Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
também bastante real, e todo mundo me olha de cima — eu, estão olhando para mim de cima<br />
—, e acho que isso, este olhar com o qual não estou mais acostumada, é o que há de pior e<br />
mais real.<br />
E se tudo isso...<br />
Duas putinhas de rosa, ainda cheirando a pipi, passam por mim, e não sei qual das duas diz:<br />
— Eu vou pedir um Jaeger, ou talvez um Président, ou talvez um Jaeger. Ou um Président. Ou<br />
um Jaeger. E você, o que acha, descolo um Président ou um Jaeger?<br />
Eu seguro uma das babaconas pelo braço e pergunto:<br />
— Você está me reconhecendo?<br />
E a garota se solta com cara de nojo e diz:<br />
— Está maluca, é?<br />
E, depois, enquanto se afasta: "O que foi que deu naquela puta doidona?"<br />
Eu fico em dúvida se corro atrás dela para lhe dar uns tabefes e sou quase pisoteada por um<br />
rebanho de americanos de shorts, exuberantes, alguém assovia para um táxi, e o assovio fura<br />
os meus tímpanos, acho que vou desmaiar diante da co-<br />
luna Vendôme que me acalentara o ano inteiro, uma bichona apressada usando bolsa, e com<br />
bastante presença para uma bichona, dá um encontrão em mim e deixa cair um par de óculos<br />
escuros bem na minha frente, eu os pego e grito:<br />
— Ei! Você aí usando bolsa, quando isso não se faz! Ei, você, os óculos!<br />
Mas a bichona não se vira e apressa o passo, para desaparecer em seguida na direção da rua<br />
Saint-Honoré e eu examino os óculos, são um modelo dos anos 50, negros, que eu havia<br />
encomendado semana passada, e eu prefiro dizer a mim mesma: "coincidência", e eu os<br />
ponho, e rne sinto um pouco melhor, e o fato de usar óculos escuros me lembra, entre outras<br />
coisas, que sou famosa debaixo deste céu azul da cor de uma tela de televisão, então, de<br />
repente, este mundo despedaçado se anima, pois agora sei aonde ir. Saio correndo pela praça<br />
Vendôme e todos aqueles que passam por mim me seguem com os olhos e eu corro cada vez<br />
mais rápido, porque sei que, assim que chegar à esquina da rua Saint-Honore, vou encontrar<br />
aquele meu outdoor de publicidade que serve de apoio para a minha cara, imensa, imutável,<br />
familiar, e, assim que vir o meu rosto e o meu nome, meu pesadelo chegará ao fim, e tudo isso<br />
será apenas uma má lembrança, mesmo meu olho roxo voltará milagrosamente ao normal, e o<br />
gosto acre na minha boca desaparecerá e até mesmo Derek, talvez, estará me esperando no<br />
carro e, sei lá. os produtores desta brincadeira de mau gosto, e não posso esquecer que,<br />
aonde quer que eu vá, estão sempre me olhando, tudo isso será apenas uma má lembrança, e<br />
a verdade surgirá tão tangível e evidente quanto o título do filme e vou entender tudo, tudo, e<br />
este mundo tornará a ser o meu mundo, o mundo real, como se numa me houvesse traído.<br />
Chego à esquina da rua e, no momento em que levanto os olhos para minha redenção, escuto<br />
ao longe, por uma mínima fração de segundo, a trilha sonora de O expresso da meia-noite, que<br />
diminui ao mesmo tempo que cresce, antes de explodir, o rugir do motor de uma Maranello e<br />
penso: "Derek" e não sei por que "Tudo entrou pelo cano", e esta convicção se confunde com<br />
a percepção imediata do rosto de Natasha Kadysheva fotografado sei lá por quem para esse<br />
novo perfume da Chanel: Dignité, e esse slogan, "É o que sobra, tudo o que resta, quando tudo<br />
se foi", e a minha cara não está em lugar nenhum, exceto debaixo dos meus dedos febris que a<br />
machucam e eu contemplo Natasha, pasmada, e caio de joelhos diante do cartaz: "Dignité,<br />
dignidade é o que sobra, tudo o que resta, quando tudo se foi", e não consigo dar mais um só<br />
passo, não quero dar mais um só passo, eu poderia morrer aqui, eu poderia morrer, já que<br />
estou doida, doida de pedra, e que tudo perdi.<br />
Alguém me dá um tapinha no ombro, e a esperança no vazio do estômago, eu me volto e largo<br />
a esperança, é apenas Ernest, ainda com dó, que me devolve meu dinheiro. Sim, ainda me<br />
sobra isso, e fico me perguntando em que foda cocainada eu me meti na noite passada, e com<br />
que coroa moribundo, rico e repugnante, uma vez que me largaram esta grana toda, mas pego<br />
mesmo assim o dinheiro e grito para um táxi, sem sequer dizer obrigado, e o táxi freia<br />
instantâneo cantando pneus e, antes de entrar sem saber aonde ir, seguro a porta aberta e<br />
<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 76