Práticas de Leitura e Escrita - TV Escola
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promoveram uma verda<strong>de</strong>ira classificação médica dos problemas <strong>de</strong> aprendizagem. Nos dias <strong>de</strong> hoje, quando se<br />
encaminha um aluno para uma avaliação neurológica, buscando apoio na contribuição da medicina para a compreensão<br />
das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, o resultado do diagnóstico aponta, geralmente, como causa do problema<br />
do escolar, um quadro <strong>de</strong> dislexia, disfunção cerebral mínima (DCM) ou hiperativida<strong>de</strong>.<br />
Moysés e Collares chamam nossa atenção para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer distinção entre a dislexia – quadro<br />
conhecido em neurologia, em que a perda do domínio da linguagem escrita po<strong>de</strong> ocorrer em conseqüência <strong>de</strong> seqüela<br />
(temporária ou <strong>de</strong>finitiva) <strong>de</strong> uma patologia do sistema nervoso central – e a dislexia específica <strong>de</strong> evolução – nome da<br />
entida<strong>de</strong> patológica que foi empregada no campo <strong>de</strong> estudos dos problemas <strong>de</strong> aprendizagem da leitura e da escrita.<br />
Segundo essas autoras, a dislexia específica <strong>de</strong> evolução foi “inventada” a partir da suposição <strong>de</strong> que, se alguém que já<br />
sabe ler e escrever per<strong>de</strong> a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazê-lo em função <strong>de</strong> uma patologia do sistema nervoso central, então, crianças<br />
que têm dificulda<strong>de</strong> em apren<strong>de</strong>r ou não apren<strong>de</strong>m a ler e a escrever, possivelmente, <strong>de</strong>verão ter alguma patologia<br />
<strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m. Assim, a partir <strong>de</strong>ssa idéia, uma das perguntas que orientou as pesquisas nessa área passou a ser: “se uma<br />
doença neurológica po<strong>de</strong> comprometer o domínio da linguagem escrita, será que a criança que não apren<strong>de</strong> a ler e<br />
escrever teria uma ‘doença neurológica’?” Como você po<strong>de</strong> perceber, o conceito <strong>de</strong> “Dislexia Específica <strong>de</strong> Evolução”<br />
é proposto com base na transposição <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> raciocínio, perfeitamente aplicável na área médica, para a área<br />
educacional. Porém, a pertinência <strong>de</strong>ssa transposição precisa ser examinada com cuidado.<br />
Valendo-se <strong>de</strong>sse mesmo tipo <strong>de</strong> raciocínio, Strauss, um neurologista americano, lançou, em 1918, a hipótese<br />
segundo a qual os distúrbios <strong>de</strong> comportamento dos escolares e também alguns dos distúrbios <strong>de</strong> aprendizagem<br />
po<strong>de</strong>riam ser conseqüência <strong>de</strong> uma lesão cerebral mínima. Ou seja, tais distúrbios seriam em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma<br />
lesão, suficiente para alterar o comportamento e ou alguma função intelectual, mas mínima o bastante a ponto <strong>de</strong><br />
não ocasionar outras manifestações neurológicas. Essa hipótese <strong>de</strong> Strauss não foi acolhida no meio científico nem<br />
divulgada, naquela época, para a socieda<strong>de</strong>. Contudo, alguns anos mais tar<strong>de</strong>, em 1957, a lesão cerebral mínima<br />
ressurge na medicina, como equivalente à síndrome ‘hipercinética’ ou hiperativida<strong>de</strong>. Em 1962, durante um simpósio<br />
internacional, realizado em Oxford, com a participação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>dicados ao estudo da lesão cerebral<br />
mínima, chegou-se à conclusão <strong>de</strong> que não havia nenhuma lesão. Vários métodos <strong>de</strong> investigação foram utilizados<br />
e não se conseguiu <strong>de</strong>tectar sua ocorrência. Os pesquisadores admitiram o erro e, para corrigi-lo, renomearam o<br />
quadro, passando a chamá-lo <strong>de</strong> disfunção cerebral mínima (DCM). A <strong>de</strong>scrição das manifestações clínicas <strong>de</strong>ssa<br />
nova entida<strong>de</strong> foi ampliada: hiperativida<strong>de</strong>, agressivida<strong>de</strong>, distúrbio <strong>de</strong> aprendizagem, déficit <strong>de</strong> concentração,<br />
instabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> humor, baixa tolerância a frustrações, para citar apenas as mais divulgadas.<br />
