Práticas de Leitura e Escrita - TV Escola
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Diante <strong>de</strong> um texto como este, o que dizer aos alunos? Antes <strong>de</strong> analisar, o que fez a professora através do<br />
bilhete que escreveu, alguns problemas po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong>stacados:<br />
a) questão <strong>de</strong> segmentação - palavras grudadas; b) erros ortográficos: “ma(i)s”, “sima”, “tei”, “éla”, “seite”,<br />
“nos(s)a”, “genti”, “cuando”; c) divisão silábica equivocada: “part - e”; d) ausência <strong>de</strong> pontuação (somente “reticências”);<br />
e) ausência <strong>de</strong> parágrafos; f) repetição <strong>de</strong> expressões: “a gente viu”, “nossa mão”; g) problemas que envolvem<br />
relações sintáticas: “a gente viu a parte preta é mais por cima da cabeça”; h) relato <strong>de</strong> observação oralizado, em que<br />
predomina a perspectiva enuncia tiva <strong>de</strong> quem fez alguma experiência com minhocas.<br />
Seria interessante chamar a atenção para estes itens e analisar o que eles estão mobilizando, pois indiciam<br />
diferentes formas <strong>de</strong> relação com a linguagem, apesar <strong>de</strong> produzirem efeitos inter-relacionados.<br />
Para fins didáticos, irei agrupar os itens acima em dois conjuntos:<br />
1. aspectos formais: relacionados à ortografia, à divisão silábica e, à separação <strong>de</strong> palavras (itens a, b, c);<br />
2. aspectos discursivos: os que se encontram diretamente relacionados à produção <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> sentido no<br />
texto, que lhe permitem tomar uma direção ou outra (d, e, f, g, h).<br />
Na realização da interferência da professora (que é necessariamente uma interpretação do texto do aluno),<br />
optar por um conjunto <strong>de</strong> aspectos ou outro, irá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r, por um lado, <strong>de</strong> um imaginário constituído em torno do<br />
efeito <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> do texto para a professora e, por outro, mas interligado ao primeiro, da “escuta” 2 <strong>de</strong>ssa professora<br />
diante do texto do aluno. Em outras palavras, a interpretação <strong>de</strong>stes “problemas” (ou <strong>de</strong> outros que não foram<br />
levantados 3 ) neste texto (assim como em qualquer outro) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do modo como se constitui o olhar da professora,<br />
do que a professora acha que <strong>de</strong>ve ser ensinado para esses alunos, que estão na 1ª série do Ensino Fundamental.<br />
Vejamos, então, o modo como que a professora “leu” este texto. Ela escreveu um pequeno bilhete para o<br />
Rodrigo e o Matheus fazerem uma 2ª versão.<br />
Rodrigo e Matheus,<br />
Ao invés <strong>de</strong> vocês relatarem o que observaram, tentem reescrever o texto colocando apenas o que vocês sabem<br />
sobre as minhocas.<br />
Lembrem-se <strong>de</strong> que, num texto informativo, o autor “informa” sobre o assunto <strong>de</strong>sejado. Nesse caso, ele não<br />
usa “a gente”, pois não está dizendo o que viu e sim, o que sabe e o que conhece sobre o assunto. Reescrevam o texto<br />
a partir das discussões feitas em classe e escrevam então o que vocês sabem sobre as minhocas.<br />
Bom trabalho!<br />
Denise<br />
Ao analisar este bilhete, um primeiro <strong>de</strong>staque po<strong>de</strong> ser dado à posição da professora e sua “escuta” do<br />
texto dos alunos. Há um <strong>de</strong>stacamento dos aspectos ligados a uma or<strong>de</strong>m discursiva 4 , parecendo <strong>de</strong>ixar para outro<br />
momento os aspectos formais que agrupei no conjunto 1 (isto não é um mero <strong>de</strong>talhe).<br />
Neste texto, alguns pontos po<strong>de</strong>m ser discutidos com algum cuidado, entre eles, a <strong>de</strong>finição do que é “informar”.<br />
A professora afirma que em um texto informativo “não (se) está dizendo o que viu e sim, o que sabe e o<br />
que conhece sobre o assunto”. Há uma imprecisão no modo como ela escreveu o bilhete, pois as crianças não se<br />
limitam a relatar o que observaram, como aparentemente po<strong>de</strong>ria ser suposto. Há um cruzamento <strong>de</strong> enunciados<br />
relacionados a uma provável observação <strong>de</strong> uma minhoca e a textos científicos lidos pela professora ou pelos próprios<br />
alunos. Estes enunciados “mais científicos”, que não são inferidos a partir <strong>de</strong> uma simples observação, po<strong>de</strong>m<br />
ser <strong>de</strong>stacados abaixo:<br />
• “ela é surda e não tem olho”<br />
• “ela <strong>de</strong>svia da mão’ porque sente o calor pela pele”<br />
• “a minhoca vive na terra”<br />
A heterogeneida<strong>de</strong> marcada por estes cruzamentos parece ficar em parte, apagada para a professora, pela<br />
imponente presença da expressão “a gente viu” que, discursivamente, po<strong>de</strong> estar sendo convocada pelos alunos,<br />
mobilizados através da experiência que fizeram em sala com as minhocas do “minho cário”.<br />
2 Para quem <strong>de</strong>sejar ler uma análise mais <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>sta interferência, ver meu artigo “Os efeitos da intervenção do professor no texto do aluno”.<br />
In: Moura, Denilda (org.). Língua e Ensino: dimensões heterogêneas. Maceió: Edufal (pp. 29-40).<br />
3 A noção <strong>de</strong> “escuta” aqui diz respeito ao que a professora enten<strong>de</strong> como problemas que precisam ser resolvidos no texto do aluno. No texto, há<br />
várias or<strong>de</strong>ns distintas <strong>de</strong> problemas a serem resolvidos. Ela terá que optar por algumas, já que não é possível (nem a<strong>de</strong>quado) para os alunos<br />
sanarem todos os problemas <strong>de</strong> uma só vez.<br />
4 Por exemplo, a “letra feia” po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada como um “problema”.<br />
168 Salto para o Futuro