Práticas de Leitura e Escrita - TV Escola
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A fábula é um gênero literário muito antigo que se encontra em praticamente todas as culturas humanas<br />
e em todos os períodos históricos. Este caráter universal da fábula se <strong>de</strong>ve, sem dúvida, à sua ligação muito<br />
íntima com a sabedoria popular. De fato, a fábula é uma pequena narrativa que serve para ilustrar algum<br />
vício ou alguma virtu<strong>de</strong>, e termina, invariavelmente, com uma lição <strong>de</strong> moral. Até hoje, quando terminamos<br />
<strong>de</strong> contar um caso ou algum acontecimento interessante ou curioso, é comum anunciarmos o final <strong>de</strong> nossa<br />
narrativa dizendo: “moral da história”... Pois é justamente da tradição das fábulas que nos vem esse hábito<br />
<strong>de</strong> querer buscar uma explicação ou uma causa para as coisas que acontecem em nossa vida ou na vida dos<br />
outros, ou <strong>de</strong> tentar tirar <strong>de</strong>las, algum ensinamento útil, alguma lição prática.<br />
A moral <strong>de</strong> algumas fábulas muito conhecidas acabou se tornando provérbios nas línguas do Oci<strong>de</strong>nte,<br />
muitas vezes até sem que a maioria das pessoas conheça a fábula original. É o caso, por exemplo, dos provérbios<br />
“quem <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha quer comprar” ou “quem ama o feio bonito lhe parece”. O primeiro é a moral da fábula<br />
da raposa que, vendo uvas muito bonitas, mas fora <strong>de</strong> seu alcance, acaba <strong>de</strong>sistindo <strong>de</strong> apanhá-las, alegando<br />
que, na verda<strong>de</strong>, estão ver<strong>de</strong>s. O segundo é a conclusão da história da águia que <strong>de</strong>vora os filhotes da coruja<br />
– como a coruja tinha lhe dito que seus filhotes eram <strong>de</strong> uma beleza incomparável, a águia, ao encontrar num<br />
ninho, um punhado <strong>de</strong> criaturinhas muito feias, não hesitou em comê-las, porque aqueles jamais po<strong>de</strong>riam<br />
ser os filhotes lindos <strong>de</strong> sua comadre coruja. Aliás, é <strong>de</strong>ssa mesma história que proce<strong>de</strong> a nossa expressão<br />
“mãe coruja” ou “pai coruja”, para <strong>de</strong>signar os pais que não vêem <strong>de</strong>feitos nos próprios filhos.<br />
A gran<strong>de</strong> maioria das fábulas tem como personagens animais ou criaturas imaginárias (criaturas fabulosas),<br />
que representam, <strong>de</strong> forma alegórica, os traços <strong>de</strong> caráter (negativos e positivos) dos seres humanos. Os gregos chamavam<br />
a fábula <strong>de</strong> apólogo, e esta palavra também costuma ser usada para <strong>de</strong>signar uma pequena narrativa que<br />
encerra uma lição <strong>de</strong> moral. A palavra latina fábula <strong>de</strong>riva do verbo “fabulare”, “conversar, narrar”, o que mostra<br />
que a fábula tem sua origem na tradição oral – aliás, é da palavra latina fábula que vem o substantivo português<br />
fala, e o verbo falar. É muito provável que as fábulas que chegaram até nós, por meio da escrita, tenham existido<br />
durante muito tempo como narrativas tradicionais orais, o que faz esse gênero remontar a estágios muito arcaicos<br />
da civilização humana. As fábulas <strong>de</strong>vem ter sido usadas com objetivos claramente pedagógicos: a pequena narrativa<br />
exemplar serviria como instrumento <strong>de</strong> aprendizagem, fixação e memorização dos valores morais do grupo social.<br />
Na história do Oci<strong>de</strong>nte, houve gran<strong>de</strong>s autores <strong>de</strong> fábulas. Na Grécia antiga, o mais famoso <strong>de</strong>les foi Esopo,<br />
que viveu entre os séculos VII e VI antes <strong>de</strong> Cristo. Diz a tradição que Esopo era um gran<strong>de</strong> contador <strong>de</strong> histórias,<br />
mas que não <strong>de</strong>ixou nenhuma fábula escrita. Seus apólogos foram registrados <strong>de</strong> forma literária mais tar<strong>de</strong>, por<br />
