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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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impossível para continuar sorrindo, e minha pele queima lá onde ela foi emporcalhada e eu me<br />

levanto para cumprimentar e existem pessoas para me aplaudir, e finalmente pisei em cena.<br />

No fundo da sala. Paul faz o sinal da vitória para mim. A cortina se fecha antes que eu possa<br />

responder e eu volto com passos lentos para o meu camarim. Apago os néons em volta do<br />

espelho antes de ir lavar a cara. Paul bate na porta e me pergunta se eu gostaria de ir tomar<br />

uma bebida. Eu não quero ir tomar uma bebida. Não tenho vontade de sair do teatro. Só<br />

queria que já fosse logo amanhã à noite, para eu fremir de excitação nos bastidores e dar, no<br />

palco, o melhor de mim para ser ainda mais aplaudida. Só queria que me aplaudissem mais<br />

ainda.<br />

Eu era leiloada toda noite. Era jovem, bonita, quase ainda viçosa, nem tão aviltada que<br />

pudesse ser contagiosa, mas o bastante para topar. Eles eram feios, velhos e usavam, na<br />

maioria das vezes, máscaras, subiam no palco em troca de uma grana bastante alta e podiam<br />

se recusar a tirar a roupa. Eles exumavam para mim de dentro de suas braguilhas antiquadas<br />

uns caralhos sem rosto que eu chupava o melhor que podia, como se isto me desse prazer,<br />

enquanto tentava dizer a mim mesma: "É o preço da glória", mas era o preço exorbitante do<br />

meu malogro. Eles eram feios, velhos, mascarados e acariciavam minha cabeça com as costas<br />

da mão. Quanto a mim, eu sentia dores nos rins de tanto me curvar, dores de cabeça de não<br />

pensar e dores na mandíbula que ficava deslocada às duas horas da manhã. Quanto a mim, eu<br />

fechava os olhos diante desta visão de horror e os ouvidos para não escutar as músicas lentas<br />

xaroposas escritas para o baile dos amores novos, cujo eco se perdia nas poltronas vazias. Eu<br />

imaginava uma multidão delirante, imaginava meus fãs prontos a venderem suas almas a um<br />

sinal de minha mão, imaginava-me como uma estrela, altruísta e adulada, capaz de descer do<br />

meu pedestal e escolher um anônimo para receber seus quinze minutos de reciprocidade. Eu<br />

me via... Eu não me via ali. Para além do meu jazz, escutava apenas as mãos que batiam umas<br />

nas outras, as vozes gritando meu nome: "Manon, Manon!" e apenas imagmando que<br />

aplaudiam algo mais que a destreza dos meus maxilares, minhas curvas e minha bunda. E<br />

depois saía do teatro, voltando a pé pelas ruas de Pigalle. Como podia fazer frio, como Paris é<br />

bonita, Eu tinha vontade de pintá-la, mas me satisfazia em fazer seus trottoirs. E Nina Simone<br />

continuava a me assombrar, e o asfalto molhado da praça Blanche refletia a vida dos outros, e<br />

minha fuga. Eu fugia ao longo das calçadas sem que ninguém me oferecesse o braço, tinha<br />

todos aqueles néons e os anúncios piscando para anunciar a festa lúgubre de backrooms malafamados,<br />

neologismos capengas, nomes de mulheres exóticas, nomes comuns amputados,<br />

que a gente lia ao acaso das lâmpadas queimadas, havia luz demais em Pigalle para os meus<br />

traços cansados, um excesso de casais blasés de passagem, de carros com os faróis altos, de<br />

decadência assumida, de solidão asquerosa. As calçadas desfilavam, acompanhando meu jazz<br />

como num clipe, e havia nesta música a volúpia fatal do laisser-aller, a que existe no meu<br />

destino contra o qual perdi a vontade de lutar, as calçadas se duplicavam diante dos meus<br />

olhos vidrados, eu, na verdade, estava chorando, chorava como um escombro, chorava sem<br />

ter nada vivido, sem luto e sem drama, apenas a minha mediocridade, e as calçadas que não<br />

acabavam nunca. Eu andava sem rumo, não havia rumo na minha volta para casa, eu andava<br />

sem ter lugar algum para ir, e estava pouco ligando se meus passos me levavam para aquele<br />

lugar onde há uma cama, onde pago um aluguel, meu buraco debaixo do telhado, ou se fosse<br />

traída pelas minhas pernas e acabasse morrendo na calçada entre o teatro e a rua<br />

d'Amsterdam, aqui onde minhas forças me abandonaram.<br />

Tinha vezes que entrava num bistrô vagabundo, sob a luz amarela que contamina todos os<br />

refúgios abertos 24 horas, e tomava urna bebida no bar para me aquecer olhando de soslaio a<br />

transmissão de um velho filme de Melville, apoiada nos cotovelos, exaurida, debaixo de um<br />

olhar comiserador de um barman sonolento que já viu outras, recebendo os cumprimentos<br />

antiquados dos pinguços eruditos, e escutava uma junkie com os cabelos pintados de<br />

vermelho contar para a parede que se apaixonara por ura traficante quando tinha quinze anos,<br />

que ela ligava todos os dias para ele usando um ou dois gramas como pretexto, que ele acabou<br />

em cana, que ela acabou fissurada, e eu resolvia tomar um táxi.<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 92

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