88 Patrícia Fernanda Carmem Kebachficado pelas ações do sujeito e enriquecido por propriedadestiradas de <strong>sua</strong>s coordenações ( p. ex., ao ordenarelementos de um conjunto), a abstração apoiada sobretais propriedades é chamada “p<strong>se</strong>udo-empírica”(p<strong>se</strong>udo-empirique), porque, ao agir sobre o objeto esobre <strong>se</strong>us ob<strong>se</strong>rváveis atuais, como na abstraçãoempírica, as constatações atingem, de fato, os produtosda coordenação das ações do sujeito: trata-<strong>se</strong>, pois, deum caso particular de abstração reflexionante e, de nenhummodo, de uma decorrência da abstração empírica.Finalmente, chamamos de abstração “refletida”(réflechie) o resultado de uma abstração reflexionante,assim que <strong>se</strong> torna consciente, e, isto, independente de<strong>se</strong>u nível” (p. 274).Verifica-<strong>se</strong>, então que a marcha predominante naevolução dos processos cognitivos depende daabstração reflexionante, pois é esta que vai transferirpara um plano superior o que foi tirado de um nívelinferior da atividade des<strong>se</strong> sujeito. Essa evolução édirigida por uma lei de equilíbrio entre as diferenciaçõe<strong>se</strong> as integrações. Ob<strong>se</strong>rva-<strong>se</strong>, nes<strong>se</strong> caso, queas diferenciações são resultantes do que Piaget (1995)chama de reflexionamento, característico dasabstrações reflexionantes, que consiste no processoque retira de um nível inferior determinadas ligações,que são explícita <strong>ou</strong> implicitamente empregadas, <strong>ou</strong>implicadas <strong>se</strong>m <strong>se</strong>rem notadas, e as transforma emobjetos do pensamento do nível que chega depois. Asintegrações resultam das reflexões, que são reorganizaçõesnecessárias sobre es<strong>se</strong> nível posterior, enriquecidopela introdução dos novos objetos de pensamentoque ainda não haviam sido considerados até omomento. A reflexão é necessariamentegeneralizadora devido ao fato de <strong>se</strong> apoiar sobre umatotalidade mais ampla criada pelo sujeito (Piaget, 1995p 28).Analisando os protocolos de modo a ob<strong>se</strong>rvar asabstrações utilizadas na realização das provas, verifica<strong>se</strong>de que forma a criança realiz<strong>ou</strong> <strong>sua</strong> ação, isto é, <strong>se</strong>foi apoiada sobre a abstração empírica, em que a criançaapenas retira as características ob<strong>se</strong>rváveis dosobjetos, <strong>ou</strong> sobre a abstração reflexionante, em que acriança con<strong>se</strong>gue coordenar <strong>sua</strong>s ações debruçando-<strong>se</strong>sobre si mesma e, inconsciente <strong>ou</strong> conscientemente, levaem conta essas coordenações e relações estabelecidas.Por meio da verbalização daquilo que fez, a criança poderá,<strong>ou</strong> não, apropriar-<strong>se</strong> de <strong>sua</strong> ação e re-organizar<strong>se</strong>u pensamento.Sob essa ótica, os sujeitos do Nível I são os que <strong>se</strong>apóiam basicamente sobre simples abstrações empíricas,não coordenando <strong>sua</strong>s próprias ações, por não possuiresquemas básicos de ação para significar a problemáticaproposta, encontrando-<strong>se</strong>, assim, no estágio pré-operatóriode de<strong>se</strong>nvolvimento, por não con<strong>se</strong>rvarem asabstrações feitas sobre o objeto.Os sujeitos do Nível II são aqueles que estão de talforma centrado nos ob<strong>se</strong>rváveis do objeto, dito de <strong>ou</strong>traforma, nas características perceptíveis do objeto, que<strong>se</strong> centram em apenas uma característica do objeto a<strong>se</strong>r estruturado, <strong>se</strong>m coordenar pontos de vista, não con<strong>se</strong>guindoestabelecer relações lógicas no momento emque procuram solucionar os problemas propostos, o quecaracteriza o pensamento transdutivo, próprio do estágiointuitivo (fa<strong>se</strong> intermediária entre