Práticas de Leitura e Escrita - TV Escola
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Narrar é um ato inventivo, seja para contar o acontecido ou apalavrar o imaginado. E toda a sua invenção<br />
resi<strong>de</strong> no <strong>de</strong>talhe: evi<strong>de</strong>nciar uma palavra, iluminar uma pausa, <strong>de</strong>sdobrar um gesto, incorporar a participação dos<br />
ouvintes, buscar um tom <strong>de</strong> voz, encaixar um comentário, introduzir uma personagem, arquear as sobrancelhas...<br />
Desenrolar o enredo e enredar as palavras são as duas páginas da mesma folha. O ouvinte não se envolve<br />
apenas com o rumo dos acontecimentos, mas também com o rumor das palavras.<br />
Muitas vezes, num ambiente familiar, relembramos uma anedota e pedimos para que uma “certa pessoa”<br />
narre o conto humorístico. Essa “certa pessoa” é escolhida, porque já <strong>de</strong>monstrou, em outras ocasiões, a sua<br />
capacida<strong>de</strong> inventiva no ato narrativo. E todos revisitam a velha anedota e reencontram a sempre nova alegria<br />
do pensamento sutil e do trocadilho surpreen<strong>de</strong>nte.<br />
Que tal exercitar a nossa arte narrativa através <strong>de</strong>ste miniconto do tempo da zagalha <strong>de</strong> gancho?<br />
Praticas <strong>de</strong> <strong>Leitura</strong> e <strong>Escrita</strong><br />
“Dois amigos estão conversando na beira da estrada:<br />
– É... As coisas melhorando ficam boas.<br />
– Em compensação, piorando, ficam ruins.<br />
De repente, os dois avistam lá longe, bem longe, na curva da longa estrada, uma pessoa se aproximando.<br />
– Olha lá! Está vendo? É o Rei!<br />
– Estou vendo, sim... Mas... É o Ramos!<br />
– É o Rei!<br />
– É o Ramos!<br />
– É o Rei!<br />
– O Ramos!<br />
Os dois ficaram assim por um bom tempo...<br />
O tal andarilho, então, passou por eles e os cumprimentou:<br />
– Bom dia! Boa tar<strong>de</strong>! Boa noite!<br />
Os dois amigos, é claro, não acertaram nos palpites. E continuaram conversando:<br />
– É... Errei.<br />
– Não. Erramos.”<br />
(Adaptação <strong>de</strong> uma anedota recolhida por Beatriz Al-Chediack Kauark Kruschewsky.)<br />
Não dá vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar esta história para os amigos? Para colocar em prática esta vonta<strong>de</strong>, vamos aos<br />
preparativos. Em primeiro lugar, memorizar o enredo, o enca<strong>de</strong>amento dos fatos – o que não significa, necessariamente,<br />
memorizar o conto da maneira como está escrito. Em segundo lugar, escolher as palavras que receberão<br />
entonações especiais e, ainda, encaixar pausas para que os ouvintes possam construir suas imagens. Em terceiro<br />
lugar, mergulhar na experiência da narração, porque é no diálogo com os ouvintes que a narrativa ganha o seu<br />
<strong>de</strong>senho mais eficiente e expressivo.<br />
As nossas relações cotidianas transbordam <strong>de</strong> oralida<strong>de</strong>s: da notícia ao provérbio, da adivinha à canção, da<br />
piada ao verso, da metáfora à parábola.<br />
Vamos observar, por exemplo, este provérbio:<br />
“Água mole em pedra dura<br />
tanto bate ate que fura.”<br />
Este provérbio traz uma mensagem: persistência, coragem, obstinação. A sua força, entretanto, não vem<br />
da simples <strong>de</strong>codificação <strong>de</strong>sta mensagem – ela nasce do movimento das águas que se expressa no ritmo dos<br />
versos, do rigor da pedra que se expressa na soli<strong>de</strong>z da rima e do mistério da vida que se expressa no dinamismo<br />
das imagens. A sua força, portanto, nasce <strong>de</strong> um conjunto requintado <strong>de</strong> recursos literários.<br />
O trocadilho <strong>de</strong>sperta as atenções, <strong>de</strong>sconcerta as previsões. Por exemplo:<br />
– Vamos relembrar o que ficou combinado da vez passada marimbondo cozido.<br />
“Vez passada” se transforma em “vespa assada” – e daí para “marimbondo cozido” basta um pulo.<br />
As adivinhas são fontes generosas <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> imagens:<br />
“Somos todos irmãos,<br />
morando na mesma rua.<br />
Se um errar a casa,<br />
todos erram a sua.”<br />
*Esse texto se integra ao boletim da série “A palavra reinventada: seus usos na educação”, setembro/2005.<br />
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