<br />
coisa, como se houvesse alguém no outro lado da linha.<br />
Quase fui despedida quando recusei o amasso do Cara Gentil na cozinha, eu o rebatizei de<br />
"Nojento" e parei na hora de usar shorts. De qualquer forma, o outono estava começando, e<br />
arranhei um pouco o meu pequeno tesouro para comprar roupas mais quentes.<br />
Eu amava minha rua no IXème, uma ruazinha, perpendicular à rua de Rome. Um bairro<br />
deslumbrante de néons, ensurdecedor de tráfego, onde tudo fica aberto aos domingos, onde<br />
tudo fica a noite toda aberto. Na minha rua, tem uma padaria, uma mercearia, um sebo, um<br />
restaurante chinês, uma cafeteria, um hotel de alta rotatividade e uma livraria. À noite,<br />
quando não estou de serviço, passei a comprar meu jantar, e depois ia pegar minha roupa<br />
lavada e cigarros para noite, e depois um livro.<br />
O buquinista tinha realmente cara de buquinista: um cara velho e grosseirão de óculos, tão<br />
coberto de poeira quanto o sebo. Na primeira vez em que entrei, pedi a ele romances de amor,<br />
como aqueles que tinha o hábito de ler em Terminus, mas ele se recusou simplesmente a me<br />
vender essas porcarias de romances água-com-açúcar. Recomendou-me alguns livros, eu<br />
comprei três, ele me deu outros de presente. Eu fiz a descoberta, atabalhoadamente, de<br />
Hemingway, Carson McCullers, 0 conde de Monte-Cristo, e os policiais de Dashiell Hammett.<br />
Quando eu voltava ao sebo, a gente ficava conversando por alguns minutos e ele me explicava<br />
tudo o que eu não havia entendido. Ele dizia que era preciso me educar do início e, às vezes,<br />
ficava literalmente furioso comigo, mas quando ele se empolgava a respeito de um livro, ou de<br />
um escritor, eu sabia que estava contente por eu estar lá, escutando-o. Já era noite alta<br />
quando saí do sebo, deixei Hugo com o romance dele, o qual fazia anos que ele corrigia e que<br />
nenhum editor algum dia quis publicar, peguei O morro dos ventos uivantes, uma história de<br />
amor que iria acabar de uma vez por todas com meus romances água-com-açúcar, disse-me<br />
ele, e eu estava, dessa vez, com pressa de chegar em casa, já que tinha debaixo do braço algo<br />
que me faria esquecer meus muros decrépitos, meu teto rachado e minha solidão.<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 16