Práticas de Leitura e Escrita - TV Escola
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4.3.1. Poesia, música e jogo: nas malhas do bordado, o risco da palavra<br />
Como po<strong>de</strong>rosos instrumentos dos atos da comunicação, as palavras transformam a própria prática da<br />
linguagem. Em diversas situações, fazemos uso das palavras, muito embora nem sempre a gente perceba que são<br />
elas que <strong>de</strong>terminam o modo como esta comunicação se dá. Elas são por utilizadas nós em ritos cotidianos, sociais,<br />
políticos, culturais e mesmo em forma <strong>de</strong> jogos, chegando aos limites da comunicação com o inconsciente, com o<br />
imaginário, como linguagem tecida <strong>de</strong> sonho, fantasia e memória.<br />
Com muitas <strong>de</strong>las temos mais familiarida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vido à sua funcionalida<strong>de</strong>. São aquelas que nos levam a <strong>de</strong>cifrar a<br />
vida e a percebê-la como conhecimento objetivo para a percepção da realida<strong>de</strong>. Outras nos levam à percepção do mundo<br />
<strong>de</strong> forma diferenciada, pois trazem em si, uma intensa elaboração em seus sentidos e em sua forma. As palavras representam<br />
realida<strong>de</strong>s, mas elas se revelam também como realida<strong>de</strong> sonora, tátil, plástica, na imaginação do sujeito.<br />
As palavras, que são símbolos, são formadas por fonemas. Os fonemas formam grupos que se assemelham pela<br />
emissão dos mesmos sons. Quando pronunciamos as palavras, estamos combinando sons. E, ao combinar esses sons,<br />
estamos também relacionando os sentidos. Assim, percebemos que as palavras são som e sentido. De fato, como po<strong>de</strong>mos<br />
enten<strong>de</strong>r as palavras e suas idéias somente pelo que elas trazem como significado? Somente no que elas revelam como<br />
código, como idéia a ser <strong>de</strong>cifrada? É como se a gente quisesse <strong>de</strong>scascar, explicar, enten<strong>de</strong>r as idéias sem senti-las.<br />
Bem, se as palavras são som e sentido, elas po<strong>de</strong>rão ser também objeto estético, elaboração sensível. Neste sentido,<br />
po<strong>de</strong>mos nos perguntar como elas vêm se constituindo em nossa socieda<strong>de</strong>, em suas manifestações como poesia,<br />
como música, bem como sua composição estética, seu diálogo com os diferentes gêneros.<br />
À medida que as palavras são compostas em versos, em suas diferentes formas e gêneros, observamos uma<br />
varieda<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> associações melódicas e rítmicas que são responsáveis pelas diferentes formações estéticas.<br />
Vamos agora nos lembrar <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>ssas formações, na poesia e na música.<br />
No Brasil, a tradição medieval ibérica dos trovadores <strong>de</strong>u origem aos cantadores. Esses eram poetas populares<br />
que iam <strong>de</strong> região em região para cantar seus versos, que apareciam em forma <strong>de</strong> trovas, samba <strong>de</strong> roda e repentes.<br />
Essa tradição dos trovadores e cantadores foi, durante muitas décadas, principalmente no Nor<strong>de</strong>ste, uma prática<br />
bastante comum, que envolvia adultos, jovens e crianças, reunidos nas praças das pequenas cida<strong>de</strong>s, ao final das tar<strong>de</strong>s,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> datas comemorativas, para cantarem seus versos e prosas. A linguagem poética florescia,<br />
assim, nessas ocasiões, entre famílias e grupos sociais. Nesses versos há gran<strong>de</strong> força rítmica e agilida<strong>de</strong> mental para<br />
seduzir pela força das palavras, há uma memória viva e inteligente para a segurança da improvisação.<br />
A palavra cantada, aliada ao jogo, também ocorria como composição estética nas brinca<strong>de</strong>iras das crianças. Muitos jogos<br />