outros autores. O mais importante <strong>de</strong>les foi o romano Fedro (15 a.C. – 50 d.C.), que se <strong>de</strong>clarava admirador e imitador<br />
<strong>de</strong> Esopo. Algumas fábulas <strong>de</strong> Fedro, que se tornaram extremamente conhecidas são “O lobo e o cor<strong>de</strong>iro”,<br />
“A raposa e o corvo”, “A rã e os bois” e a já mencionada “A raposa e as uvas”. No século XVII, na França, viveu<br />
o mais importante fabulista da era mo<strong>de</strong>rna, Jean <strong>de</strong> La Fontaine (1621-1695). Esse autor, além <strong>de</strong> compor suas<br />
próprias fábulas, também reescreveu em versos franceses muitas das fábulas antigas <strong>de</strong> Esopo e <strong>de</strong> Fedro. É <strong>de</strong>le<br />
a fábula mais conhecida <strong>de</strong> todo o Oci<strong>de</strong>nte, “A cigarra e a formiga”. Nas escolas dos países <strong>de</strong> língua francesa,<br />
as fábulas <strong>de</strong> La Fontaine são estudadas e aprendidas <strong>de</strong> cor pelas crianças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> sua escolarização.<br />
Como La Fontaine escreveu suas fábulas em versos metrificados e rimados, elas são <strong>de</strong> fácil memorização.<br />
Em seu projeto <strong>de</strong> criar uma literatura brasileira especialmente voltada para as crianças e os jovens, o<br />
gran<strong>de</strong> Monteiro Lobato (1882-1948) também se interessou por este gênero tradicional. Em seu livro “Fábulas”,<br />
Lobato reconta em prosa brasileira mo<strong>de</strong>rna algumas das fábulas antigas <strong>de</strong> Esopo, Fedro e La Fontaine,<br />
além <strong>de</strong> nos apresentar algumas <strong>de</strong> sua própria autoria. Esse é, sem dúvida, um dos melhores livros que existe<br />
no Brasil para a abordagem do gênero fábula em sala <strong>de</strong> aula. Além do texto da fábula propriamente dita,<br />
Monteiro Lobato insere, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cada uma das narrativas, as animadas discussões que a fábula provoca no<br />
círculo <strong>de</strong> personagens que povoam o Sítio do Pica-pau Amarelo. Dona Benta, que narra as fábulas, representa<br />
a voz da tradição. A opinião pon<strong>de</strong>rada e refletida das pessoas já vividas. Tia Nastácia, representante da<br />
sabedoria popular, também se mostra bastante inclinada a aceitar a moral das fábulas. Pedrinho e Narizinho<br />
fazem comentários <strong>de</strong> acordo com seu espírito irrequieto <strong>de</strong> crianças curiosas e dispostas a apren<strong>de</strong>r, enquanto<br />
a irreverente Emília tenta, a cada momento, contestar a lição <strong>de</strong> moral que a fábula encerra.<br />
Uma proposta interessante para a abordagem da fábula em sala <strong>de</strong> aula, seria tentar reproduzir <strong>de</strong> algum<br />
modo esse ambiente do Sítio do Pica-pau Amarelo. O professor po<strong>de</strong>ria narrar a fábula, ou lê-la junto com os<br />
alunos, garantindo que cada um ou cada dupla tenha uma cópia e em seguida <strong>de</strong>bater os valores morais contidos<br />
na história. As fábulas po<strong>de</strong>riam suscitar boas discussões em torno <strong>de</strong> temas como a solidarieda<strong>de</strong>, a injustiça<br />
social, a vaida<strong>de</strong>, a ganância, o espírito <strong>de</strong> vingança, o autoritarismo etc. Em que medida a lição <strong>de</strong> moral contida<br />
em <strong>de</strong>terminada fábula ainda se aplica ao modo <strong>de</strong> vida da socieda<strong>de</strong> contemporânea? Não estaria representado<br />
ali, algum tipo <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> muito conservadora? Ou, pelo contrário, estariam veiculados ali, alguns princípios<br />
fundamentais da convivência humana válidos para qualquer época, qualquer lugar e qualquer cultura? Ou, a<br />
mudança dos valores morais ao longo do tempo terá feito envelhecer a lição <strong>de</strong> ética contida nas fábulas?<br />
*Esse texto se integra ao boletim da série “Varal <strong>de</strong> textos”, abril/2002.<br />
Praticas <strong>de</strong> <strong>Leitura</strong> e <strong>Escrita</strong><br />
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