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Práticas de Leitura e Escrita - TV Escola

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Se não po<strong>de</strong>mos lastimar tais mudanças, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> perguntar: O que significa a polifonia atual? Será<br />

efetivamente a superação do monólogo centrado na palavra do mestre? A ‘monologia’ foi substituída por comunicações realmente<br />

dialógicas, interlocuções efetivas, vinculadoras dos sujeitos entre si e <strong>de</strong>sses com o conhecimento e o mundo? Ou será<br />

que, antes, caminhamos em direção à poluição sonora, ao simplesmente ruidoso, ao excesso <strong>de</strong> barulho que não nos permite<br />

i<strong>de</strong>ntificar os sons, os significados, os sentidos em circulação? Estaremos dizendo e escutando na escola, ou apenas falando<br />

e ouvindo, todos ao mesmo tempo, sem nos importarmos com o que é dito ou escutado, nem com quem diz e escuta?<br />

Uma reflexão aprofundada e uma posição clara e consistente sobre a palavra na Educação são, portanto,<br />

necessárias, caso <strong>de</strong>sejemos resgatar, nos tempos atuais, os pressupostos educativos comprometidos com valores que<br />

constituem a nossa humanida<strong>de</strong>. Dizer e escutar são alguns <strong>de</strong>les. E a palavra é seu instrumento privilegiado.<br />

No princípio era o verbo...<br />

Palavra criação.<br />

A palavra é a ferramenta preciosa e básica da Educação. Dizer constitui e nos constitui, cria e recria, humaniza e nos<br />

projeta em direção ao outro, ao mundo e à vida. Sem a palavra, seríamos incapazes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s realizações culturais como a Filosofia,<br />

a Ciência, a Literatura, manifestações que nos transcen<strong>de</strong>m e distinguem, tornando-nos únicos enquanto espécie.<br />

A palavra é <strong>de</strong> tal forma valiosa que a formulação no princípio era o verbo soa como algo próximo, familiar, parte<br />

<strong>de</strong> nós mesmos. Ditas e reditas através dos tempos, além <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira celebração do verbo, tais palavras nos lembram a<br />

relação inextrincável existente entre os signos e as coisas por eles nomeadas.<br />

As vinculações entre os nomes e as coisas a que se referem estão <strong>de</strong> tal forma presentes em nossos espíritos que,<br />

muitas vezes, sequer pronunciamos certas palavras, com medo <strong>de</strong> atrair para nós, males que elas conteriam e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ariam,<br />

mediante sua simples menção. Para evitar a palavra câncer, reportamo-nos à doença ruim, da mesma forma que utilizamos<br />

o eufemismo coisa ruim, para não pronunciarmos o nome diabo, e assim por diante.<br />

Nas mais variadas culturas, há palavras que <strong>de</strong>vem ser evitadas, que são tabus, proibidas mesmo. Só po<strong>de</strong>m ou<br />

<strong>de</strong>vem ser pronunciadas em momentos especiais, bem <strong>de</strong>terminados e precisos, por pessoas igualmente especiais. Há<br />

outras que são sagradas, <strong>de</strong>vendo estarem distantes do comércio profano a que estão sujeitos, os signos nos seus usos<br />

cotidianos e correntes. Os mandamentos não nos lembram, por exemplo, que não <strong>de</strong>vemos usar seu santo nome em vão?<br />

Ou seja, lembra-nos que há palavras que não <strong>de</strong>vem ser pronunciadas sem mais nem menos, sob qualquer pretexto.<br />

