projetos de rearranjos sociais: escravos, índios e negociantes nos ...
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o conhecimento daquele grupo é “um querer impossível, mormente porque não houve<br />
escritores das histórias brasileiras que escrevesses sobre tal matéria” 77 .<br />
A narrativa concentra-se, pois, na <strong>de</strong>scrição dos espaços da natureza. Estimou o autor<br />
que a população da nação carijó compunha-se <strong>de</strong> seis a oito mil habitantes e, como<br />
justificativa <strong>de</strong>stes valores, atentou para os locais e formas pelas qual aquele grupo habitava,<br />
as construções e os hábitos alimentares. Assim, os indígenas alimentavam-se da pescaria e os<br />
sambaquis <strong>de</strong> casas <strong>de</strong> ostras, encontrados entre as entradas dos rios da baía <strong>de</strong> Paranaguá e as<br />
<strong>de</strong>limitações dos sambaquis indicam como se dispunham as dimensões das povoações. Viera<br />
dos Santos exemplifica que nas margens do rio Sagrado encontra-se o sambaqui <strong>de</strong> maiores<br />
proporções – ocupante do espaço <strong>de</strong> duzentas a quinhentas braças <strong>de</strong> comprido e distante da<br />
margem do rio e mais <strong>de</strong> cinqüenta a cem braças terra a<strong>de</strong>ntro – enquanto nas proximida<strong>de</strong>s<br />
dos rios dos Correias e Almeidas e rio das Pedras, em relação àquele sambaqui, as extensões<br />
são mais reduzidas. Os <strong>índios</strong> estabeleciam-se, ainda, nas ilhas e ilhotas da baía, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
abundância dos mariscos, da pescaria. Vieira dos Santos menciona cerca <strong>de</strong> vinte ilhas que<br />
foram habitadas pelos carijós, entre as quais a ilha das Cobras e a ilha das Palmas 78 .<br />
Na busca <strong>de</strong> relacionar distribuição espacial dos <strong>índios</strong> com o presente da escrita da<br />
obra, o autor indica que as terras na região do rio Sagrado pertenceram ao guarda-mor<br />
Antonio <strong>de</strong> Oliveira Lisboa e naquele ano <strong>de</strong> 1850 a proprieda<strong>de</strong> cabia a Tristão Alves Freire.<br />
Postulou, consi<strong>de</strong>rando-se tais conformações da espacialida<strong>de</strong> indígena, que a cida<strong>de</strong><br />
principal e residência do grão-cacique carijó seriam no rio Sagrado. Pela multiplicida<strong>de</strong> dos<br />
77 SANTOS, Antonio Vieira dos. Op. Cit., p. 95.<br />
78 Torna-se, aqui, pertinente citar a dissertação <strong>de</strong> Zélia Maria Bonamigo, A economia dos MBYA-GUARANIS:<br />
trocas entre homens e entre <strong>de</strong>uses e homens na Ilha da Cotinga em Paranaguá-PR (UFPR, 2006). Através da<br />
metodologia das tradições orais, a autoria analisa como os <strong>índios</strong> da família lingüística Tupi-Guarani, do tronco<br />
Tupi: os Mbya-Guaranis, ter-se-iam estabelecido na ilha da Cotinga, bem como mantêm contato junto aos<br />
habitantes da cida<strong>de</strong>. Em relação ao texto <strong>de</strong> Vieira dos Santos, constata-se que, segundo este autor, quando dos<br />
primeiros movimentos colonizadores pelos paulistas, na ilha da Cotinga não haveria presença indígena. Ainda,<br />
seriam apenas os carijós, sob a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> um cacique, os habitantes <strong>de</strong> extenso território litorâneo. Afiguram-se<br />
insuficientes as obras históricas sobre socieda<strong>de</strong>s indígenas no litoral do Paranaguá, porque, em suma, Vieira dos<br />
Santos é a fonte arrolada. A partir das tradições orais, Bonamigo atentou ter aquela comunida<strong>de</strong> ritos <strong>de</strong> perpassar<br />
as crenças religiosas, cujas trocas com os <strong>de</strong>uses é na Cotinga que lhes foi ministrado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ali proce<strong>de</strong>r os<br />
ritos. Bonamigo não aventa quaisquer possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> movimentos indígenas posterior ao século XVI, mas, a<br />
citar-se a soma <strong>de</strong> quarenta mil selvagens viventes <strong>nos</strong> arredores da Comarca <strong>de</strong> Paranaguá em meados do século<br />
XIX, informação dos vereadores em representação à Província, aqueles não seriam carijós, porque, através dos<br />
<strong>de</strong>sbravamentos dos paulistas, teriam sido dizimados. Contudo, são, conforme se apreen<strong>de</strong> em Marshall Sahlins,<br />
dois discursos <strong>de</strong> atualizações <strong>de</strong> mitos. Os Mbya-Guaranis, em suas trocas com os brancos, reivindicam, para<br />
ancestralida<strong>de</strong> das trocas com <strong>de</strong>uses na Cotinga, a permanência no espaço ilhéu, os <strong>negociantes</strong> oitocentistas, na<br />
atualização <strong>de</strong> um discurso sobre um espaço – porque produzem um censo sobre a população e economia – tem<br />
como objetivo tornar Paranaguá a capital <strong>de</strong> Província. Nessa negociação com autorida<strong>de</strong>s superiores, o índio<br />
i<strong>de</strong>ntificado com o local é o carijó, mas se inscreve no passado, não mais haveriam vestígios. Dos selvagens do<br />
presente obscuras eram suas origens, língua, composição e, segundo indica o ofício dos vereadores, jaziam nas<br />
matas e com eles não <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandava proce<strong>de</strong>r ações políticas.<br />
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