o pré-operatório eo operatório), em que a criança estabelece apenas relaçõesdo particular para o particular, dentre os elemento<strong>se</strong>m jogo. Frente a qualquer contra-argumento, os sujeitosdes<strong>se</strong> nível de de<strong>se</strong>nvolvimento não mantêm a soluçãocorreta para o problema em função da ausência dereversibilidade e generalização do conhecimento, encontrando-<strong>se</strong>,assim, no nível intermediário entre o préoperatórioe o operatório, porém ainda pré-operam.A origem da operação está no processo deinteriorizar a organização das próprias ações, não nos<strong>se</strong>us efeitos (Becker, 2001). Portanto, o sujeito operatório(Nível III) é aquele que possui essa capacidade deorganizar as próprias ações, <strong>ou</strong> <strong>se</strong>ja, aquele que <strong>se</strong> apropriados mecanismos íntimos de <strong>sua</strong>s ações. Os exemplosdes<strong>se</strong>s três níveis de de<strong>se</strong>nvolvimento estão explícitosna análi<strong>se</strong> dos protocolos das provas clínicas sobreo parâmetro sonoro altura.Análi<strong>se</strong> dos Protocolos<strong>Para</strong> <strong>se</strong> demonstrar de que modo foram realizadas eanalisadas as provas clínicas, estão descritos aqui algunsprotocolos que foram pegos como exemplo parademonstrar os níveis de de<strong>se</strong>nvolvimento dos sujeitospesquisados. Neles, as falas do experimentador estarãoescritas em letras não grifadas. As falas da criança emitálico. As ações de ambos estão <strong>se</strong>mpre entre parênte<strong>se</strong>s.Utiliza-<strong>se</strong>, como Piaget (1995), somente as três primeirasletras do nome dos sujeitos e, logo após o nome,a idade de cada um entre parênte<strong>se</strong>s.O material utilizado para estas provas foram oito sinos,formando a escala de dó (dó grave, ré, mi, fá, sol,lá, si, e dó agudo) todos de formato idêntico, para que
A construção da <strong>se</strong>riação auditiva: Uma análi<strong>se</strong> através da metodologia clínica 89não h<strong>ou</strong>ves<strong>se</strong> a possibilidade da criança <strong>se</strong> centrar nosaspectos vi<strong>sua</strong>is dos sinos, e sim no som destes.Prova para a Verificação da Diferenciação de IntervalosTonais GrandesNessa prova, dos dezoito sujeitos entrevistados, apenaso sujeito ISA (4,10) pré-oper<strong>ou</strong>, demonstrando-<strong>se</strong>encontrar no Nível II. Nenhum sujeito respondeu demodo completamente pré-operatório (Nível I). Todos os<strong>ou</strong>tros, a partir dos 5 anos, responderam à diferenciaçãode intervalos grandes corretamente (Nível III). Essaprova consiste na diferenciação da oposição agudo Xgrave, através da comparação, primeiramente espontânea,depois sugerida, de intervalos distantes da escalamusical.Nível II – ISA (4,10) – Aqui, nós temos um montede sininhos. Toca eles para você ver como eles são (acriança toca os sinos). Como é o som destes sinos? Éigual...diferente...? – Diferente. – Este (toco o dó agudo)e este (toco o dó grave) são como? – Um é diferentedo <strong>ou</strong>tro. – Eles são grossos <strong>ou</strong> finos, estes sons,<strong>ou</strong> não? Tem algum grosso e algum fino? – Eu achoque não. – Mas você me dis<strong>se</strong> que eles são diferentes!Como é que eles são, então? – Hum...Grossos. – Eeste aqui (toco o dó grave) é grosso também <strong>ou</strong> é fino?– Grosso também.A criança diferenci<strong>ou</strong> os sinos de modo intuitivo, retirandodos objetos (sinos) <strong>sua</strong>s características sonorasde modo geral, estabelecendo uma relação transdutiva,em que uma característica do objeto é pega para explicar<strong>sua</strong> totalidade, respondendo que, apesar de <strong>se</strong>remdiferentes, todos são “grossos”. ISA não con<strong>se</strong>gue sabero que os torna diferentes, pois não possui instrumentossuficientes de assimilação. A criança, assim,apenas percebe que existem diferenças entre os distintossinos, porém não con<strong>se</strong>gue explicá-las, justamenteporque, apesar de lhe <strong>se</strong>r sugerido, não con<strong>se</strong>gue diferenciarum som grave de um agudo. Eis o exemplo deresposta operatória:Nível III – LUC (11,0) – Eu tenho estes sinos aqui equero que você os toque para ver <strong>se</strong> eles são iguais <strong>ou</strong>diferentes. – (a criança toca os sinos) Tem uns que sã<strong>ou</strong>m p<strong>ou</strong>co mais finos e <strong>ou</strong>tros um p<strong>ou</strong>co mais grossos.