Várias críticas são apresentadas, atualmente, a essa abordagem do fracasso escolar e das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
aprendizagem. A abordagem Organicista é sempre citada como a gran<strong>de</strong> responsável pela ‘medicalização’ generalizada<br />
do fracasso escolar, pois o tratamento proposto para sanar as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem da criança é o uso<br />
<strong>de</strong> remédios psiquiátricos. Uma das conseqüências mais in<strong>de</strong>sejada da utilização <strong>de</strong>ssa abordagem é a i<strong>de</strong>ntificação<br />
do aluno como alguém que possui uma falha orgânica, ou seja, um déficit neurológico. Ao se empregar termos<br />
como “dislexia”, “hiperativida<strong>de</strong>” e “disfunção cerebral mínima”, ten<strong>de</strong>-se a ver o(a) aluno(a) como o(a) “único(a)<br />
responsável” pelo seu próprio fracasso. Como conseqüência, limita-se, assim, o campo <strong>de</strong> investigação do fracasso<br />
escolar, uma vez que outros fatores intervenientes na produção <strong>de</strong>sse fenômeno são <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rados. A “facilida<strong>de</strong>”<br />
com que esse diagnóstico é utilizado nas escolas cria um quadro <strong>de</strong> encaminhamento para atendimento médico e<br />
prescrição medicamentosa, criando assim, o biologismo <strong>de</strong> um fenômeno da esfera escolar e produzindo gerações<br />
que acabam se tornando conhecidas como “geração comital ou gar<strong>de</strong>nal” (Vidal, 1990; Cypel, 1993).<br />
A segunda abordagem do fenômeno do fracasso escolar surgiu a partir do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> pesquisas no<br />
campo da psicologia cognitiva. Trata-se da Abordagem Instrumental Cognitivista, assim <strong>de</strong>signada por buscar as<br />
causas das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem em possíveis disfunções relativas a um dos quatro processos psicológicos<br />
fundamentais: a percepção, a memória, a linguagem e o pensamento. Segundo Sena (1999), o diagnóstico realizado<br />
utiliza-se basicamente do processo <strong>de</strong> investigação diferencial (comparando um grupo consi<strong>de</strong>rado normal a outro<br />
consi<strong>de</strong>rado atrasado) e busca i<strong>de</strong>ntificar os seguintes sintomas: a <strong>de</strong>sorganização espaço/temporal, os transtornos<br />
<strong>de</strong> lateralida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento ina<strong>de</strong>quado da linguagem, os transtornos perceptivos visuais e auditivos, o déficit<br />
<strong>de</strong> atenção seletiva e os problemas <strong>de</strong> memória. Fijalkow (1989), Nunes, Buarque e Bryant (1992) analisam um<br />
gran<strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas a partir <strong>de</strong>ssa perspectiva e apontam alguns problemas que precisam<br />
ser consi<strong>de</strong>rados ao interpretar os resultados das mesmas. Um <strong>de</strong>sses problemas diz respeito, por exemplo, à não<br />
neutralida<strong>de</strong> e à não objetivida<strong>de</strong> das situações <strong>de</strong> teste a que as crianças são submetidas, em <strong>de</strong>corrência da dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se isolar variáveis para que essas possam ser testadas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente uma das outras. Além disso,<br />
<strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar que a Abordagem Cognitivista, como a Abordagem Organicista, procura as causas do fracasso das<br />
crianças apenas nas características individuais, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando possibilida<strong>de</strong>s explicativas em outras esferas.<br />
A Abordagem Afetiva caracteriza-se por privilegiar como explicação causal do fracasso escolar os transtornos afetivos<br />
da personalida<strong>de</strong>. Partidários <strong>de</strong>ssa abordagem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a idéia <strong>de</strong> que as causas das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem<br />
<strong>de</strong>vem ser buscadas em perturbações no estado ‘socioafetivo’ da criança e não em supostos problemas neurológicos ou<br />
cognitivos. Nessa perspectiva, o atraso do aluno é uma manifestação <strong>de</strong> suas dificulda<strong>de</strong>s originadas <strong>de</strong> algum conflito<br />
emocional (consciente ou inconsciente), cuja origem se encontra na dinâmica familiar. Por meio da utilização do método<br />
78 Salto para o Futuro