Práticas de Leitura e Escrita - TV Escola
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A história cultural lembra ainda que sempre existe uma distância entre os mo<strong>de</strong>los impostos e a construção<br />
da significação, pois a apropriação po<strong>de</strong> mesmo contradizer o sentido pretendido 1 (Chartier, 2000, p. 10).<br />
Por isso se torna tão complexo o trabalho com a leitura literária na escola. Segundo Leahy-Dios (2000, p. 281)<br />
é difícil tentar estabelecer métodos fixos para a educação literária visando o próprio <strong>de</strong>senvolvimento e a cidadania<br />
crítica e consciente, pois cada aluno trará sua própria experiência, memória e variações culturais.<br />
Dessa forma, a mesma autora, acrescentando um enfoque político e cultural ao lingüístico e ao artístico/estético,<br />
constituindo-se assim um tripé metafórico (p. 33), con si<strong>de</strong>ra que a educação literária exige teorias literárias, pedagógicas<br />
e políticas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas salas <strong>de</strong> aula, gerando incertezas, confusões e vulnerabilida<strong>de</strong>s.<br />
É imprescindível ressaltar que, na escola, ainda se acrescenta uma outra atitu<strong>de</strong>, reforçada pelo livro didático<br />
e, sobretudo, pelo mercado editorial, que parece amenizar os problemas da relação literatura/escola: a adoção dos<br />
paradidáticos, através dos quais a escola se sente à vonta<strong>de</strong> para fazer cobranças objetivas e didaticamente referenciadas<br />
dos textos, certamente porque não são essencialmente literários.<br />
Finalmente, há ainda um problema a enfrentar que é o da leitura <strong>de</strong> obras integrais, mediante a crença <strong>de</strong> que o<br />
aluno não gosta <strong>de</strong> ler, ou <strong>de</strong> que seus gostos não estão em consonância com as obras recomendáveis pela escola.<br />
Nesse sentido, no tocante às escolhas das obras para leitura, mediante aquela tendência da formação<br />
dos professores, que institui as obras que merecem ou não ser lidas pelos alunos, dado o seu grau <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong><br />
e a sua classificação entre cultura popular e cultura erudita, Chartier (2000, p. 14), inicialmente,<br />
comenta duas posições extremas:<br />
“(...) para incitar à leitura, é preciso evitar duas posições extremas: seja consi<strong>de</strong>rar como dignos <strong>de</strong> serem lidos<br />
somente os textos e os gêneros canônicos da cultura clássica, seja, ao contrário, tomar todas as leituras como<br />
equivalentes”.<br />
A seguir, o autor nos apresenta uma passagem estreita que, acredito, precisemos nos esforçar por construir<br />
com estudo e experimentação, nos nossos processos <strong>de</strong> mediação <strong>de</strong> leitura literária:<br />
“(...) o caminho é, pois, estreito, mas fundamental, que <strong>de</strong>ve conduzir as próprias práticas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> leituras<br />
“indignas”, “selvagens”, até uma relação mais enriquecedora com obras profundas e <strong>de</strong>nsas”.<br />
No bojo <strong>de</strong>ssa discussão, teremos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que tipo <strong>de</strong> apropriações os leitores realmente fazem,<br />
ou seja, quais são as leituras literárias que os leitores realmente tomam para si. Paulino (1999) apresenta, como<br />
exemplo, a literatura infantil e a literatura juvenil, que po<strong>de</strong> riam ser <strong>de</strong>finidas, não “a priori” pela produção,<br />
pela crítica ou pela escola, mas pelos próprios sujeitos leitores. Segundo ela, infantis ou juvenis – “literaturas<br />
anexadas” – seriam apenas aqueles livros apropriados, conquistados pelos jovens leitores (...), bastaria que<br />
eles se sentissem atraídos e capazes <strong>de</strong> “roubar” o livro para si.<br />
Nesse sentido, a história do livro e da leitura, <strong>de</strong>nunciando as posições dogmáticas da teoria literária,<br />
postula que se alarguem as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento em sentido oposto. “Po<strong>de</strong>mos começar tentando<br />
conhecer e enten<strong>de</strong>r as práticas, os objetos e os mo dos <strong>de</strong> ler distintos daqueles presentes nos meios eruditos”<br />
(Abreu, 2000, p. 132).<br />
A autora <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, ainda, que essa postura nos levaria a perceber que não há livros bons ou ruins para todos,<br />
pois nem todos compartilham dos mesmos critérios <strong>de</strong> avaliação. Po<strong>de</strong>mos começar a pensar que as leituras são<br />
diferentes e não piores ou melhores (ib. id.).<br />
Assim, Abreu reafirma o seu propósito <strong>de</strong> circulação dos variados tipos <strong>de</strong> leitura para os variados tipos <strong>de</strong> leitores.<br />
Não se está propondo, como se vê, que se abandone o estudo do texto literário canônico, e sim, que a escola (...) garanta<br />
espaço para a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> textos e <strong>de</strong> leituras, que garanta espaço para o outro (Abreu, ib. id.).<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista da Sociologia da Literatura, Lajolo (1995, p. 119) faz uma proposta <strong>de</strong> educação do gosto, que<br />
não é somente função da escola, mas que a ela compete, é a <strong>de</strong> iniciar seus alunos nos protocolos, nos critérios e nos<br />
valores <strong>de</strong> leitura. Uma pessoa que prefere Sabrina a Machado <strong>de</strong> Assis, po<strong>de</strong> ser vista como uma pessoa que, em termos<br />
<strong>de</strong> literatura, fala uma variante lingüística diferente da variante da classe dominante.<br />
Certamente essa educação do gosto é tarefa da escola, da biblioteca, da família, das instituições culturais. Por<br />
isso é relevante suscitar uma discussão sobre formação cultural, seja pensando na formação dos alunos, seja pensando<br />
na formação dos professores e dos auxiliares <strong>de</strong> biblioteca, a fim <strong>de</strong> se sentirem, esses, à vonta<strong>de</strong> na escola em<br />
prol <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sejável formação cultural dos alunos. Para essa discussão, torna-se necessário buscar, inicialmente,<br />
reflexões sobre outras manifestações culturais que não a literatura, em suas relações com o campo educacional, para<br />
1 Temos acompanhado, em nosso trabalho <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> docentes, na efetivação <strong>de</strong> algumas políticas públicas <strong>de</strong> leitura, as concepções <strong>de</strong> leitura subjacentes<br />
às apropriações diferenciadas feitas por leitores e formadores <strong>de</strong> leitores, como, por exemplo, o projeto Literatura em minha casa, do PNBE, ora em implantação.<br />
Cf. MARTINS, Aracy, COSSON Rildo. A literatura em minha casa... e na minha escola também! Presença Pedagógica, set./out., 2002.<br />
118 Salto para o Futuro