– Qual é grosso? – (toca alguns sinos e <strong>se</strong>para odó grave) Este. – E fino? – Este (toca lá).A criança, nes<strong>se</strong> caso, relacion<strong>ou</strong> o som dos sinos<strong>se</strong>m que precisas<strong>se</strong> <strong>se</strong>r demandada sobre o fato. Utiliz<strong>ou</strong>-<strong>se</strong>da abstração p<strong>se</strong>udo-empírica, por meio da comparaçãodos sons, e cheg<strong>ou</strong> à conclusão (abstraçãorefletida) de que alguns possuíam os sons mais graves e<strong>ou</strong>tros mais agudos. Desconhecendo essa denominação,utiliz<strong>ou</strong> o vocabulário espontâneo: grossos (graves) e finos(agudos), <strong>se</strong>m que lhe fos<strong>se</strong> sugerido. Confirm<strong>ou</strong><strong>se</strong>u conhecimento sobre a distinção entre graves e agudos,entregando os sinos corretamente: o dó correspondeuao grave, entregando o sino correspondente à nota maisgrave da escala e lá (um intervalo de <strong>se</strong>xta) o exemplode uma nota mais aguda. Essa primeira operatoriedadenão garante que a criança consiga <strong>se</strong>riar toda a escala.Ela apenas está estabelecendo uma relação entre doissinos, e não, entre um e todos os <strong>ou</strong>tros. LUC realmentenão con<strong>se</strong>gue <strong>se</strong>riar a escala de modo operatório.Prova para a Verificação da Diferenciação deIntervalo de Um TomNessa prova, nenhum sujeito demonstr<strong>ou</strong> <strong>se</strong>r intuitivo.Frente aos contra-argumentos, <strong>ou</strong> permaneciam noNível I, trocando os sons (grave=fino; agudo=grosso), <strong>ou</strong>tomavam consciência (Nível III) de qual som era o grave,e qual era o agudo. <strong>Para</strong> a ob<strong>se</strong>rvação dessa diferenciaçãoentre grave e agudo, propôs-<strong>se</strong> o intervalo de umtom apenas. A média de idade de crianças pré-operatóriasfic<strong>ou</strong> em torno dos 7 anos. Eis um exemplo:Nível I – PAB (5,0) – Destes dois sinos aqui (toco odó grave e o ré), qual é o mais grosso e qual o maisfino? – (a criança toca os sinos para comparar) Este(ré) é o mais grosso. – E este (toco o dó grave)? – Éo mais fininho (com convicção). – Teve um menino queme dis<strong>se</strong> que este (toco o dó grave) era o mais grosso,e este (toco o ré) era o mais fino. Ele tem razão <strong>ou</strong> não?– Não. Este (ré) é mais grosso do que aquele ali(pega o lá e toca). – Ah! Do que o anterior! Mas entreestes dois (toco novamente o dó grave e o ré), qual é omais grosso? – Este (ré). – E este (dó grave)? – Ump<strong>ou</strong>quinho mais fino.O sujeito PAB, mesmo frente ao contra-argumentoproposto, demonstra <strong>se</strong>r pré-operatório na distinção entregrave e agudo. Apesar de ter diferenciadocorretamente um intervalo mais distante, ainda não construiuesquemas auditivos suficientes para diferenciar umintervalo pequeno de som. Nes<strong>se</strong> caso, embora percebauma diferença mínima, os instrumentos de assimilaçãode que dispõe não são suficientes para o estabelecimentode relação operatória. Beyer (1995) sugere quepossa haver alguma inversão nes<strong>se</strong> tipo de resposta, naqual a criança con<strong>se</strong>rva a noção de graves e agudos demodo invertido, <strong>ou</strong> <strong>se</strong>ja, as notas mais graves são toma-<strong>Psic</strong>ologia Escolar e Educacional, 2003 Volume 7 Número 1 85-96
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