70 Lílian Pacheco e Fermino Fernandes Sistoe uma parte constante. A esta parte constante denomina-<strong>se</strong>traço e nenhum ato é produto de apenas um traço.Por <strong>sua</strong> vez, os traços não são imutáveis, são tendênciasamplas em mudança contínua. Todavia, apesarda mudança, pode-<strong>se</strong> reconhecer uma tendência, umaconsiderável constância no modo de comportamento deuma pessoa, afirmando-<strong>se</strong> a pre<strong>se</strong>nça de traços <strong>ou</strong> tendênciasda personalidade.<strong>Para</strong> Piaget (1973,1976) a realidade não <strong>se</strong>riaconstruída nem por estruturas equilibradas e permanentes,nem por uma sucessão de acasos e cri<strong>se</strong>s. Propõeprocessos contínuos de auto-regulações. A epistemologiaconstrutivista caracteriza-<strong>se</strong> por explicar a produção dasnovidades pelo sistema cognitivo através da abertura depossibilidades de contato e atuação no mundo e <strong>sua</strong><strong>se</strong>quilibrações majorantes.Muito <strong>se</strong> tem discutido acerca da abordagemconstrutivista <strong>ou</strong> da teoria psicogenética no campo <strong>educ</strong>acional,mas são p<strong>ou</strong>cas as referências sobre os mecanismosque subjazem ao processo de aprender (Sisto, 1993,1997). O constructo fundamental para uma abordagempiagetiana da produção de conhecimento é o processo deequilibração, que começa quando o sujeito é de<strong>se</strong>quilibradopor obstáculos <strong>ou</strong> perturbações. A garantia dode<strong>se</strong>quilíbrio e <strong>sua</strong> fecundidade são dadas pelareequilibração, quando as lacunas (falta de informaçõespor parte do sujeito) <strong>ou</strong> perturbações são superadas. SegundoSisto (1993) “a proposta do conflito cognitivo consisteem colocar o sujeito frente a uma situação que não <strong>se</strong>encaixa (aspecto negativo) em uma afirmação <strong>sua</strong> anterior(aspecto positivo), <strong>ou</strong> <strong>se</strong> trata de contra-exemplo (aspectonegativo) impossibilitando a generalização da explicaçãopretendida (aspecto positivo)” (p. 43). O fundamentalé, <strong>se</strong>m dar a resposta certa, levar o sujeito a perceber ascontradições das <strong>sua</strong>s afirmações, embora não <strong>se</strong> possater certeza de que os elementos <strong>se</strong>rão perturbadores, jáque nenhuma situação é conflitiva em si.Esta pesquisa promoveu um processo de aprendizagemconsiderando que configuração cognitiva das criança<strong>se</strong>xplicava-<strong>se</strong> pelo fato de elas estarem centrada<strong>se</strong>m aspectos positivos do fenômeno. Então foramprovocadas situações para que elas fos<strong>se</strong>m levadas apensar nas contradições de <strong>sua</strong>s afirmações, <strong>ou</strong> realçadasas divergências de pontos de vista entre a dupla de crianças<strong>ou</strong> entre elas e o experimentador.<strong>Para</strong> ob<strong>se</strong>rvar es<strong>se</strong> fenômeno, estud<strong>ou</strong>-<strong>se</strong> criançasde 5 a 7 anos, situadas na passagem do pensamentopré-operatório para o estágio das operações concretas.Nes<strong>se</strong> período elas caracterizam-<strong>se</strong> pelo egocentrismointelectual, pela centração da percepção e do pensamentoem determinados pontos, desconsiderando algumascaracterísticas importantes da situação. O pensamentopré-operatório é irreversível, <strong>ou</strong> <strong>se</strong>ja, na medidaque a criança percorre uma série de raciocínios <strong>ou</strong> transformaçõesde um evento numa determinada direção, elanão inverte mentalmente o processo, alterando <strong>sua</strong>s premissasdurante uma <strong>se</strong>qüência de raciocínio.No processo de aquisição de conhecimentos, alémdos aspectos cognitivos e afetivos, <strong>ou</strong>tro fator de destaquesão as interações sociais. O fator social de<strong>se</strong>mpenhaum duplo