Bubble Gum – Lolita Pille Página 1 - CloudMe
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abaquice. Trabalhar era uma babaquice. Usar uma calça na cintura era uma babaquice, era<br />
preciso arrastar os pés e mostrar a barriga. Era uma babaquice ir ao colégio. E ainda por cima<br />
era uma chatice, e os professores eram uns escrotos. Sempre que podiam, os jovens iam se<br />
manifestar contra o ensino público, eles não sabiam ao certo por que se manifestavam e quais<br />
eram as reivindicações almejadas, mas se manifestavam, A autoridade paterna vivia, é claro,<br />
tempos bem difíceis, uma vez que ela era a própria encarnação da babaquice. E quando esses<br />
dois pobres coitados ultrapassados pelos acontecimentos que eram os pais tentavam fazer<br />
com que sua prole ouvisse a Voz da razão (razão — babaquice), por intermédio de uma<br />
admoestação de bom senso cujo tema diz respeito ao futuro e à dificuldade do mercado de<br />
trabalho para os jovens sem diploma com as calças arrastando no chão e a mente meio débil<br />
devido ao abuso de marijuana, o jovem, com um boné com a figura de Che Guevara (ele<br />
ignorava quem foi exatamente o Che Guevara, mas o Che Guevara era cool), o jovem, então,<br />
latia um: "estou de saco cheio dessa merda toda", e ia se trancar no seu quarto, uma vez que o<br />
Big Brother já estava começando.<br />
O início de século XXI assistiu ao nascimento de uma nova utopia, a utopia do: "Você também<br />
pode fazer", derivado ruim do conceito da meritocracia, a meritocracia que postula que só os<br />
méritos de um indivíduo podem determinar suas chances de sucesso num mundo em que<br />
todos têm a possibilidade de ir à escola e a obrigação de pagar impostos etc. Disto, a utopia do<br />
"Você também pode fazer" conservou a idéia de que todos os indivíduos têm as mesmas<br />
chances na vida, mas eliminou a idéia do mérito. Leve esquecimento. O jovem, de qualquer<br />
forma, não tinha a menor vontade de ir ao colégio.<br />
E também não tinha intenção de pagar seus impostos.<br />
Ele também podia fazer, mas o que é que ele, o jovem, quer fazer?<br />
Ele queria cantar.<br />
Naquela época, uma questão insidiosa torturava já fazia um bom tempo os altos dirigentes da<br />
indústria do disco: "Por que nos matarmos para fazer direito, quando a gente pode muito bem<br />
fabricar merda?".<br />
A música era uma arte, uma arte magnífica, a mais imediata, a mais acessível.<br />
A arte era complicada, ela precisava de talento e investimentos. A arte era uma busca perdida.<br />
Ela implicava sofrimento, raiva, ódio. Ela implicava artistas, essa raça maldita. No século<br />
passado, os artistas quebravam tudo nos quartos de hotel e se suicidavam por razões<br />
obscuras. No século anterior, eles se automutilavam. Eles estavam sempre metendo o bedelho<br />
no negócio dos outros, a política, por exemplo. Eles tomavam drogas. Os artistas eram uns<br />
criadores de caso. A gente não podia fazer nada a respeito: era o que fazia deles artistas que<br />
fazia que fossem criadores de caso.<br />
A gente tinha de aguentá-los, tolerá-los, elogiá-los, consolá-los e lidar com eles, eles eram o<br />
tempo todo "incertos", depois de três resultados infelizes, eles não conseguiam fazer mais<br />
nada, as mulheres deles se mandavam, a gente tinha de ir atrás delas etc. E, se pelo menos<br />
eles mostrassem realmente quanto valem, se uma vez lançados, lançados para sempre, uma<br />
vez lucrativos, lucrativos para sempre? Mas os artistas não se satisfaziam somente em ser<br />
criadores de caso, eles também eram irregulares. O gênio às vezes se esgota, e, uma vez<br />
esgotado, o público o renega. O público renega, não entende por que, reclama, manifesta sua<br />
decepção boicotando os discos, e acaba indo procurar em outro lugar.<br />
A gente não habitua impunemente o público com qualidade. Quando a qualidade decai: o<br />
público se manda. E o gênio incompreendido se vinga no mobiliário da sua suíte, e isto custa<br />
caro, e não adianta nada. E ainda é preciso que ele tenha gênio. Eles não andam dando sopa<br />
na rua, os gênios, sobretudo ultimamente.<br />
E o gênio, ou digamos o talento, nunca teve o mérito de agradar todo mundo, Ele rima com<br />
crítica, controvérsia, até rejeição. A arte é subjetiva, a merda, universal.<br />
Foi então decidido, de comum acordo, generalizar o fabrico da merda. Em primeiro lugar, foi<br />
decidido que os autores seriam evitados: os autores enchem o saco, eram obcecados pela<br />
idéia de transmitir recados sobre os quais todo mundo cagava a respeito. A produção foi<br />
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