infantis possuíam versos que eram falados pelos jogadores. Em jogos <strong>de</strong>senvolvidos nas ruas e calçadas, nos jardins e parques<br />
infantis, em São Paulo, antes dos anos 60 e 70, por exemplo, grupos <strong>de</strong> crianças brincavam, fazendo saudações, falando versos<br />
que podiam ser cantados, ritmados ou musicados. Jogos populares foram usados em brinca<strong>de</strong>iras por crianças e adultos em<br />
várias partes do Brasil. Os diálogos, escritos em versos, possuíam rimas, ritmo, assim como nas composições poéticas. Brincar<br />
com os jogos era também brincar com as palavras, como na brinca<strong>de</strong>ira chamada “Pa<strong>de</strong>iro, pa<strong>de</strong>iro”: Pa<strong>de</strong>iro!Pa<strong>de</strong>iro!/Quantos<br />
pães queimou por dia?/ Vinte e um queimados/ Quem foi que os queimou?/Foi o pa<strong>de</strong>iro/ Pa<strong>de</strong>iro! Pa<strong>de</strong>iro! Eu já lá vou! Ou ainda na brinca<strong>de</strong>ira<br />
“A raposa e as galinhas”: Po<strong>de</strong>s farejar, raposa/Todo o nosso galinheiro/ E até mesmo se quiseres/Permanecer o dia inteiro/ Para a fome<br />
saciares/Nada, nada encontrarás/Procura como quiseres/Que galinha não terás.<br />
A palavra cantada vai se alterando ao longo dos tempos. Hoje, pouco se joga a Cabra Cega, o Bento Fra<strong>de</strong>,<br />
a Amarelinha, com o rito mágico da poesia e da música que acrescenta o canto à prosa. Mas, em certa medida, ela é<br />
recuperada <strong>de</strong> outras formas, com outras inflexões, outros ritmos, outras modulações, outros gêneros.<br />
As palavras exercem diferentes funções na relação entre texto e melodia, nas composições <strong>de</strong> poetas e músicos. À<br />
medida que as palavras são compostas em versos, em suas diferentes formas e gêneros, observamos uma varieda<strong>de</strong> muito<br />
gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> associações melódicas e rítmicas, que são responsáveis pelos diferentes movimentos estéticos da poesia e da música.<br />
O texto e a melodia favorecem uma riqueza enorme <strong>de</strong> modulações. Como as formas melódicas da palavra evoluem, tendo<br />
em vista esses estilos? Como a melodia po<strong>de</strong> transformar o texto, ou, ao contrário, como o texto se acomoda à melodia?<br />
Em canções da MPB, da Bossa Nova, do Roque, por exemplo, o texto busca, na maioria das vezes, acomodar-se<br />
à melodia para atingir a persuasão. Vinícius <strong>de</strong> Moraes, Tom Jobim, João Gilberto, assim como os <strong>de</strong>mais<br />
compositores da Bossa Nova, promoveram uma revolução estética, pois passaram a enten<strong>de</strong>r a relação palavra e som<br />
não somente do ponto <strong>de</strong> vista melódico, mas também do ponto <strong>de</strong> vista da integração da melodia, ritmo, harmonia<br />
e contraponto, o que revolucionou, também, tanto a escuta quanto o fazer musical, porque as letras das músicas<br />
passaram a ser valorizadas não só pelas idéias (significado), mas também pela sua sonorida<strong>de</strong> (significante). A palavra<br />
ganha, assim, um outro valor <strong>de</strong> representação, ou <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong> sonora. Assim, consi<strong>de</strong>rando a palavra<br />
valorizada pelo conteúdo e pela forma, temos, conseqüentemente, uma maior valorização da interpretação.<br />
Na Poesia Concreta, os poemas não apresentam versos, jogam com a forma e o fundo, aproveitando o espaço<br />
gráfico em sua totalida<strong>de</strong>, brincam com o significado e o significante, rejeitando a idéia <strong>de</strong> lirismo. O poema concreto<br />
é como um quadro ou uma imagem que po<strong>de</strong>m ser observados <strong>de</strong> cima para baixo, da direita para a esquerda, enfim,<br />
*Esse texto se integra ao boletim da série “A palavra reinventada seus usos na educação”, setembro/2005.<br />
Praticas <strong>de</strong> <strong>Leitura</strong> e <strong>Escrita</strong><br />
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