papel: primeiro, como processo contínuo econstrutivo de socialização e, <strong>se</strong>gundo, como fonte detransmissões <strong>educ</strong>ativas e lingüísticas das contribuiçõesculturais e dos <strong>se</strong>ntimentos morais.A abordagem da <strong>Psic</strong>ologia Social Genética destacao papel construtivo das interações entre pares no de<strong>se</strong>nvolvimentocognitivo. A teoria do conflito sóciocognitivotem sido proposta por alguns autores comoMugny e Doi<strong>se</strong> (1983) e Perret Clermont e Nicolet(1992). Essa abordagem enfoca o conflito como sóciocognitivo,por compreender que quando o sujeito enfrentauma resposta diferente da <strong>sua</strong>, um conflito interno poderá<strong>se</strong> produzir, o que, por <strong>sua</strong> vez, provocará um duplode<strong>se</strong>quilíbrio: inter-individual e intra-individual. O aspectointer-individual dá o caráter social ao fenômeno. Nabusca de um acordo com o <strong>ou</strong>tro, vê-<strong>se</strong> uma possibilidadede superação do de<strong>se</strong>quilíbrio cognitivo intra-individual(Mugny & Doi<strong>se</strong>, 1983).Muitas pesquisas foram feitas investigando aefetividade do conflito cognitivo <strong>ou</strong> sócio-cognitivo e algumasdelas <strong>se</strong>rão destacadas. Nes<strong>se</strong> contexto, Mugnye Doi<strong>se</strong> (1978) ob<strong>se</strong>rvaram maior progresso no de<strong>se</strong>mpenhode crianças com estratégias cognitivas diferentestrabalhando juntas, do que no de<strong>se</strong>mpenho de criançascom as mesmas estratégias. Ames (1980) compar<strong>ou</strong>interações por conflito cognitivo, interação social,modelação <strong>ou</strong> dissonância cognitiva, constatando queos sujeitos, nas quatro condições de interação por pares,apre<strong>se</strong>ntaram mais mudanças nas respostas do queos sujeitos controle, e o grupo de interação social exibiumais mudanças. Taal e Oppenheimer (1989) chegaramà conclusão de que a resolução do conflito sócio-cognitivoe a ocorrência de coordenação foram mais altas emsituações individuais do que em condições de díade, emcondições competitivas e sob supervisão do que por iniciativaespontânea. Rus<strong>se</strong>ll (1981) não encontr<strong>ou</strong> o con-
Aprendizagem por interação e traços de personalidade 71fronto de idéias esperado pelo conflito sócio-cognitivo,pois os sujeitos que cometeram os “erros egocêntricos”não <strong>se</strong> opu<strong>se</strong>ram à colocação correta de <strong>se</strong>u parceiro.O autor concluiu que a interação de pares pode facilitara aquisição de conceitos básicos por causa da complacênciaentre as crianças, e não por causa do “conflitosócio-cognitivo”. Roy e Howe (1990) investigaram o<strong>se</strong>feitos do conflito cognitivo, sócio-cognitivo e imitaçãono de<strong>se</strong>nvolvimento de habilidades dos sujeitos e encontraramque os sujeitos, em condições de conflito,melhoraram no pós-teste em relação ao grupo-controle,não <strong>se</strong> ob<strong>se</strong>rvando vantagens entre o conflito sóciocognitivoe o cognitivo. Por <strong>sua</strong> vez, Cannella (1992)cheg<strong>ou</strong> à conclusão que discordâncias na interação sócio-cognitivapor duplas podem tanto facilitar como inibira aprendizagem.Dentre as pesquisas envolvendo aprendizagem e traçosde personalidade, algumas podem <strong>se</strong>r destacadas.Palkovic (1979) constat<strong>ou</strong> que na aprendizagem experimentalpor reforço verbal as crianças extrovertidas apre<strong>se</strong>ntarammelhores resultados e os piores resultadosc<strong>ou</strong>beram àquelas com alta pontuação em neuroticismo.Francis e Montgomery (1993) encontraram que sujeitoscom baixa pontuação, tanto em psicoticismo quanto emneuroticismo, e alta pontuação em dissimulação social,apre<strong>se</strong>ntaram atitudes mais positivas para com a escolae lições. Os achados de Maqsud (1993), no