Baixar - Proppi - UFF
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Nesse caso, houve um comentário surpreso diante da minha pessoa conseguir aguentar<br />
um ensaio de 3 horas de dança Afro e ainda ter força para enfrentar uma aula de mais<br />
3 horas; este comentário entretanto não foi feito com o meu companheiro de dança que<br />
estava na mesma situação do que eu. Foi inevitável pensar que a diferença nas<br />
respostas diante das duas pessoas fosse porque eu sou uma mulher branca enquanto ele<br />
é um homem negro. O que isso quer dizer na nossa sociedade é que a mulher é<br />
geralmente considerada como uma categoria mais fraca do que o homem, e o branco é<br />
considerado ter menos força e resistência do que o negro.<br />
Cabe aqui sinalizar as estratégias e as consequências políticas que muitas vezes se<br />
escondem atrás deste essencialismo que acredita em categorias biológicas<br />
naturalizadas e que as reproduz na linguagem e nos atos cotidianos. As afirmações<br />
sobre habilidades ou direitos exclusivos de dado grupo reflletem o que Gayatri Spivak<br />
chamou de “essencialismo estratégico” , utilizado como arma política por um grupo<br />
específico, neste caso um grupo étnico, para defender sua territorilidade e afirmar seu<br />
controle sobre certa área de conhecimento. Apesar de ter seus motivos, tal<br />
essencialismo revela-se uma ferramenta perigosa, tanto do lado dos grupos<br />
hegemônicos quanto do lado dos suballternos, conduzindo à prática de estigma e<br />
preconceito, como veremos na próxima parte deste capítulo.<br />
Estigma e Preconceito Racial<br />
Além dos estereótipos, a prática das diferenciações naturalizadas entre categorias<br />
cria uma separação entre “nós” e “eles”, facilitando uma formação de grupos, e<br />
definindo quem é “de dentro” e quem é “de fora”. Durante a minha pesquisa surgiram<br />
muitas vezes ocasiões nas quais houve a prática de estereotipar e formar grupos<br />
dividindo quem pertence e quem não. Principalmente, apareceram três tipos de<br />
classificações identitárias e de alteridade. Primeiro, experimentei uma condição de<br />
alteridade atribuída pelos outros, tanto por brancos como por negros, tanto por<br />
integrantes da dança Afro como por quem não está próximo a este universo, sendo<br />
considerada como alguém que não pertence à prática da dança Afro. Segundo,<br />
experienciei fazer parte da dança Afro e do universo Afro-brasileiro, sendo incluída<br />
especialmente pelos integrantes do meu grupo de dança e por quem me conhece<br />
pessoalmente além da minha aparência. Terceiro, devido à proximidade com meus<br />
companheiros de dança Afro e com a realidade Afro-brasileira, senti na pele a<br />
desqualificação e o preconceito contra a arte de dançar Afro.<br />
Começando pela minha experiência de exclusão, segue um exemplo do que aconteceu<br />
durante um encontro casual na Lapa com o professor de dança Afro Charles Nelson:<br />
“Durante nossa conversa, uma das pessoas que estava lá no grupo entrou na<br />
conversa, enquanto estava explicando para Charles Nelson que precisa ter mais<br />
pesquisa sobre dança afro e cultura negra. Esta outra pessoa, um brasileiro negro<br />
estudante de música, interveio falando que depende de quem pesquisa e de como<br />
pesquisa. Pelo olhar dele pude reparar que estava se referindo a mim como<br />
pesquisadora, com um tom de não aceitação. Eu não conhecia esta pessoa,<br />
somente hoje, nesta ocasião, ele me viu e escutou que era uma pesquisadora<br />
italiana de dança afro. Reparando o tom de irritação na sua voz, pedi para ele