Percebemos, nesse ‘ví<strong>de</strong>o-poema’, um dinâmico jogo que parte da idéia <strong>de</strong> que os nomes dados às coisas ou aos seres, por meio das palavras, são códigos que po<strong>de</strong>rão ultrapassar os limites do sentido referencial, usual e atingir o contexto subjetivo. Ou seja, os nomes das coisas não são as coisas em si, mas representam as coisas. De fato, as palavras são representações, são símbolos que nos pegam <strong>de</strong> surpresa quando as percebemos em seus mais inesperados sentidos. E isto só é possível quando praticamos uma leitura “ao avesso”, uma leitura que subverte a sua or<strong>de</strong>m aparente. A palavra aqui está revestida <strong>de</strong> associações que refinam com <strong>de</strong>licada sutileza os significados e os significantes nela presentes, <strong>de</strong>svinculados <strong>de</strong> seu sentido normativo, lógico. Partindo, assim, da idéia <strong>de</strong> que as palavras, muitas vezes, fazem parte <strong>de</strong> um jogo sensorial, outros jogos po<strong>de</strong>m ser propostos. Uma vez, sugeri a um grupo <strong>de</strong> alunos que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apreciado o ‘ví<strong>de</strong>o-poema’, várias palavras fossem escritas aleatoriamente numa folha <strong>de</strong> papel. Depois, fomos separando em colunas: palavras brancas (paz, nebulosa, vazio), palavras gostosas (sorvete, bolo, lenga-lenga), palavras sonoras (tambor, estrondo, paralelepípedo), assim sucessivamente. Observei, nessas respostas, que outras associações foram feitas. Aquelas em que, por exemplo, o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada palavra se esten<strong>de</strong> ao significante (imagem acústica da palavra) e não somente ao significado. É o caso <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como “gostosa”, a palavra lenga-lenga. Na verda<strong>de</strong>, o que é consi<strong>de</strong>rado gostoso nesta palavra não diz respeito ao seu sabor, mas ao seu som. Ou melhor, diz respeito ao sabor do som. Este tipo <strong>de</strong> associação é tanto mais possível quanto mais a criança esteja em contato com a palavra enquanto jogo, imagem, brinca<strong>de</strong>ira. E os ‘ví<strong>de</strong>os-poema’ <strong>de</strong> Arnaldo Antunes muito favorecem o exercício <strong>de</strong>ssas ricas associações. O trabalho com as palavras nos jogos <strong>de</strong> mesa é bastante fértil e gratificante também. Partindo <strong>de</strong> jogos como Cara a Cara, Domingo Legal, Truco, Paciência, Fedor, Mau Mau, Loto, Banco Imobiliário, Cai não Cai, Dominó, entre outros, po<strong>de</strong>mos criar interessantes situações <strong>de</strong> aprendizado. Uma <strong>de</strong>ssas situações envolve o estudo <strong>de</strong> substantivos, <strong>de</strong> adjetivos e <strong>de</strong> sílabas tônicas. Invertendo a lógica normativa da gramática e objetivando enten<strong>de</strong>r o conceito, valorizando o sentido das palavras, propus este jogo a seguir. Vários jogos <strong>de</strong> mesa foram trazidos para a sala <strong>de</strong> aula. Num primeiro momento, as crianças se agruparam para jogar. Enquanto jogavam, pedi que fossem listando as palavras-chave, ou seja, as palavras mais importantes que surgem do jogo. Os jogadores vão estabelecendo uma comunicação entre eles que é propriamente a linguagem do jogo. Cria-se uma situação <strong>de</strong> diálogo e interação bastante interessante, pois já não é mais a linguagem do cotidiano que se comunica, mas uma linguagem dos símbolos, dos gestos, do olhar. Este movimento é fundamental ao jogo. Depois <strong>de</strong> os alunos terem jogado cerca <strong>de</strong> 100 minutos, passamos a selecionar as palavras listadas por eles e agrupá-las <strong>de</strong> acordo com a tonicida<strong>de</strong>. E, assim, fomos estabelecendo as associações e as correspondências sonoras entre vogais tônicas e átonas. Depois as agrupamos, buscando semelhanças em sua sonorida<strong>de</strong>. Exploramos bastante essas palavras pela pronúncia, formando jogos rítmicos, combinando seus sons, primeiro <strong>de</strong> duas a duas palavras, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> três a três e assim, sucessivamente. E então, selecionamos: sons finais (baixei, ganhei), sons com eco, como eles mesmos disseram, (bo<strong>de</strong>/bigo<strong>de</strong> – ouro/tesouro), sons nasais (falo, mando, canto/longo, longe, lambe), sons fortes (paixão/canção – ação/gozação), sons abertos (olho/ molho/ monto), sons fechados (jogar/olhar) e assim por diante. Estas classificações foram elaboradas pelos alunos, tendo em vista o próprio sentido que atribuíam às palavras pelo que elas traziam <strong>de</strong> sugestivo, <strong>de</strong> sensório, <strong>de</strong> imagem. Falei a eles que essas rimas são chamadas <strong>de</strong> agudas, graves, consoantes, toantes. Mas o que valeu mesmo foi o exercício <strong>de</strong> pronunciar