entanto, indicaramrelações negativas com realização <strong>escolar</strong>.Csorba e Dinya (1994) constataram que as meninas comaprendizagem pobre mostraram níveis mais altos deneuroticismo.Furnham e Medhurst (1995) encontraram relaçõe<strong>se</strong>ntre traços de personalidade e comportamento em <strong>se</strong>minárioacadêmico. Duas <strong>ou</strong>tras pesquisas relacionarampersonalidade com estilo de aprendizagem (Riding& Tempest, 1986; Jackson & Lawty Jones, 1996) eencontraram relação significativa entre de<strong>se</strong>mpenho emsoletração e nível de extroversão. Entre <strong>ou</strong>tros, Wilsone Lynn (1990) ob<strong>se</strong>rvaram que a aquisição de <strong>se</strong>gundoidioma estava relacionada mais fortemente com diferençasde personalidade. Robinson, Gabriel e Katchan(1994) constataram que sujeitos com pontuação alta emneuroticismo e alta em extroversão melhoraram miaisno teste oral de francês, enquanto que os sujeitos compontuação alta em neuroticismo e baixa em extroversãomelhoraram mais no teste escrito.As reflexões sobre essas relações têm despertado ointeres<strong>se</strong> por pesquisas sobre a relação entre as característicasde personalidade e métodos pedagógicos.Vários estudiosos (Gayle, 1981; Ey<strong>se</strong>nck 1992, 1996;Borg & Shapiro, 1996) têm discutido o uso de diferençasindividuais no ensino e concluíram que a personalidadeda criança determina extensamente <strong>sua</strong> reaçãoaos métodos de ensino e até mesmo à situação pedagógica.Crianças extrovertidas parecem beneficiar-<strong>se</strong> demétodos de ensino ba<strong>se</strong>ados na aprendizagem por descoberta,enquanto que as crianças introvertidas beneficiam-<strong>se</strong>da aprendizagem por recepção. Da mesma forma,podem <strong>se</strong>r encontradas inúmeras pesquisas quealertam para os benefícios pedagógicos com utilizaçãoda técnica do conflito cognitivo <strong>ou</strong> sócio-cognitivo(Zucchermaglio & Ajello, 1986, por exemplo).A literatura a respeito de traços de personalidade eaprendizagem não é muito rica e nenhuma das pesquisa<strong>se</strong>ncontradas é pertinente à relação que <strong>se</strong> está buscandoneste estudo. Mas es<strong>se</strong>s estudos chamam a atençãopara a importância de <strong>se</strong> conhecer melhor comoestas duas variáveis <strong>se</strong> comportam. O mesmo acontececom relação à técnica de aprendizagem por conflito sócio-cognitivo.Há controvérsias entre os autores. Algunsnão vêem vantagens em <strong>se</strong> estabelecer o conflitocognitivo em dupla <strong>ou</strong> individualmente.Nes<strong>se</strong> contexto, esta pesquisa, por um lado, pretendeuanalisar os efeitos de da técnica de conflito sóciocognitivona aprendizagem em dupla e, por <strong>ou</strong>tro, verificaros tipos de relações possíveis entre o de<strong>se</strong>mpenhodos sujeitos e traços de personalidade.HIPÓTESEValendo-<strong>se</strong> das definições de cada traço de personalidadeforam levantadas algumas expectativas em relaçõesao rendimento das crianças em situação de aprendizagempor conflito sócio-cognitivo em dupla. Criançascom alta pontuação em E (extroversão), por estaremabertas à interação e <strong>se</strong>ntirem-<strong>se</strong> desafiadas a participarpor causa da novidade da situação, devem sofrer os efeitosdo conflito sócio-cognitivo, apre<strong>se</strong>ntando altos níveisde aprendizagem. Também, crianças com alta pontuaçãoem P (psicoticismo) devem apre<strong>se</strong>ntar dificuldades nainteração com o <strong>ou</strong>tro, mas é possível que tenham bomnível de aprendizagem, dada a possibilidade de não <strong>se</strong>envolverem emocionalmente na situação de conflito ereagirem pensadamente. Nessa mesma direção, criançascom alta pontuação em A (adequação) por estarem<strong>Psic</strong>ologia Escolar e Educacional, 2003 Volume 7 Número 1 69-76
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