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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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setorizada: você compõe, você, aí, escreve, você canta, você... você vai dançar: e rua para o<br />

primeiro que tentar qualquer coisa. Nos escritórios parisienses que se parecem com usinas, os<br />

letristas que se parecem com amanuenses escrevem canções que não se parecem com nada.<br />

A palavra de ordem era banalidade. A palavra de ordem era indigência. A palavra de ordem era<br />

identificação. Nada podia ousar. Ninguém deveria se distanciar do rebanho. As cantoras<br />

deveriam ser sem graça e retardadas, as criaturas dos video-clipes deviam ser vulgares e<br />

retardadas. Elas pelo menos mostravam a cara do lado de fora. Os cantores deveriam se<br />

parecer com as cantoras e serem retardados. De uma maneira geral, todo mundo deveria ser<br />

retardado, isso tornava mais fácil o relacionamento humano.<br />

Conseguiu-se uma merda de uma nulidade alegre. O objetivo foi atingido sem dificuldade,<br />

embrutecendo ao mesmo tempo três gerações de consumidores. As garotas entre seis e doze<br />

anos foram as mais gravemente prejudicadas, seguindo-se os adolescentes de ambos os sexos,<br />

depois as moças na flor da idade cuja capacidade mental era limitada. Era bom, mas não era o<br />

bastante.<br />

A imprensa, a intelligentsia, as pessoas de bom gosto, cuja raça não estava totalmente extinta,<br />

bradavam. Eles criavam um rebuliço, mas não compravam discos.<br />

A gente diz que todo julgamento é comparativo. Decidiu-se então por aniquilar a comparação.<br />

Fora com qualquer elemento comparativo, mais nenhum julgamento. Fora com qualquer<br />

julgamento: a unanimidade.<br />

A música clássica foi retirada do mercado. A música clássica estava fora de moda, hermética,<br />

chata. As lojas foram esvaziadas. Os estoques, reciclados. Os conservatórios, incendiados. Os<br />

pianistas, assassinados. Os estoques doa particulares foram comprados a preço de ouro, e os<br />

particulares se desfizeram dos seus discos. Eles também foram reciclados.<br />

Depois foi a vez do rock, do jazz e das trilhas sonoras originais dos filmes.<br />

Depois, como as trilhas sonoras originais dos filmes foram suprimidas, decidiu-se pela<br />

eliminação também dos filmes. O cinema era uma arte: era uma usina de criadores de caso.<br />

Ele atingia um público louco, e certos filmes tinham, às vezes, o dom insuportável de reviver<br />

certos conceitos, entre os quais o conceito de beleza, que foi tão difícil de embotar nos<br />

espíritos. Felizmente, era a televisão quem pagava por isso, e a televisão estava do nosso lado.<br />

A televisão mandou o cinema junto com seu bando de encrenqueiros ao diabo. No lugar dos<br />

filmes, os cinemas passaram a projetar videoclipes, publicidades, novelas e transmissões do<br />

Big Brother. Os DVDs foram retirados das locadoras. Os estoques, reciclados. Os atores que<br />

não quiseram se converter em cantores retardados foram eliminados. Os diretores que não<br />

quiseram gravar novelas foram eliminados. Os estoques dos particulares de videocassete e<br />

DVD foram comprados a preço de ouro, e os particulares se desfizeram das suas coleções de<br />

videocassete e DVD. Eles também foram reciclados.<br />

Os museus foram fechados.<br />

Os livros foram deixados em paz: já fazia um tempão que ninguém lia mais nada.<br />

Ganhou-se muita, muita, muita grana. Fez-se mais que ganhar dinheiro: o mundo foi<br />

pacificado. Nada de filmes violentos: nada de violência. Nada de filmes tristes: nada de<br />

tristeza. Nada de rock'n rol´: nada de drogas. Em vez disso, os jovens queriam cantar. Como<br />

isso ora bonitinho. A vocação de toda uma geração fora despertada. Éramos quase profetas. O<br />

mundo estava feliz, parou até de fumar.<br />

Foi o momento que os jovens escolheram para desertar das escolas. Eles foram para as ruas.<br />

Eles queriam cantar, porra. E se essas cantoras sem graça e retardadas podiam cantar<br />

bobagens desse jeito e encherem os bolsos de grana e ainda por cima aparecendo na<br />

televisão, por que não eles também? Eles queriam cantar, droga, como todo mundo. Então<br />

começaram a cantar. Eles cantavam na rua, o microfone na mão e o amplificador no ombro,<br />

eles cantavam o mais alto possível para silenciar a voz do vizinho. As prostitutas se juntaram a<br />

eles, em seguida as esteticistas, as cabeleireiras, as garçonetes, as balconistas, as secretárias,<br />

as vendedoras, as floristas, as jornalistas feministas. Elas também queriam cantar. Depois foi a<br />

vez dos garagistas, dos operários, dos quitandeiros, dos advogados, dos taberneiros, dos<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 70

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