Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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isco de nos acontecer, uma reles menção necrológica que não interessaria a ninguém, isso só<br />
porque sobrou um chapa nosso na redação.<br />
Não é que nossa vida fosse ruim, a gente vivia em Paris, a gente esvaziava os bares. A gente<br />
juntava as migalhas, as migalhas nos bastavam. A gente era o lusco-fusco, nem de todo in, nem<br />
de todo out, nem tanto out assim para que isso estragasse a vida da gente. A gente era<br />
Tântalo, a gente morria de sede numa banheira de água fresca. A gente era o pano de fundo,<br />
os fora de cena, tolerados no limite dos bastidores. A gente conhecia todo mundo, e ninguém<br />
conhecia a gente. Éramos os mensageiros de balelas nas quais a gente não tomava parte, a<br />
gente decifrava as entrevistas, a gente penetrava em jantares formais e a gente ficava olhando<br />
em pé, sem nenhum constrangimento, os outros jantarem. A gente era o papagaio de pirata<br />
ao lado de fulano nas fotos dos vips, alguns dos nossos nomes apareciam de vez em quando<br />
em letras minúsculas nos créditos gerais dos filmes, a gente tinha três páginas na Internet,<br />
éramos meio-expectadores, meio-figurantes, éramos substitutos de figurantes sem fala, ou<br />
tínhamos lugares de cortesia: a gente conhecia as bilheteiras, a gente conhecia o DJ, a gente<br />
era o pano de fundo, a gentalha mundana, a beira da estrada, a tangente do círculo, um saco<br />
de gatos na soleira da porta, entre a rua e o salão, a gente não queria sair, mas não conseguia<br />
entrar. Não é que tivessem pena da gente, não havia razão para tanto: não tinham pena, mas<br />
também não invejavam a gente. A gente era insignificante, insosso, banal, num mundo em que<br />
a insignificância era a degeneração mais séria. Não éramos ninguém, e era este o drama.<br />
De forma que todas as noites iam acabar no mesmo bar, ficávamos ébrios de álcool destilado e<br />
de histórias repetidas uma centena de vezes de nossos feitos malsucedidos. a gente corrigia o<br />
mundo, um mundo melhor em que cada um de nós teria seu lugar, porque só assim<br />
conseguiríamos o lugar, isso certamente não era culpa nossa, era o mundo que estava errado,<br />
e nossas asas de gigante nos impediam de caminhar, e o som transmitia suavemente Mr.<br />
Georgina, de Ferré, que a gente não escutava, mas que ouvíamos mesmo assim, e todas as<br />
nossas frases começavam por um "se" e eram conjugadas no imperfeito do subjuntivo.<br />
Eu, eu não estava mais só, e substituíra definitivamente meu vagar naquele buraco sem pédireito<br />
pela pândega sôfrega, em vez de Beethoven, a algaravia e a variedade da lamúria<br />
francesa, do deserto sentimental, passei à fartura aviltada, da<br />
convicção de que meu destino tinha, ao menos, na sua miséria, algo de único e trágico, passei<br />
a ser mais uma degenerada entre os degenerados, uma malograda entre os malogrados,<br />
troquei a raiva pelo esquecimento letárgico, pela minha imagem no espelho, a de um triste<br />
palhaço com o rímel borrado, uma velha de porre no banco do bar, com tendências suicidas,<br />
simplesmente no deixa rolar.<br />
Derek entrou no bar com duas garotas maquiadas, sentou-se recuado, tirou o sobretudo,<br />
pediu uma bebida. Passou, em seguida, os olhos distraído pelas outras mesas e seu olhar<br />
pousou em mim e Claire disse: "Ei, é o Derek Delano, é o Derek Delano, vocês viram como ele<br />
está me olhando!". Ele me fitou por alguns segundos como se nunca houvesse me visto, e aliás<br />
ele nunca me vira, para depois desviar o olhar, e daí, o que eu tenho com isso?<br />
16 Não-cinema<br />
DEREK - Eu, na verdade, inventei o não-cinema. Era um gênero novo, um gênero que se<br />
encaixava perfeitamente na época niilista, um gênero que ilustrava de maneira significativa a<br />
degenerescência deste fim de século do qual fora o enfant terrible — fim da citação. Um nãofilme<br />
era antes de mais nada um budget — sem dinheiro, nada de filme e, por conseguinte,<br />
nada de não-filme , depois um roteiro, o qual fora imaginado por mim, a criação de uma<br />
realidade paralela, com cenários, naturais, é claro, mas mesmo assim cenários, um verdadeiro<br />
exército de figurantes, um marechal: um diretor, eu era o diretor e Mirko, aquele crápula, era<br />
meu primeiro assistente, e uma atriz, bela, boa e oral, e esta atriz era Manon.<br />
Aqui acabava a correlação com o cinema, uma vez que a característica do não-filme é ele ser<br />
feito sem câmeras.<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 84