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Práticas de Leitura e Escrita - TV Escola

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A poesia po<strong>de</strong> se oferecer a um trabalho sensível e interessante, que tenha como objetivo o estudo da<br />

Língua Portuguesa. Po<strong>de</strong> também ensinar História, Geografia, Matemática ou Ciências. Porém, esta não é sua<br />

vocação primeira e, menos ainda, a única. Os poemas não são feitos com o objetivo <strong>de</strong> ensinarem conteúdos<br />

curriculares ou <strong>de</strong> servirem como estratégia ao ensino dos temas transversais ou <strong>de</strong> outras disciplinas. E é, exatamente,<br />

neste suposto “não ensinar” formal que eles nos ensinam. Trata-se, no entanto, <strong>de</strong> uma outra qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ação educativa, mais ampla e relacionada à formação humana e cultural dos sujeitos.<br />

Mas, afinal, se não foi feita com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensinar a língua ou estilos literários, para dar conta dos<br />

temas transversais contidos nos programas escolares ou qualquer coisa que o valha, para que serve a poesia?<br />

A educadora e escritora francesa Jacqueline Held, ao falar sobre a importância da literatura na educação da<br />

criança, reconhece a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu papel educativo, porém, assinala ela, realiza uma educação “indireta”, cujos<br />

efeitos “não são perceptíveis, senão em longo prazo” (...), “precisamente porque são efeitos <strong>de</strong> uma educação global,<br />

fermentos secretos que agem indissociavelmente sobre a sensibilida<strong>de</strong>, sobre a imaginação, sobre o intelecto.”<br />

Muitas vezes a idéia <strong>de</strong> que a poesia tem uma utilida<strong>de</strong> diferente daquela dos conhecimentos práticos (como<br />

nos disse o poeta, ela é água carregada na peneira), gera um mal-estar que se traduz na tentativa <strong>de</strong> se fazer com que<br />

ela produza algo palpável, que a justifique, que a torne útil no sentido funcional e objetivo. É comum observarmos<br />

ações pedagógicas visando torná-la aceitável <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stes parâmetros. Estas posturas revelam a crença <strong>de</strong> que a<br />

leitura da poesia não seja um ato com importância e função nele mesmo, ato que se justifica na própria experiência<br />

da fruição poética, mas que precise gerar outros produtos e estar relacionado a outras disciplinas para adquirir valor.<br />

Na rotina da escola, por exemplo, esta postura po<strong>de</strong> revelar-se nas intermináveis fichas <strong>de</strong> leitura, questionários,<br />

pesquisas sobre autor e obra e na dissecação da linguagem literária, realizados a partir da leitura <strong>de</strong> um poema. E<br />

muitas vezes, neste rol <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, a poesia se per<strong>de</strong>.<br />

O fato <strong>de</strong> a palavra, matéria-prima da poesia e <strong>de</strong> toda a literatura, ser também o elemento estruturante<br />

<strong>de</strong> outras formas orais e escritas, acaba por dar margem a equívocos. Muitas vezes, a escola não distingue as ações<br />

que realiza com a poesia, das que faz com outros tipos <strong>de</strong> texto, esperando por resultados idênticos ao trabalhar<br />

com modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> linguagem que não são as mesmas. Nutrir expectativas iguais em relação à aprendizagem<br />

<strong>de</strong> conteúdos <strong>de</strong> diferentes áreas do conhecimento é um equívoco que po<strong>de</strong>rá frustrar tanto o professor quanto o<br />

educando. A linguagem poética requer formas <strong>de</strong> aproximação, que incluem não apenas aspectos cognitivos, mas<br />

também imaginativos, afetivos e sensoriais.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, mesmo quando tratamos <strong>de</strong> poesia, há conteúdos e informações a serem garantidos e as estratégias<br />

<strong>de</strong> ensino variarão <strong>de</strong> acordo com os objetivos <strong>de</strong> cada trabalho e conforme a maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem apren<strong>de</strong>.<br />

Porém, esta necessida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> dar lugar à rigi<strong>de</strong>z e à inflexibilida<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>mos realizar ativida<strong>de</strong>s enriquecedoras e valiosas a partir da poesia. Porém, nunca é <strong>de</strong>mais frisar que a<br />

leitura, a “<strong>de</strong>gustação” <strong>de</strong> poemas, tem uma função em si mesma, é um trabalho que se justifica nele mesmo.<br />

Nunca é <strong>de</strong>mais ressaltar que a construção <strong>de</strong> competências para a leitura literária, que permitirão a apreciação<br />

da poesia, passa pela vivência, pela experimentação sensorial, afetiva, emocional – e não apenas cognitiva – da<br />

poesia. A poesia é feita para ser lida, cantada, recitada, lembrada em vários momentos <strong>de</strong> nossa vida, amada e até<br />

mesmo odiada. Mas nunca para ser recebida com tédio ou engolida como um remédio amargo e obrigatório.<br />

Po<strong>de</strong>ríamos pensar na idéia <strong>de</strong> um “cardápio <strong>de</strong> leituras” que tivesse como carro-chefe a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autores,<br />

estilos, temas, épocas e gêneros para que vários “sabores” literários pu<strong>de</strong>ssem ser experimentados, a fim <strong>de</strong> que escolhas<br />

pu<strong>de</strong>ssem ser feitas e um gosto pu<strong>de</strong>sse ir se compondo. O francês Roland Barthes, gran<strong>de</strong> leitor e estudioso da literatura,<br />

consi<strong>de</strong>ra a linguagem literária como aquela que escapa ao previsível, apresentando-se como “projeções, explosões,<br />

vibrações, maquinaria, sabores” e que a “escritura”, ou seja, a forma como esta linguagem se organiza e se apresenta, “faz<br />

do saber uma festa”.<br />

Assim, na tarefa essencial que visa garantir a aprendizagem dos conteúdos curriculares, os educadores não<br />

po<strong>de</strong>m se esquecer <strong>de</strong> que o sabor e a festa também são ingredientes fundamentais do saber. E que a poesia é feita<br />

com esses ingredientes.<br />

4.4.1. Referências bibliográficas<br />

BARROS, Manoel <strong>de</strong>. Exercícios <strong>de</strong> ser criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Salamandra, 1999.<br />

ECO, Umberto. A literatura contra o efêmero. In: Folha <strong>de</strong> São Paulo, Ca<strong>de</strong>rno Mais! Cultura, 18/02/2001.<br />

PAES, José Paulo. Convite. In: Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 2001.<br />

HELD, Jacqueline. O imaginário no po<strong>de</strong>r: as crianças e a literatura fantástica. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1980.<br />

BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, s.d.<br />

Praticas <strong>de</strong> <strong>Leitura</strong> e <strong>Escrita</strong><br />

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