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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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tinha nem mesmo mais forças para um banho. Ia dormir, depois, amanhã... Amanhã, talvez<br />

encontre uma solução para tudo isso. Amanhã, tudo vai se resolver. Quase sorri pensando no<br />

amanhã, já que tudo ia se resolver.<br />

Acendi a luz do quarto: na parede em cima da cama tinha umas fotos de que não me lembrava<br />

de haver colado. Me aproximei. Não eram fotos. Eram páginas de revistas, arrancadas de<br />

qualquer jeito.<br />

Era Derek.<br />

Derek na capa da Fortune. Derek na primeira página do Le Monde, algo a respeito daquela<br />

fusão com a Texaco. Uma longa entrevista com Dcrek, numa revista de decoração, posando na<br />

casa dele em Saint-Tropez. Derek na capa da Paris Match. Com Natasha Kadysheva. Derek no<br />

Central Park correndo ao lado de Natasha. Derek rolando na grama com Natasha. Derek na<br />

avant-première de X-Men 2 com Hugh Jackman, Anna Pakin e aquela fulana que faz a<br />

publicidade da Guess. Derek em seu barco ao largo de Mônaco, a fulana que faz a publicidade<br />

da Guess está passando óleo nas costas dele. Ela faz uma careta. Ela usa um Rolex, um vestido<br />

Pucci, que combina com o chapéu e os óculos escuros. Mirko mostra a bunda para a câmera. E<br />

Derek e Natasha de novo no baile das estrelas. Derek e Natasha vomitando juntos na frente do<br />

VIP no Champs-Elysées enquanto amanhece o dia. E, no meio de tudo, enfiado entre os outros,<br />

um retrato muito bonito em preto-e-branco de Derek com o que deve ser Natasha, na pista da<br />

Caves em Saint-Tropez, mas a gente não vê o rosto de Natasha, porque eu colei uma outra<br />

foto era cima. Uma foto minha.<br />

Eu era doída varrida.<br />

Tudo aquilo nunca existiu.<br />

E em algum lugar, sem dúvida no fundo de mim mesma, esse eu abissal, do qual tudo ignorava<br />

até agora, continuava a ressoar, como que vindo de muito longe, esta maldita música do<br />

Expresso da meia-noite.<br />

14 Noturno op. 48, n° I em mi menor<br />

DEREK - Estou com este piano debaixo dos meus dedos, e não consigo tirar nada dele. Estou<br />

tremendo como um possesso, devido a todo este mal que existe em mim, e que não consigo<br />

exprimir. Alguma coisa me falta, não sei o quê. Faço um acorde em menor. São bonitos, os<br />

acordes dos outros. Engraçado, mas há pouco nesta boate estavam me olhando com inveja. As<br />

notas voam para longe dos meus dedos, preparo um uísque para aguentar, o dia hesita, não<br />

quero dormir. A noite é de um azul-marinho, quase negro, e, no verniz do piano, estou com<br />

uma cara de merda. Um ar desvairado. Lá fora, o dia hesita. A esta hora, não se consegue<br />

esconder muita coisa. As consciências em paz repousam e, eu, eu choramingo sobre o meu<br />

destino com toques hostis intermitentes. Um ar de Chopin, um Noturno de que eu gosto,<br />

porque evoca em mim uma marcha fúnebre. No verniz negro, vejo também minha suíte<br />

inanimada, minha cama vazia, o lustre maior do que eu, o brilho implacável do assoalho<br />

encerado demais, minhas costas inclinadas no reflexo infinito entre dois espelhos, a lareira fria<br />

e a coluna Vendôme, e sinto vontade de vomitar. Vejo tudo em que fracassei. A alvorada.<br />

Rostos. Pouca coisa, na verdade. A música é luminosa, indizível, e eu, sombrio e ébrio, vou<br />

tocar até capotar. O infinito flutua no ar, estendo as mãos para tocá-lo, a música se cala, ele se<br />

apaga. Não quero que a música se cale. Ela irradia a claridade do paraíso perdido, o azul das<br />

lembranças, e fecho meus olhos, e divago, e me embalo ao ritmo lento de tudo que destruí.<br />

Fico me perguntando onde estão todos aqueles que amei, e olho o assoalho. Pergunto a mim<br />

mesmo quando tudo cessará, e os anos que me restam aparentemente são — porque nunca<br />

se sabe ao certo — menos numerosos que as teclas deste piano. E eu poderia quase que me<br />

regozijar.<br />

15 Decadência<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 79

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