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Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe

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MANON - Tenho um diadema sobre a cabeça e esta luz toda me cega. Morro de calor. Digo:<br />

"Obrigada por terem vindo". Digo: "Obrigada a todos". Seguro o objeto entre meus braços.<br />

Digo: "Não gosto de discursos". Falo das relações entre a França e os Estados Unidos, digo que<br />

a arte e a cultura são universais, digo que somos uma grande família, a grande família do<br />

cinema. Evoco a paz no mundo, a satisfação de ter podido trabalhar com monsieur Karénine.<br />

Minha mãe que, lá de cima, deve estar tão orgulhosa. Digo: "Obrigada por este Oscar". E então<br />

começo a chorar e deixo cair a vassoura da privada. Afasto os olhos dos néons, em volta do<br />

espelho do banheiro... Digo: "Obrigada, obrigada" num soluço, e dou um pulo. Vejo meu<br />

reflexo. Na minha cabeça, os diamantes são falsos, mas brilham mesmo assim. Dois rastros de<br />

kohl percorrem minhas faces fundas. Os cabelos platinados até os ombros, melados nas<br />

têmporas e as raízes pretas... faz pouco tempo, no restaurante, o Nojento me disse para dar<br />

um jeito nos cabelos. "Pega mal", acrescentou, "faz gênero puta de subúrbio, apavora a<br />

clientela, imagem a respeitar, segunda você está morena, ou é rua, você acha que vai descolar<br />

um papel com essa cara de junkie?"<br />

Conto quanto descolei esta noite. Pouco. Três notas de dez, cinco de cinco e a droga das<br />

moedas. Amanhã vou ao cabeleireiro. Não tenho forças para tirar a maquiagem. Tomo dois<br />

Stilnox para capotar direito.<br />

Parece que a gente se acostuma com tudo, talvez até com a idéia de ser louca. Lisa, uma das<br />

garçonetes do Trying, tinha estudado dois anos do psicologia. Ela largou para se dedicar a uma<br />

carreira de modelo. Na verdade, sua carreira de modelo se resumia a dois catálogos de<br />

liquidações, um anúncio de complemento vitamínico para televisão e alguns folhetos. Ela<br />

trabalhava no Trying para "completar a renda no fim do mês". Era o que ela dizia, mas não<br />

havia nada para completar e no final do mês ela só podia contar com seu salário de merda. Era<br />

um caso clássico.<br />

Eu fiz as perguntas com habilidade. Quer dizer, contei a minha história como se fosse a de<br />

"uma amiga". Eu não tinha nenhuma amiga, e minha história não colava de jeito nenhum, mas<br />

não foi por acaso que Lisa largou a psicologia para ser modelo. Ela respondia às minhas<br />

perguntas com toda a boa vontade do mundo, se não fosse por um detalhe evidente, ela não<br />

duvidou por um só instante que era com a esquizofrênica erotomaníaca, "completamente<br />

louca, doida varrida, camisa-de-força, solitária, eletrochoques e todo o resto", que ela dividia o<br />

trabalho.<br />

Eu era então uma erotomaníaca, havia desenvolvido em relação a Derek, a figura de Derek,<br />

uma espécie de paixão que acreditava ser compartilhada. Era também uma esquizofrênica, e<br />

não sei em que fragmento oculto da minha mente doente havia sonhado com esta vida, a<br />

nossa vida, e minha loucura se devia simplesmente a uma coisa: eu não sabia distinguir a<br />

fantasia da realidade. Isso não tinha de qualquer forma a menor importância, preferia ser<br />

doida a corcunda. Neste mundo, ser doida era quase ter classe. Estava pouco me lixando de<br />

ser um caso de internação, isso enquanto eu pesar menos de quarenta e cinco quilos. Não, se<br />

doravante passava minhas noites sozinha e idiota no meu canto, escutando a Sonata ao luar,<br />

passando carinhosamente uma gilete nas veias saltadas dos meus punhos: "Corto? Não<br />

corto?", era não por desespero de me saber "incapaz de distinguir a fantasia da realidade",<br />

mas sim para escapar dela, desta realidade escrota.<br />

A realidade era, em primeiro lugar, o exílio, meu exílio no meio de Paris, tudo aquilo que Paris<br />

significava para mim me era proibido, eu era uma estrangeira na minha cidade, havia perdido<br />

suas chaves. Eu só conhecia de Paris a hostilidade das ruas e rostos anônimos, somente este<br />

restaurante odiado onde ganhava minha vida, somente alguns cafés esverdeados com bancos<br />

rasgados, meu buraco debaixo do telhado.<br />

E via de relance Montaigne e os Champs-Elysées, a praça Vendôme, a rua Saint-Honoré,<br />

invocando minhas lembranças diante de cada fachada, de cada vitrine, de cada porta trancada,<br />

suplicando a não sei que divina entidade que me restitua o acesso a tudo isso, que devolva a<br />

minha vida. Eu era como uma atriz acabada que retorna ao teatro, compra seu lugar na galeria<br />

<strong>Bubble</strong> <strong>Gum</strong> <strong>–</strong> <strong>Lolita</strong> <strong>Pille</strong> <strong>Página</strong> 80

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