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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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Ela atira no meu braço, e no outro joelho, e esta merda de sangue que não é meu escorre aos<br />

borbotões, e eu junto todas as minhas forças que sobraram para agradecer os meus anjos da<br />

guarda de terem me feito cheirar bastante pó para aguentar cinco merdas de balas na pele, e<br />

sinto vontade de vomitar e atiro nela, errando de novo, e atiro mais uma vez, e outra vez, e<br />

outra, e outra, até descarregar a minha arma, antes de gritar, e acho que acertei nela, mas ela<br />

continua a rir e não enxergo mais grande coisa, e não sinto mais grande coisa, apenas o meu<br />

dedo apertando o gatilho da arma descarregada, apenas Manon que se aproxima com um<br />

anúncio na mão que me joga na cara berrando: "Volte para o criador, babacão!", e acho que<br />

além disso estou cheio de anfetamina e tenho essa ideia "sobreviver", que desaparece<br />

imediatamente, levada pela música, a qual escuto ainda, ouço Nina Simone, e já não estou<br />

mais aqui, estou na Côte em pleno passado, e piso no acelerador, o sol amanhecendo e passei<br />

a noite em branco, e respiro Dolce Vita, o perfume de Manon, carregado de cheiro de cigarro e<br />

transpiração noturna, misturado ao do café, e é o odor mais doce do mundo, e digo a mim<br />

mesmo que vou ficar com queimaduras horríveis de sol se dirigir até Saint-Tropez, num<br />

conversível nesta camiseta de manga curta com esse sol forte, e seu brilho arranha o meu<br />

rosto quando abaixo os óculos escuros para melhor contemplar as cores da manhã no rosto de<br />

Manon, e a gente segue a toda velocidade, através dos pinheiros e viadutos, soltos, planando,<br />

e o motor ruge quando reduzo a marcha para acender um cigarro que Manon arranca da<br />

minha mão, e o mar aparece crestado no retrovisor, e nós somos tão jovens e tão belos e Nina<br />

Simone canta, e Manon também canta, porra, como estou feliz, mas não, Manon não está<br />

cantando, Manon berra, Manon geme e é noite, e eu estou desesperadamente imóvel, nunca<br />

estive tão imóvel e tento também não me mexer, e tento não chorar, Manon berra:<br />

"E agora morra", e eu não sei muito bem em que ordem eu escuto sucessivamente três<br />

detonações, sinto também a dor nos tímpanos, ao mesmo tempo que no pulmão, e a cartolina<br />

insolente no meu peito se mancha com um sangue que não é o meu. até que a palavra "FIM"<br />

fique afogada, e eu acho que fui eu quem a escreveu, até que a minha garganta também está<br />

afogada e respirar se torna um suplício, e tudo é um suplício, mas não por muito tempo, digo<br />

com os meus botões, não há mais sol, nem música, nem velocidade, a súbita parada, o que<br />

está acontecendo, os meus dedos crispados no volante se soltam e caem, o retrovisor se<br />

inunda com uma maré de sangue, está escuro, eu sofro, e a música se cala, o silêncio, o<br />

negrume, o sofrimento, silêncio negrume... negrume... mais nada, apenas Manon, e eu não<br />

consigo entender como cheguei a dizer neste estado, tão clara e precisamente:<br />

— Prefiro morrer pelas suas mãos a viver sem você... E francamente, cocota, você me liberta<br />

de um peso enorme.<br />

19 Cortina, bravo!<br />

MANON - De início, a única coisa que escutei foi uma vibração surda, semelhante ao barulho<br />

que a gente escuta debaixo d'água ou quando os vidros tremem à passagem de um carro<br />

rompendo o silêncio das ruas desertas de madrugada. Acreditei que os meus sentidos estavam<br />

me pregando uma peça, depois de todas aquelas detonações, depois do que eu acabara de<br />

fazer. A vibração, em seguida, foi se transformando num alvoroço familiar que não percebi na<br />

hora, devido ao choque. Eu parei de correr. Não havia ninguém no corredor. Eram aplausos.<br />

O alvoroço cresceu, se propagou, até se transformar numa algazarra, e escutei alguém<br />

assoviar, logo seguido dos outros, e depois dispararam um bravo, e um outro, e mais um, e os<br />

aplausos dobraram de intensidade. Pelo menos cinquenta pessoas, em alguma parte deste<br />

hotel, sapateavam, urravam e batiam palmas a ponto de doer. Abre-se uma porta, e a<br />

seguinte, e todas as portas do andar, de onde sai uma multidão, todas as pessoas aplaudindo,<br />

e a multidão forma um círculo à minha volta, e todos me olham e acho que sou eu que eles<br />

aplaudem. Um sujeito com um microfone brandiu uma garrafa de champanhe, eu escutei a<br />

rolha pipocar e a multidão se juntou em volta, e todos tinham um microfone, ou um áudio,<br />

fone de ouvido, ou algum aparelho qualquer, e todos seguravam uma taça de plástico. E o<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 104

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