Dissertação Eliane Costa - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
Dissertação Eliane Costa - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
Dissertação Eliane Costa - Sistema de Bibliotecas da FGV ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Em contraposição a essa posição americana é que se <strong>de</strong>senvolveu a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>da</strong> “exceção cultural”, cujo gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor é a França e,<br />
subsidiariamente, o Canadá. Esta consiste, fun<strong>da</strong>mentalmente, em não se<br />
admitir a liberalização <strong>de</strong> comércio <strong>de</strong> serviços na área <strong>da</strong> cultura, a partir do<br />
reconhecimento <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que ca<strong>da</strong> país possa manter políticas<br />
culturais próprias, particularmente medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> proteção às respectivas<br />
indústrias culturais. Quando se fala nesse assunto, há sempre uma ênfase<br />
muito forte nas políticas relaciona<strong>da</strong>s com o setor audiovisual e <strong>de</strong><br />
multimeios (cinema, televisão, rádio, música), embora se inclua também –<br />
particularmente no caso do Canadá – a questão do apoio (através <strong>de</strong> restrição<br />
ao ingresso <strong>de</strong> empresas estrangeiras e subsídios para as empresas locais) à<br />
indústria editorial.<br />
De qualquer forma, a exceção cultural propõe que se consi<strong>de</strong>re que<br />
to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s culturais, produtoras <strong>de</strong> conteúdo, como estando <strong>de</strong> fora<br />
dos processos <strong>de</strong> liberalização do comércio <strong>de</strong> bens e serviços realizados no<br />
seio <strong>da</strong> OMC. O objetivo expresso <strong>de</strong>ssa proteção é o <strong>de</strong> impedir que a<br />
indústria cultural estaduni<strong>de</strong>nse e <strong>de</strong> outros major players consoli<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez<br />
mais ou aumente a sua já prepon<strong>de</strong>rante posição no âmbito internacional.<br />
(Lindoso, 2004)<br />
Enquanto ministro, Gilberto Gil ressaltou, em discursos proferidos em diversos<br />
fóruns, a gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> do quadro mencionado por Lindoso, nota<strong>da</strong>mente para os países<br />
periféricos:<br />
O que <strong>de</strong>veria ser um fluxo intenso <strong>de</strong> trocas com alcance global, em<br />
que to<strong>da</strong> a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural do planeta po<strong>de</strong>ria se expressar, muitas vezes<br />
materializa-se na forma <strong>de</strong> um fluxo <strong>de</strong> mão única <strong>de</strong> formas simbólicas.<br />
Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> rolo compressor que ameaça a<br />
integri<strong>da</strong><strong>de</strong> e a criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos povos dos países não hegemônicos do<br />
planeta, assim como sua sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica.<br />
É nesse quadro que <strong>de</strong>vemos situar a questão do comércio mundial <strong>de</strong><br />
bens e produtos simbólicos. Ler um livro, ouvir um disco e ver um filme são<br />
práticas que não encontram equivalência no consumo <strong>de</strong> um sanduíche ou <strong>de</strong><br />
um suco <strong>de</strong> laranja, no emprego industrial <strong>de</strong> ligas <strong>de</strong> aço ou no uso <strong>de</strong> um<br />
sofá. O fato é que aquelas, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, po<strong>de</strong>m conduzir a estes, graças à sua<br />
capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar <strong>de</strong>sejos e mol<strong>da</strong>r expectativas, graças a seus eficazes<br />
influxos valorativos, no sentido <strong>da</strong> imposição <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><br />
mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Vale dizer, o mercado <strong>de</strong> bens simbólicos é também um mercado <strong>de</strong><br />
visões <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong> estruturações <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Um<br />
mercado <strong>de</strong> consciências. Não somos meros consumidores <strong>de</strong> imagens e <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ias, mas pessoas, comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s, culturas. As diversas “tribos” do planeta<br />
têm <strong>de</strong> garantir a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> an<strong>da</strong>r com suas próprias pernas e falar com<br />
a sua própria voz. Defen<strong>de</strong>r a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural é <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a criativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
humana. É <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a plenitu<strong>de</strong> antropológica <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> povo. Um mundo <strong>de</strong><br />
muitas vozes.<br />
O projeto <strong>de</strong> monoculturalizar o planeta inscreve-se no cerne mesmo <strong>de</strong><br />
uma utopia totalitária. Mas nosso projeto tem outra cara: um planeta<br />
polifônico. É com esta compreensão <strong>de</strong> nossos <strong>de</strong>safios internos, <strong>da</strong> busca <strong>de</strong><br />
uma nova inserção do Brasil no mundo e do papel central que o campo <strong>da</strong><br />
cultura, com suas múltiplas potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sempenhar, que o<br />
98