No Gênesis, palavra e criação aparecem como fenômenos inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, complementares. Deus disse: faça-se<br />

a luz; e a luz se fez. A palavra (disse), em tal situação, é parte constitutiva da criação (luz), permitindo o estabelecimento <strong>de</strong><br />

uma linha direta entre a vonta<strong>de</strong> divina e a ação. Sendo assim, a luz , como tudo o que se seguirá, resulta não só do po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> Deus, mas do disse, do que foi por ele pronunciado. A palavra é, assim, a ferramenta que materializa, que viabiliza a<br />

vonta<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sejo do Pai, seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> criação. Por isso, será tratada sempre como algo especial, sagrado, que não <strong>de</strong>ve<br />

ser profanada, sob riscos <strong>de</strong> graves conseqüências. Após Babel, as palavras não se embaralharam, con<strong>de</strong>nando os homens<br />

a nunca mais se enten<strong>de</strong>rem? “Por tuas palavras serás salvo; por tuas palavras serás con<strong>de</strong>nado”.<br />

Criação, em tal caso, não significa ato <strong>de</strong> natureza meramente simbólica. Deus cria o mundo físico, concreto, não simplesmente<br />

idéias, signos. Em tais circunstâncias, a palavra criadora significa ação, intervenção na or<strong>de</strong>m universal, transformação,<br />

mudança <strong>de</strong> estado. Não é mera ação sobre os códigos. Ao contrário, é modo <strong>de</strong> atuação concreta sobre a matéria.<br />

Palavra revelação.<br />

Na concepção bíblica, a palavra não é apenas sinônimo <strong>de</strong> criação e ação. É, também, <strong>de</strong> revelação. E em duplo<br />

aspecto. De um lado, é por meio <strong>de</strong>la que entramos em contato com a obra do Pai. Lendo o texto sagrado, apropriamonos<br />

e tomamos contato com todos os lances espetaculares que só a criação do universo po<strong>de</strong> nos oferecer. A palavra é,<br />

portanto, caminho do conhecimento.<br />

Por outro lado, se é por meio da palavra que a vonta<strong>de</strong> divina se objetiva, a palavra é mais que uma ferramenta qualquer,<br />

<strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> interesse menor. Ela permite a transformação do subjetivo em objetivo, da intenção em realização, do querer em<br />

fazer. Tradução da alma, a palavra materializa o espírito, transformando a vonta<strong>de</strong> criadora em carne, dando, assim, visibilida<strong>de</strong><br />

ao que jaz escondido nas profun<strong>de</strong>zas. Desse modo, as palavras nos permitem transcen<strong>de</strong>r, revelando-nos o que por si mesmo é<br />

opaco: o mundo dos sentimentos, das sensações, das emoções e dos <strong>de</strong>sejos em estado primitivo e bruto. Nesse sentido, a palavra<br />

bíblica não é ferramenta <strong>de</strong> conhecimentos triviais. É forma <strong>de</strong> acesso ao insondável, ao <strong>de</strong>sconhecido, ao outro que nos ultrapassa,<br />

tornando-o próximo, vinculado a nós. A palavra é, nesse aspecto, ligação, integração, elo entre as diferenças.<br />

Palavra mágica.<br />

As várias dimensões <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong> revelação e <strong>de</strong> ação da palavra são retomadas na cultura, <strong>de</strong> diferentes formas, ao<br />

longo dos tempos. Quem, como Aladim, não repetiu a célebre senha Abracadabra e não <strong>de</strong>sejou remover montanhas com<br />

palavras? Quem não sonhou com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> encantamento, <strong>de</strong> sedução, <strong>de</strong> maravilhamento que elas possibilitam? Afinal,<br />

não foi se servindo <strong>de</strong>las que Sheraza<strong>de</strong> conseguiu vencer a sanha assassina do sultão? Não foi por meio <strong>de</strong>las que, ao mesmo<br />

tempo em que se libertava, libertou a todas as jovens <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong>, bem como ao próprio sultão, <strong>de</strong> um trauma <strong>de</strong> graves e<br />

<strong>de</strong>struidoras conseqüências? As palavras nos ensinam as histórias, são po<strong>de</strong>rosas, capazes <strong>de</strong> inebriar, <strong>de</strong> fascinar e <strong>de</strong> encantar,<br />

propiciando revelação e gozo, mesmo se po<strong>de</strong>m significar também ameaça, <strong>de</strong>struição ou morte. Quantas aflições não passamos<br />

60 Salto para o Futuro

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