a palavra, <strong>de</strong> sentir o seu timbre, a sua cor, o seu ritmo, o seu eco. Foi assim que eles perceberam uma carga maior <strong>de</strong> significação, perceberam a palavra e seus recursos como elementos sensíveis e, conseqüentemente, ficaram mais à vonta<strong>de</strong> e com mais autonomia para a brinca<strong>de</strong>ira. Num segundo momento, agora com o objetivo <strong>de</strong> perceber os nomes associados a um esquema rítmico e musical, propus ao grupo que ouvisse a música “Criança não trabalha”, <strong>de</strong> Paulo Tatit e Arnaldo Antunes, observando o ritmo, as rimas, os refrões e as divisões em estrofes. Ela diz assim: Lápis, ca<strong>de</strong>rno, chiclete, peão/ sol, bicicleta, skate, calção/ escon<strong>de</strong>rijo, avião, correria/ tambor, gritaria, jardim, confusão/ bola, pelúcia, merenda, crayon/ banho <strong>de</strong> rio, banho <strong>de</strong> mar, pula sela, bombom/ tanque <strong>de</strong> areia/ gnomo, sereia/ pirata, baleia, manteiga no pão... Criança não trabalha, criança dá trabalho/ criança não trabalha, criança dá trabalho... Observando as sílabas tônicas das palavras (que formam as rimas agudas com as oxítonas; as rimas graves, com as paroxítonas; as rimas esdrúxulas, com as proparoxítonas), a forma do poema como um todo, as repetições e os refrões, pedi que o grupo tentasse escrever versos, quadras, com os substantivos e adjetivos por eles listados durante o jogo. Neste processo, foi interessante perceber que, ao listarem os nomes, houve uma associação espontânea entre a palavra e o seu significado, reforçada pelos recursos sonoros e pela experiência do jogo. Selecionar as palavras significou, na verda<strong>de</strong>, nomear a sua essência na ação <strong>de</strong> jogar. A palavra foi ‘ressignificada’ no contexto da imaginação. Isto facilitou a compreensão e a assimilação <strong>de</strong>ste significado novo. Por outro lado, a composição/combinação que os alunos estabeleceram entre as palavras fugiu do automatismo, adquiriu certa in<strong>de</strong>pendência sintática, principalmente, em relação aos conectivos ou elementos <strong>de</strong> ligação. Vemos isto nos versos: novela canção/poesia emoção/lembrança coração. Em vez <strong>de</strong> a canção da novela/ a poesia da emoção/ a lembrança do coração. Praticas <strong>de</strong> <strong>Leitura</strong> e <strong>Escrita</strong> 139
Todas estas associações são possíveis porque nestas brinca<strong>de</strong>iras experimentamos, conhecemos as palavras por meio dos sentidos, formamos uma idéia e enten<strong>de</strong>mos as palavras, como disse Fayga Ostrower, pela con<strong>de</strong>nsação poética da experiência como via <strong>de</strong> conhecimento da realida<strong>de</strong>. Assim, a palavra atua num cenário <strong>de</strong> imagens e possibilida<strong>de</strong>s. Isto, sem dizer que estudar substantivos e adjetivos ficou bem mais divertido, porque nós tiramos o véu das palavras, nós as <strong>de</strong>scobrimos, as mostramos e as <strong>de</strong>ciframos primeiro, sem dizer o que elas são imediatamente. Muitas outras formas <strong>de</strong> percepção da linguagem vão sendo reveladas pelos jogadores. Estas são somente algumas <strong>de</strong>las, que tentei mostrar. Vejamos alguns textos que os alunos escreveram. O primeiro foi inspirado no jogo chamado Cara a Cara, o segundo no Domingo Legal e, o outro, no Truco. Rota Poética Olho, molho, monto Conto, frente, lado Traz, faz, mas Azul, sul, som, dom Homem, mulher Bo<strong>de</strong>, bigo<strong>de</strong> Cara a cara Pé a mão Chão com pão Paixão, canção Sonho, ilusão Desdobra, dobra Dedo, dado, lado Falo, mando, canto Longo, longe, lambe Poemoção Domingo legal Engraçado sim Loucura amor Diversão pra mim Roqueiro metaleiro Vão adivinhar quem sou Passageiro do táxi Em que táxi vou? Rua, táxi, passageiro Sal, amendoim, bombom Cabelo, tesoura, cabeleireiro Dança, loucura, som Novela canção Poesia emoção Pensamento cabeça Lembrança coração Trucavez Jogar, já joguei Agora é sua vez Comer, já comi Agora é sua vez Truco, já fiz Agora é sua vez Roubar feio, já roubei Agora é sua vez Passar o monte, já passei Agora é sua vez Dama, já fiz Agora é sua vez Trilha, já formei Agora é sua vez Soprar, já soprei Agora é sua vez Ganhar, já ganhei E você, coitado, já per<strong>de</strong>u! Quando aliamos a palavra e o som ao humor, também po<strong>de</strong>mos obter bons resultados, como nas brinca<strong>de</strong>iras com os “limeriques” – poemas <strong>de</strong> origem inglesa . Os “limeriques” se compõem em estrofes <strong>de</strong> cinco versos rimados. São famosos os <strong>de</strong> Edward Lear. Eles copiam sempre a mesma estrutura métrica, mantendo uma correspondência rítmica. O primeiro verso informa quem é o protagonista, o segundo indica a sua qualida<strong>de</strong>, o terceiro e quarto 140 Salto para o Futuro
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