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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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nós, e aquilo que fora de início apenas uma experiência antropológica, apenas um pacto que<br />

havia feito comigo mesmo, apenas a vontade de um artista de levar a cabo uma obra: meu<br />

não-filme virava um ajuste de contas e eu tinha cada vez mais dificuldade em assistir ao seu<br />

desenlace sem um banho de sangue, e se eu me virava dessa turma para organizar a nãodivulgação<br />

do século, é porque sabia que, quanto mais alto eu a levasse, essa babaca, maior seria sua<br />

queda, e esta queda tinha de ser implacável, longa, vertiginosa, abissal, mortal.<br />

Voltamos para casa para deslanchar essa promoção e Manon acreditava a fundo. Ela<br />

acreditava a fundo quando atravessava Paris e via sua fuça ampliada em tudo quanto é canto,<br />

acreditava a fundo durante as entrevista, demitia seus relações-públicas, ela mandava passear<br />

os caras que pediam seu autógrafo na rua, sentia-se de tal forma única, tão privilegiada, ela<br />

tinha a sensação de compartilhar o segredo da criação do mundo, ela se deliciava ao mesmo<br />

tempo que fazia gênero se queixando de não ter mais privacidade, seu ego não conhecia mais<br />

limites. Estava dopada com sua não-celebridade, loura platinada, eufórica, agenda cheia e,<br />

enquanto isso, eu preparava sutilmente a retirada do cenário.<br />

Manon vivia reclusa no seu não-espaço, um cenário de teatro, um castelo de papier mâché.<br />

Para tirar tudo dela precisava fazer uma única coisa; libertá-la. Se libertasse Manon, Manon<br />

estaria acabada.<br />

Trabalhei durante a noite, com uma equipe reduzida, apenas Sissi e Mirko. Enquanto Manon,<br />

entupida de calmantes, ia se recuperando lentamente da crise de nervos que pontuou sua<br />

última coletiva de imprensa, fui checar todos os outdoors, todos os cinemas, todos os pontos<br />

de ônibus, para me assegurar de que não havia mais nenhum sinal dos seus cartazes, e todos<br />

os ônibus foram levados para o ferro-velho, eu mandei embora todos os figurantes, todos os<br />

meus sósias, Karénine II, Costa, Emma, de férias para Bangkok, dando em seguida minhas<br />

instruções ao pessoal do hotel, cancelei todas as minhas linhas de telefone, fui até a rua de<br />

Rome, à casa de Manon, perto da estação Saínt-Lazare, e não senti nenhum remorso sequer ao<br />

constatar a miséria paro qual ia mandá-la de volta. Eu tomara o cuidado de pagar todos os<br />

meses seu aluguel, e o apartamento estava igualzinho como estaria se ela houvesse saído na<br />

véspera. Apaguei cigarros nos cinzeiros. Esvaziei sua geladeira. Mandei Mirko comprar os<br />

substitutos necessários. Mudei os lençóis da cama, para desarrumá-los em seguida. Sujei um<br />

pouco de louça, que deixei na pia. Seguindo uma sugestão de Sissi, peguei algumas roupas no<br />

armário e deixei em cima do radiador como se elas estivessem secando.<br />

Deixei displicentemente um exemplar d'A gaivota em cima da mesa. Esvaziei um vidro de<br />

tintura vagabunda de cabelo levado por Sissi e joguei no chão do banheiro. Depois colei as<br />

fotos acima da cama, não era Natasha quem estava nas fotos, mas uma das minhas sósias. Eu<br />

havia posado com ela para a câmera de Mirko, que fora um paparazzo na outra vida: no<br />

Central Park, Saint-Tropez, no barco, no Champs. Eu a havia vestido com as roupas de Manon.<br />

Mandei as fotos para Voici e Paris-Match, Voici e Match as publicaram. A verdadeira Natasha<br />

os ameaçou com um processo. Eu também fingi que estava indignado. Havia arrancado as<br />

páginas e depois as guardara. Eu me adiantara, fui inventivo e genial.<br />

Misturei as fotos de Voici com a minha capa na Fortune, minha capa na Match, um publicidade<br />

de Dior que fizera havia muito tempo para me divertir. E, como golpe de misericórdia, colei<br />

uma foto de Manon, uma foto ruim feita por Sissi, em cima de um retrato amador da não-<br />

Natasha comigo na Caves em Saint-Tropez.<br />

Comi a Sissi no corredor e caímos fora deste buraco infame. Só falta agora dizer adeus. Fui<br />

para o hotel encontrar-me com Manon pela última vez, e Mirko deixou a Sissi, que, acho eu,<br />

comeu no carro. Eram quatro horas da manhã quando passei pela porta, é engraçado, mas foi<br />

com uma tristeza infinita que observei o balé das arrumadeiras limpando nosso passado. Tinha<br />

a impressão de assistir à nossa história em rewind, e, à medida que desaparecia até o<br />

pensamento de que estivemos juntos, pensava comigo mesmo que esta história que estava<br />

sendo destruída não fora de todo má, e, enquanto o quarto descarnava e readquiria sua forma<br />

original de quarto de hotel, onde se está sempre de passagem, eu vagava como um babaca por<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 90

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