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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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cabelos cheios de óleo, ao lado de Derek de jeans e capa de chuva, eu me embrulhei no meu<br />

pashmina, acendi um cigarro no último aeroporto de fumantes no mundo, Georges II<br />

empurrava o carrinho coberto de malas Vuitton, como de hábito, todo mundo nos olhava, e eu<br />

tive a sensação de estar voltando para casa, para minha casa, enfim, Paris.<br />

Foi ao sair da perimetral na Porte Maillot que eu vi pela primeira vez o cartaz. Estávamos na<br />

600, íamos tão rápido quanto a música, Bullet with the butterfly wing, com a chuva escorrendo<br />

nos vidros fumês, Derek colado no telefone. latindo não sei que insultos em russo, e a gente<br />

não morre por uma questão de centímetros, numa curva muito fechada, a Mercedes derrapa<br />

fora de controle, Derek segura o meu braço, cobre o aparelho e sussurra para mim: "Eu amava<br />

você, sabia?" e recomeça a berrar "Dasvitania, dasvitania" no celular, a gente não enxerga<br />

nada debaixo do temporal, apenas as luzes assustadas dos faróis e o resplendor do palácio des<br />

Congrès, Georges II freia com toda a força, o cantar dos pneus, penso em meu pai, com quem<br />

faz mais de ano que não falo e que nunca mais vou rever, e o carro pára bruscamente, nós<br />

estamos vivos: "Foi um milagre!", grita Derek, e depois "Obrigado. Mercedes!", e depois<br />

"Passe Moscou de volta para cá", e ali, fluorescente debaixo do poste com luz de néon, meu<br />

rosto ampliado dez vezes, pálido e hiper-retocado surge de lugar nenhum, com todas as letras<br />

do meu nome, e o título em caixa-alta, e aconteceu, o velho sonho se realizou, liso e brilhante<br />

numa parede de abrigo de ponto de ônibus, posso vê-lo e tocá-lo, tão real que a gente quase<br />

que se encaixa dentro dele, tão real, o velho sonho, que ele quase nos mata. Eu prendi o<br />

fôlego e não consigo deixar de rir, tomada de um sentimento estranho, uma satisfação<br />

intensa, uma felicidade fulgurante, até me virar e ver a expressão consternada que domina os<br />

traços de Derek, seu celular no chão, seu cigarro que treme na mão dele, de tal forma sua mão<br />

está tremendo, e digo: "Vamos, Georges, para o hotel, e vê se não mata a gente desta vez", e<br />

seguimos em silêncio pela avenida de la Grande Armée, depois pelos Champs-Elysées,<br />

seguindo pela rua du Faubourg-Saint-Honoré, o as ruas estão desertas, desertas, e meu rosto<br />

em todo lugar, mas não tem um passante para vê-lo, e Paris a mim pertence, é toda minha,<br />

depois digo a mim mesma que vou me habituar com esta idéia, de uma longa vida semelhante<br />

a este passeio por Paris coberta de mim, como uma marcha triunfal e silenciosa, sinto-me de<br />

novo eufórica, e nada poderá estragar de novo meu prazer, nem mesmo Derek, que faz cara<br />

feia num canto, porque sei qual é a vida que me espera, e é aquela que escolhi.<br />

Na vida que escolhi, todos os dias são ensolarados. No quarto com vista para a praça<br />

Vendôme, com suas grandes janelas guarnecidas de tafetá cor de âmbar que permitiam a<br />

entrada de apenas a quantidade de sol desejada para um suave despertar, deitada em<br />

diagonal na cama imensa, eu me espreguiçava sem parar, amarrotando o cetim dos lençóis<br />

entre minhas pernas doloridas, apertando um atrás do outro os travesseiros intactos em busca<br />

de algum frescor, meu relógio na mesínha-de-cabeceira marcava nove horas, Derek já havia<br />

saído.<br />

Na vida que escolhi, as perguntas seriam sempre as mesmas, já os cumprimentos, sempre<br />

outros, eu teria "a beleza de uma assaltante de banco", eu seria "a antielegância, mas tão<br />

moderna, tão início do século", nos entendemos bem, monsieur Karénine e eu, eu mentia:<br />

"sim", teria eu sucumbido ao charme de Adrien Brody, eu não mentia: "não", teria eu me<br />

entendido direito com a equipe do filme, eu mentia: "sim", estaria eu no sétimo céu com o<br />

meu trabalho, eu estava no sétimo céu com o meu trabalho, mas, para deixá-los contentes,<br />

dizia que era uma perfeccionista, uma eterna insatisfeita, qual era o meu segredo para ser tão<br />

magra? "Devo ter nascido assim, posso comer de tudo e não engordo, sou naturalmente<br />

assim", fora a minha resposta acompanhada do meu mais encantador sorriso embaraçado<br />

diante desta gorda jornalista feminista, doida dentro da sua saia apertada tamanho 38. Eu<br />

sabia minha fala de cor, cada vírgula no seu lugar, visto que todos os jornalistas, não satisfeitos<br />

de perguntarem todos a mesma coisa, faziam as perguntas exatamente na mesma ordem, e,<br />

às vezes, ficava distraída, olhando por exemplo a Fashion TV atrás da cabeça deles, no caso de<br />

um modelo ter passado despercebido, mas era bruscamente chamada de volta à realidade<br />

com uma cotovelada de Emma, a peste da minha relações-públicas, fazendo com que eu<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 62

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