Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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quisesse também fazer cinema, mas que infelizmente para ela o espaço era relativamente<br />
restrito às obesas, ou então estava grávida. Ela pediria demissão no dia seguinte, eu consegui o<br />
filme, e foi outra agente que cuidou de mim. Reconheci pela voz a garota que falou comigo<br />
pelo telefone seis meses antes, a qual havia me convocado para os testes na Vanity. Mas eu<br />
devia estar enganada, uma vez que ela afirmava que não foi ela. De qualquer forma, eram<br />
tantas as coisas aue eu não entendia: às vezes pensava que estava maluca, esquizofrênica, e<br />
Derek me mandou para o psicanalista dele, que receitou antidepressivos e soníferos,<br />
recomendando intensamente não misturá-los com álcool ou cocaína. E então fiz este filme: A<br />
gaivota. Meu personagem se chamava Nina e queria ser atriz. Filmamos num único cenário,<br />
sobre uma plataforma, no estúdio mais escondido da Cinecittà. Um gênio de cenógrafo,<br />
chamado Charlie, de quem todo mundo falava, mas que ninquém nunca via, havia<br />
reconstituído uma fazenda russa do final do século XIX. Derek ficou com os olhos cheios d'água<br />
quando viu o cenário pela primeira vez. Era ele quem produzia o filme. A equipe era diminuta, e<br />
ninguém falava francês. Exceto Derek e Adrien lirody, com quem Karénine proibiu que eu<br />
falasse para não estragar o clima. De qualquer forma, a qente não tinha muita coisa para se<br />
dizer. Karénine estava completamente doido.<br />
Ele era um desses diretores torturados e megalômanos que consideram os atores como seus<br />
objetos pessoais, e dão forma a seus corpos e almas com golpes de martelo. Fiquei seis<br />
semanas sem lavar a cabeça. Calcei sapatos furados. "Tchekhov teria ficado contente", repetia<br />
o tempo todo Karénine. Ele chamava Adrien o tempo todo de Constantin, e toda a equipe<br />
também o chamava de Constantin. Era o prenome do personagem dele. A mim, chamavam de<br />
Manon, e achei que isso fosse um tratamento especial.<br />
Karénine fazia ele mesmo o repetição das minhas falas em inglês e, quanto à atuação, eu não<br />
tinha um segundo sequer de descanso. Eu tinha de "ser" o personagem e toda a equipe tinha a<br />
orientação de me humilhar, me maltratar e me empurrar para aumentar ao máximo este<br />
rompimento que havia em mim, o qual me permitia "transcender" diante da câmera, e eu,<br />
bem, eu estava de saco cheio dessa palavra "transcender". Karénine me insultava em russo. Ele<br />
quebrava tudo na plataforma. Ele ficava escutando os Noturnos de Chopin para se acalmar, e<br />
dizia que, se fosse uma peça musical, desejaria ter sido o Opus 72 n° I em sol menor. Era um<br />
doido.<br />
Derek traduzia os insultos e comentava a destruição do material:<br />
— Agora, ele acabou de chamar você de prostituta escrota maluca.<br />
"Agora, ele acabou de jogar o seu megafone no chão."<br />
— Obrigada, eu vi.<br />
Derek discordava a respeito do Opus 72 n° I, dizendo que ele teria preferido Opus 48 n° 1 em mi<br />
menor, e os dois mergulhavam numa polêmica sem fim, quanto a mim, eu me retirava da<br />
plataforma assim que Karénine virava as costas, para ir encher a cara com a minha cabeleireira<br />
no bar do hotel, ela enrolava algumas palavras em francês, mas de qualquer jeito, depois de<br />
algum copos, isso não tinha a menor importância,<br />
já que a língua da vodca era universal. Todas as noites, eu me queixava com Derek dos maustratos<br />
de Karénine, e Derek respondia: "Você não queria ser atriz? Você não queria ser atriz?<br />
Você não queria ser atriz?". Nós nunca conseguíamos dormir.<br />
No final de duas semanas, tinha tamanhas olheiras que pedi para atuar de óculos escuros. É<br />
claro que não me deixaram. Mal tinha o direito de fazer pipi. A maquiadora tinha de acentuar<br />
minhas olheiras e deixar meu rosto mais cavado. Tinha um ar bastante convincente de cadáver.<br />
Derek ia para as putas em Roma, e voltava. Eu fazia uma cena para ele, que negava tudo,<br />
dizendo que tinha ido visitar a capela Sistina. Dormíamos em Posta-Vecchia, e o contraste<br />
entre o luxo do hotel e a imundície da plataforma se tornava insuportável. À noite, no terraço<br />
que dava para o mar, eu me sentava sozinha, meus cabelos nojentos escondidos dentro de um<br />
lenço Pucci, visto que, apenas consciente, completamente embriagada com Bellini, escutava as<br />
ondas quebrarem na muralha, debaixo dos meus pés, para refluir em seguida, todo mundo<br />
olhava para mim cochichando, e, então, eu dizia com meus botões que minha vida não era<br />
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