Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
que a senhora faria uma gentileza se parasse com essa música de selvagens.<br />
— Isto é Mozart, anormal.<br />
Ela bate a porta na minha cara, e ela se parece de forma perturbadora com a morena de<br />
óculos sem os óculos, daquele terrível jantar de babacas.<br />
— Não se escuta Mozart com som de funk numa porcaria de raiva de plástico de um três em<br />
um vermelho de alcinha sábado à noite nos Champs-Elysées.<br />
Silêncio. Porta fechada.<br />
— Isso aqui não é nenhum albergue da juventude.<br />
Porta fechada. Aumento da provocação.<br />
— Você está achando que a sua cara fica um barato com o protetor de ouvidos?<br />
Porta fechada, eu começo a ficar parecendo um babaca. Passa um garçom com um carrinho<br />
bastante carregado, considerando o horário e o tamanho dos quartos neste andar.<br />
Eu o interrogo com o olhar.<br />
— Tem uma suruba no quarto dos sauditas do terceiro andar.<br />
— Ah — digo eu, morto de inveja —, as práticas abjetas dos outros hóspedes não me<br />
interessam, o senhor, por outro lado, pode fazer um grande favor colocando no olho da rua os<br />
ocupantes deste quarto aqui.<br />
—...?<br />
— Eles são... bem... são mal-educados.<br />
— Mas, monsieur Delano, não tem ninguém neste quarto.<br />
— Como? Não é Cristal rosé?<br />
Estou falando da garrafa de champanhe no carrinho destinada aos sauditas surubentos, é<br />
simplesmente Cristal, e de um ano de merda: fico radiante.<br />
— Não, monsieur Delano.<br />
— E o que é que eles comem com isso, criancinhas, carne de criancinha moída com purê de<br />
batata?<br />
— Hum, hum.<br />
— Bem... bem... ponha essa gente na rua e a gente fica por isso mesmo.<br />
— Por que... o senhor acha que eles encomendaram criancinhas?<br />
— Não estou falando dos sauditas, mas destes aqui! Você não está escutando a música, isto é<br />
inadmissível, as t rês horas da manhã!<br />
Dou pontapés na porta.<br />
— Que música?<br />
— O Requiem, porcaria!<br />
Ele me olha como se eu fosse um maluco, e percebo que reina o silêncio mais absoluto.<br />
— Não tem ninguém neste quarto, monsieur Delano. Boa noite.<br />
Ele some com seu carrinho, e estou quase certo, enfim, de que ele também não existe.<br />
Enquanto volto me arrastando para minha cama — aquiloo que parece ser minha cama —,<br />
percebo que talvez tenha ficado completamente demente e, entre a morte de minha mãe, de<br />
meu pai, de Julie e a solidão, surpreende-me precisamente ter esperado todo esse tempo<br />
antes de deixar este vil mondo real no qual as pessoas são feias e más para reencontrar um<br />
paraíso povoado de amigos imaginários ou ressuscitados. Pronto, estou esquizofrênico, o que<br />
posso fazer a respeito? Minha suíte está na penumbra e silenciosa, dez metros me separam do<br />
teto, e sou tão insignificante quanto um ser humano no universo. Manon dorme. e<br />
eu a olho dormir. Ela tem olhos azuis debaixo de suas pálpebras rosadas, e alguma coisa triste,<br />
alguma coisa Jane Birkin. Ela tem um bracelete de ferro preso ao pulso, um objeto cheap, e<br />
kitsch, feito de grossos elos. e seu nome gravado, eu digo a mim mesmo que alguém que a<br />
amava encomendara a pulseira para ela e lhe deu de presente, e pergunto-me o que é que ela<br />
busca exatamente para preferir estar aqui, na minha cama, comigo que não deseja nada de<br />
bom para ela.<br />
Eu me estico ao seu lado, e fecho os olhos, sabendo muito bem que não dormirei. Faz muito<br />
tempo que não durmo mais, e receio a noite como uma verdade que machuca. Não existe<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 30